Rafael Vecchiatti

Rafael Vecchiatti

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A reforma tributária encampada pelo governo a partir das propostas de emenda à Constituição (PEC) 45 e 110, que tramitam na Câmara e no Senado, respectivamente, “é muito falha e perniciosa ao país”, na avaliação do presidente do Atlântico Instituto de Ação Cidadã, Rafael Vecchiatti.

“Falha e perniciosa porque uma alíquota única (embora agora parecem não estar admitindo mais) elevará a carga tributária a níveis absurdos e aumentará a evasão fiscal”, afirma o empresário.

Para ele, as duas PECs correm o risco de se tornarem um complicador a mais no já intricado sistema tributário brasileiro, além de levar a uma judicialização.

Vecchiatti lembra que o Atlântico formulou uma proposta de reforma tributária, com previsão de implantação de uma ferramenta digital, batizada de Onda, para auxiliar o pagador de imposto, emitindo nota fiscal e que funcionaria como distribuidora de arrecadação.

“Na visão do Atlântico, uma reforma tributária deve ter três objetivos primordiais: simplificar o sistema, reduzindo o número de tributos e a burocracia; desonerar o contribuinte, reduzindo a carga tributária no tempo; aumentar a competitividade dos produtos e serviços brasileiros”, diz o empresário.


Ele acredita que o risco maior é mais uma vez a reforma tributária não ser aprovada ou aprovada de forma a ficar enfraquecida. Em entrevista ao Estado de Minas, Vecchiatti fala da expectativa em relação à mudança na cobrança dos impostos.
 

"Vai haver um sistema de 'cash back' que tem tudo para se transformar em outro cabresto eleitora"

 
 
 
De uma forma geral, como o senhor avalia a proposta de reforma tributária que está sendo encampada pelo goveno federal com base nas PEC 45 e 110?
Da forma que está hoje, muito falha e perniciosa ao país se aprovada. Falha e perniciosa porque uma alíquota única (embora agora parecem não estar admitindo mais) elevará a carga tributária a níveis absurdos e aumentará a evasão fiscal. Para manter a atual arrecadação, essa alíquota teria que ser de 29%. Isso dobraria o preço da cesta básica, por exemplo. Só seria possível (percentual único) se a alíquota fosse, digamos, 10% ou inferior à de 139 países contidos em um estudo recente sobre tributação. Apensas 51 praticam alíquota única e a méda delas é 12,5%. Os autores dessas PECs não fizeram simulações. Segmentos de bens essenciais, como saúde, transporte, educação, combustíveis serão impactados fortemente. Da forma como está, afetará a atual estrutura de preços relativos, causando um enorme problema à economia. Haverá enorme reflexo negativo sobre as finanças dos estados com maior base produtiva e grandes muncípios também perderão.

A equipe econômica fala em simplificação dos impostos e tributos sobre comércio, serviços e indústria. Vai haver de fato simplificação?
Não. Pelo contrário, vai complicar o que já é absurdo. Imagine dois sistemas tributários operando simultaneamente por anos. As PECs em questão não propõem isso (a simplificação), Não vou especular, embora acredite que há outros fatores que não concorrem para a simplificação, como a criação de um “Conselho Federativo” com 557 municipios e mais os estados. Além disso vai haver um sistema de “cash back” que tem tudo para se transformar em outro cabresto eleitoral. Tudo isso só aumentaria a burocracia, os custos, a ineficiência e a possibilidade de corrupção da máquina governamental.

Quais os riscos de que essa simplificação não ocorra e mesmo com o estabelecimento de um imposto só para municípios, estados e União existam exceções que acabem complicando ainda mais o quadro hoje já complexo?

O risco é total. Na visão do Atlântico, uma reforma tributária deve ter três objetivos primordiais: Simplificar o sistema, reduzindo o número de tributos e a burocracia; desonerar o contribuinte, reduzindo a carga tributária no tempo e aumentar a competitividade dos produtos e serviços brasileiros. Ela deve contemplar ainda a progressividade tributária e o estímulo à produção e ao emprego
 
O governo terá apoio para aprovação da reforma tributária ou a pressão de setores que se sentirem prejudicados pode modificar o que esta sendo proposto
Aparentemente, cada dia que passa o governo tem menos apoio, porque o Congresso, estados, municípios e a sociedade estão tomando conhecimento da inviabilidade dessa proposta.


