Na semana anterior, explorei como o sistema dólar proporciona uma infraestrutura financeira que simplifica o comércio global. Contudo, a hierarquia monetária presente no 'sistema dólar' gera impactos desiguais entre nações centrais e periféricas.

O economista e historiador Adam Tooze destacou que 'a combinação do choque nos preços da energia e a força do dólar afeta o mundo, pressionando consumidores e governos'. Países que enfrentam dificuldades para obter dólares para financiar suas transações internacionais sofrem com restrições externas debilitantes, como é o caso da Argentina.

No país, o bimonetarismo informal faz com que o peso argentino desempenhe um papel predominante (embora não completo) como meio de troca, enquanto o dólar (e em menor grau, o real) atua como unidade de conta e reserva de valor. Essa divisão de funções monetárias é característica de processos inflacionários crônicos.

A principal fonte de inflação na Argentina é sua vulnerabilidade externa. Um dos motivos é a política monetária de taxas de juros reais negativas (81% frente a uma inflação anual de 104% em abril/23), inferiores à taxa de retorno de ativos financeiros em dólar, intensificando a pressão cambial.

Assim que os pesos são depositados em contas bancárias, as pessoas os retiram e compram dólares (ou reais) para guardar em casa.

A Argentina possui um dos menores índices de manutenção de depósitos bancários (9% do PIB), e estima-se que US$ 262 bilhões saíram do sistema bancário formal para serem acumulados pelo setor privado, valor equivalente à dívida externa do país.

Outra causa da escassez de dólares é estrutural e decorre da rápida desindustrialização, da dependência das exportações de commodities e das importações de energia.

Nos últimos três anos, secas afetaram as colheitas de soja e trigo, prejudicando as exportações.

O déficit de energia acumulou US$ 5,2 bilhões em 2022, sendo que somente em gás natural foram gastos US$ 2,3 bilhões (ressaltando a importância da construção do gasoduto de Vaca Muerta).

A relevância desses problemas para o Brasil reside no fato de que a Argentina é a segunda maior economia da América do Sul e um dos principais parceiros comerciais do Brasil.

Um estudo do Ipea aponta que a produção industrial de ambos os países é voltada principalmente para seus mercados internos e o principal destino externo é o país vizinho. As exportações brasileiras para a Argentina geram, em média, cinco vezes mais empregos do que para a China.

A Argentina possui ativos produtivos valiosos que podem aliviar sua vulnerabilidade externa, especialmente por meio do comércio regional. Um exemplo é o desenvolvimento da produção de baterias elétricas a partir das vastas reservas de lítio na fronteira entre Argentina, Chile e Bolívia.

Essa oportunidade única de inserção internacional pró-ativa tem efeitos distributivos progressivos em termos sociais (melhores empregos) e ambientais (transição verde).

No entanto, a hiperinflação na Argentina gera instabilidade política, especialmente em ano eleitoral. Dados recentes indicam que o aumento da inflação vem se traduzindo em maior apoio eleitoral a Javier Milei.

Se os desequilíbrios não forem corrigidos por reformas financeira e monetária dentro de um plano de desenvolvimento produtivo, a extrema-direita poderá vencer as eleições.

Caso isso ocorra, o isolamento da Argentina ameaçará a integração regional e, consequentemente, impedirá a reindustrialização das duas economias e a perda de oportunidades de investimento e comércio na região.