São Paulo e Rio de Janeiro e Brasília – O CEO da Americanas, Leonardo Coelho Pereira, apresentou à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga a fraude contábil da empresa e-mails e outras trocas de mensagem com supostas provas de que os balanços da companhia foram intencionalmente alterados para inflar artificialmente os lucros. Ele também afirmou haver indícios de participação das empresas de auditoria PwC e KPMG. "Essas informações não me permitem tratar (o caso) como inconsistências contábeis", disse Pereira na sua fala inicial na CPI. Um fato relevante publicado ontem pela empresa chamou o caso de fraude pela primeira vez desde que a situação veio à tona, em janeiro.
Pereira apresentou uma troca de emails com a KPMG nos quais a carta final com as recomendações da auditoria é discutida em busca de uma redação final. Nessa discussão, a auditoria acaba substituindo recomendações para o conselho de administração por "recomendações que merecem atenção da administração". A mudança nas palavras diminuiu o grau do problema ao dar a entender que os problemas não precisavam ser levados ao conselho de administração, instância máxima da empresa, e podiam ficar no nível da diretoria.
Em outra leva de documentos, Pereira apontou uma "carta que dá indícios de que a PwC (empresa de auditoria) estava indicando como escrever texto em que o tema risco sacado (mecanismo utilizado para operacionalizar a fraude) não ficasse claro". Nos casos envolvendo as auditorias, Pereira ponderou que as informações ainda precisavam de mais contexto porque documentos falsificados foram apresentados a elas.
O CEO também apresentou um email enviado pelo ex-diretor Marcelo Nunes, antigo diretor financeiro da Americanas, para toda a então diretoria da companhia. Em um balanço chamado "visão interna", ele mostra um prejuízo antes de juros, impostos, depreciação e amortização para 2021 de R$ 733 milhões.
Um outro documento na mesma troca de mensagens intitulado "visão conselho" traz um lucro para a mesma rubrica de quase R$ 2,9 bilhões. Esse foi o número apresentado ao mercado. "Entre a visão interna e a visão conselho criou-se R$ 3,5 bilhões de resultados. A fraude da Americanas é uma fraude de resultado". A ciência da diretoria do caso foi evidenciada também com mensagens em um grupo de WhatsApp com seus integrantes. Nelas, os participantes diziam claramente que se uma alavancagem grande demais fosse apresentada para o conselho "seria morte súbita".
Pereira apontou também que a diretoria falsificava documentos solicitados pelas auditorias forjando assinaturas. "A carta falsificada com números inventados eram apostas assinaturas digitais de cartas verdadeiras, fraude que acontece em boa parte das cartas que foram circularizadas para a auditoria", explicou.
Fatos relevantes
Em janeiro deste ano, a Americanas divulgou em fato relevante ter encontrado "inconsistências contábeis" da ordem de R$ 20 bilhões em seus balanços. O movimento foi seguido pela saída do então CEO, Sergio Rial, que estava havia menos de um mês no cargo. Pereira assumiu o posto em fevereiro, já durante arecuperação judicial da companhia.
Ontem, a varejista assumiu pela primeira vez que houve uma fraude baseado em relatório feito a partir de documentos do comitê de investigação independente, criado no final de janeiro. O relatório aponta que a fraude ocorria na suposta contratação de bônus junto à indústria – quando fabricantes dão descontos para grandes encomendas, que o relatório apontou como "contratos de verba de propaganda cooperada e instrumentos similares (VPC)".
Os descontos não ocorreram de fato. Com as supostas negociações vantajosas, a companhia melhorava o seu balanço. Por outro lado, para cumprir o pagamento aos fornecedores, a diretoria anterior contratou empréstimos sem o conhecimento do conselho de administração, o que aumentou o seu passivo, irregularmente contabilizado, diz o documento.
Segundo a Americanas os supostos fraudadores são todos ex-diretores que foram afastados em fevereiro, 23 dias após a divulgação do escândalo contábil, em 11 de janeiro, além de Miguel Gutierrez, que por 20 anos comandou uma das maiores varejistas do país. O texto afirma que Gutierrez se desligou da companhia em 31 de dezembro, ocasião em que Sergio Rial, então presidente do conselho do Santander Brasil, assumiu o controle da varejista. Todos os outros executivos estavam afastados desde 3 de fevereiro e serão desligados. Timótheo de Barros (vice-presidente, responsável por lojas físicas, logística e tecnologia), porém, comunicou sua renúncia em 1º de maio, segundo a Americanas.
Aindas segundo o fato relevante, o Conselho de Administração não sabia da fraude. O conselho é formado pelos representantes dos acionistas de referência da empresa, que eram os controladores da varejista até o final de 2021: Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles, sócios na empresa de private equity 3G. Estão no conselho hoje o próprio Sicupira, Paulo Alberto Lemann (filho de Jorge Paulo); Cláudio Moniz Barreto Garcia e Eduardo Saggioro Garcia. (Folhapress)
Bloqueio à venda de ações
A Americanas confirmou em comunicado à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) que as negociações com bancos credores incluem uma cláusula que impede que seus acionistas de referência vendam suas ações por um determinado período, ainda indefinido. Os acionistas de referência são o trio de bilionários Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira.
No comunicado à CVM, a Americanas diz que a implantação de uma cláusula de "lock-up", como é conhecido o impedimento para venda de ações, é parte "de uma negociação mais ampla" com credores. O lock-up já teria sido aceito pelo trio, mas ainda não foi batido o martelo sobre o período, segundo fontes próximas aos credores.
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