Quais os riscos políticos para o governo neste momento em relação à reforma tributária?
O risco maior é a não aprovação ou então se agravar o seu enfraquecimento. O Brasil vive há anos uma situação grave e insustentável. No cerne do problema está o nosso caótico sistema tributário, que inibe o consumo, penaliza os investimentos e cria distorções nos preços relativos. Como consequência empresas fecham, deixam o país, desaparecem os empregos e a sociedade empobrece.

Na sua avaliação, quais seriam as consequências desse embate político em torno da reforma tributária para a economia real?
Consequências do “embate político” são difíceis de prever. Mas, se aprovada essa reforma proposta da forma como está, ela desorganizará toda a economia.

A expectativa de que os projetos sejam votados e aprovados neste ano pode ser frustrada?
Certamente. A não ser que modifique substancialmente as PECs 45 e 110.
Quais seriam as modificações necessarias para tornar a reforma tributária aceitável? Dê exemplos.
Demonstramos que, com o amigável operador digital “Onda” – uma ferramenta amiga do pagador que dá suporte para emissão da nota fiscal e controla o pagamento – é viável, o que as PECs atuais não entregam, simulações práticas e previsas de receitas, com transição imediata para o novo sistema, neutralidade entre os setores da economia, redução gradual da carga, progressividade, força federativa, revolução no campo previdenciário, entre outros aspectos. A sociedade brasileira merece a melhor reforma. O Congresso precisa conhecer melhor todas as opções à sua frente.

Quais os pontos polêmicos o senhor vê na proposta de reforma tributária que tramita no Congresso?
Os principais pontos polêmicos são: alíquota única (aumento brutal da carga tributária); longa transição (aumento da burocracia); possibilidade de termos 5.570 alíquotas – cada município poderá “calibrar” sua alíquota); haverá municípios e estados perdedores; ao contrário do afirmado não criará potencial de crescimento econômico ao Brasil. Uma boa reforma tributária deve ter três critérios objetivos: simplificação, eficiência e equidade.

Que setores têm mais pressão para forçar mudanças?
Difícil dizer. Os setores mais organizados ou com melhor representação no Congresso, certamente, tem mais força para pressionar.

No Brasil, há cerca de 30 anos se fala em reforma tributária, mas ela não sai do papel. Por que isso ocorreu? Agora é diferente e se conseguirá efetivamente promover mudanças tributárias?
Entra governo, sai governo e nada muda. Desde 1988, falamos em reformar o Estado, mas nossos representantes tem sido incapazes de fazê-lo. Não se muda por duas razões principais: Historicamente, os governos só têm aumentado a carga tributária para fazer frente aos seus crescentes desperdícios e ineficiências; o Congresso, via de regra, cede às pressões do governo em troca de benesses e favores. Neste último caso, a causa é nosso distorcido sistema de representação que desde a Constituição de 1988 está afastando cada vez mais os eleitores dos seus representantes. Viramos uma “partidocracia”: partidos representam apenas os seus interesses próprios, não ideias e os cidadãos. Precisamos de uma ampla reforma eleitoral com voto distrital; fidelidade partidária; coeficiente eleitoral correto e “recall” (os eleitores poderem cassar o mandato do seu representante, se for ineficiente).

Há uma grande expectativa no meio empresarial em relação à reforma tributária. Até que ponto a expectativa das empresas será contemplada nessa  reforma?
Se a proposta não for mudada, a expectativa será frustrada. E teremos setores ganhadores e perdedores. Nada de equidade. Em direito, equidade significa “disposição para aplicar a justiça tendo em conta as particularidades do caso concreto a jultgar”. Portanto, não existe equidade em tratar de forma igual os desiguais. Caso concretos? Que tal uma alíquota única para bens essenciais e superfluos? E mais, o governo já admite regras e regimes especiais.

As empresas que forem mais afetadas poderão iniciar uma batalha jurídica? Em quais pontos essa disputa pode se dar? Há risco de judicialização da reforma tributária?
Certamente. Não só as empresas, entes federativos também. Haverá uma chance de elevarmos, em muito, a judicialização dos tributos. Imagine. Já temos o sistema judiciário mais caro e dos mais ineficientes do mundo. O que acontecerá se dobrarmos ou triplicarmos a judicialização?