Os números do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de junho apontaram a primeira deflação do ano no contexto nacional, com recuo da inflação em 0,08% em relação ao mês anterior. No lado oposto do cenário, Belo Horizonte teve um aumento de preços de 0,31%, puxado, essencialmente, pelos aumentos do preço da energia elétrica e da tarifa dos ônibus na capital mineira neste período. Os resultados mostram, em BH, o impacto de gastos específicos no orçamento das famílias, e, no Brasil, apontam para um aumento da pressão pela redução da taxa de juros pelo Banco Central e maior estabilidade no custo de vida nos meses vindouros.
No plano nacional, trata-se da primeira deflação desde setembro do ano passado e a primeira para o mês de junho desde 2017. Há nove meses, o Brasil teve uma variação mensal do IPCA de -0,29%. O índice foi resultado da política de cortes tributários promovida pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL) durante a corrida eleitoral.
Os dados, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) ontem, mostram que a queda no IPCA foi puxada por grupos como alimentação e bebidas e transportes, que representaram impacto de -0,14 e -0,08 ponto percentual no índice geral. Por outro lado, os custos relacionados à habitação tiveram uma alta de 0,69% em relação a maio.
Para Gelton Pinto Coelho, membro efetivo do Conselho Regional de Economia de Minas Gerais (Corecon-MG), a queda inflacionária deste mês reflete os impactos da política econômica do governo federal. Ele traça um paralelo com a queda de setembro do ano passado para comparar como dois governos diferentes podem interferir nos indicadores com resultados semelhantes e métodos distintos.
"As duas quedas vão mostrar a mesma coisa de formas diferentes. Ambas tratam da influência do governo federal atuando na política econômica. No ano passado, em um cenário eleitoral, houve uma retirada de tributos, provocando uma queda de arrecadação que está sendo paga este ano. Já a queda deste mês mostra uma atuação do governo federal reduzindo preços de forma mais direta na questão dos combustíveis, do financiamento da produção, na redução de preços para a indústria automobilística, e também nas exportações. São atuações econômicas diferentes”, avalia.
Em relação à comparação com a última deflação para o mês de junho, registrada em 2017, o economista também aponta a distinção de políticas econômicas como fator que explica essa diferença de resultados para o período. Há seis anos, tratava-se de uma guinada para um governo de lógica mais liberal após anos de mais intervenção. Agora, o sentido é o inverso.
“Estamos vivendo um período de mudança no cenário brasileiro e, em 2017, também tratava-se de um encerramento de ciclo. A partir de 2016 começou a se desmontar os estoques da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), que regulava os preços dos alimentos que a população consome e passou a ser mais regulado pela lei de mercado. Agora começou a se recompor esse estoque. O PAA (Programa de Aquisição de Alimentos), por exemplo, você vai ver muitas prefeituras adquirindo com recursos federais esses alimentos neste ano e isso influencia na queda do preço dos alimentos”, explicou.
Diante dos resultados da inflação de junho e da avaliação de que eles revelam resultados de um planejamento econômico do governo, o economista da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, Administrativas e Contábeis de Minas Gerais (Ipead) da UFMG, Diogo Santos, acredita que o cenário dos próximos meses permite uma tranquilidade maior no planejamento econômico para as famílias brasileiras. “Do ponto de vista mais prático é importante dizer que estamos vivendo um momento de maior controle do custo de vida. Nem sempre isso quer dizer que as coisas estão mais baratas, mas que os preços pararam de crescer. Isso abre espaço no orçamento das famílias para comprar outros bens, para quitar dívidas e ter um planejamento com prazo estendido”, comentou.
Na contramão O cenário entre o Brasil e Belo Horizonte deve ser alterado a partir do próximo mês diante da redução da passagem do ônibus na cidade , válida desde 8 de julho. Para Diogo Santos, economista do Ipead-UFMG, BH também deve alcançar o patamar de deflação na próxima divulgação dos dados mensais pelo IBGE. “No caso de BH, a nossa expectativa para julho é de uma queda, uma variação negativa a partir de julho, especialmente por conta do transporte urbano. A queda da passagem de ônibus de R$ 6 para R$ 4,50 vai ser a principal diferença ao longo do mês e, certamente, vai tornar esse índice negativo, porque tem um impacto muito grande no custo de vida”, analisa.
A tarifa dos coletivos em BH teve um aumento de 33,3% no final de abril. A manutenção da passagem principal da cidade em R$ 6 durante todo o mês de junho é apontada como um fator que não permitiu maior peso no índice final de serviços que tiveram queda de preço como alimentação e bebidas, com variação de - 0,92%, e de artigos de limpeza, com redução de – 0,24%. Os gastos com habitação em Belo Horizonte tiveram a maior variação, com aumento de 3,49% em relação ao mês anterior. Um dos motivos é também apontado como razão para a manutenção da variação positiva da inflação na capital mineira: o aumento do preço da conta de luz, que teve reajuste de 13,66%, como explica Santos.
“Outro fator em Belo Horizonte também foi o reajuste da Cemig. Tivemos autorizado pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) um reajuste de cerca de 10% em maio, então esse reajuste vai impactar a inflação dos meses seguintes. O IBGE destaca esse como um desses elementos que segurou a queda na inflação em BH”, analisa.
A energia é um dos pontos que influencia em diversos gastos. Para os economistas ouvidos pela reportagem, é importante ressaltar que a variação de custos é um resultado de diversos fatores que precisam ser levados em conta na avaliação da inflação. O preço dos alimentos em BH, por exemplo, caiu, enquanto comer fora de casa se tornou mais caro. Isso é um reflexo das despesas agregadas ao funcionamento de um bar ou restaurante, como o preço da conta de luz e do gás de cozinha.
Guerra contra BC ganha novo argumento
Com a primeira variação negativa do IPCA no ano, o governo federal ganha novo argumento no debate para a redução da taxa básica de juros, a Selic. Com o índice estacionado em 13,75% desde agosto do ano passado, a redução do percentual tornou-se uma das pautas econômicas prioritárias do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que coleciona declarações pedindo a revisão da medida pelo Banco Central.
A contenção da inflação é o principal argumento para a manutenção dos juros altos pelo Banco Central. Mesmo com os indicadores do IPCA sob controle nos últimos meses, a variação negativa é vista como um trunfo do governo para que a Selic seja revista na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), órgão do Banco Central responsável pela determinação da taxa.
“A deflação é um argumento muito sólido para a redução dos juros. Hoje essa não é mais uma fala do governo, e se tornou um pedido do setor varejista, de construção, de produção de vestuário. O mercado como um todo já está sinalizando isso. Vale destacar que uma coisa é o mercado do boletim Focus, com agentes econômicos e operadores de mercado e outra coisa é o mercado amplo de quem está na ponta, precisando de crédito para ampliar empresas e oportunidades de emprego”, destaca.
Análise da notícia
Queda será de curta duração
Marcílio de Moraes
A deflação do IPCA em junho não deve se repertir em julho no país. Isso porque o programa de descontos nos carros novos, a redução dos combustíveis e em alimentos como carne e leite provocaram a deflação do mês passado. Os carros não tem mais o desconto, os combustíveis tiver a volta dos impostos, a entressafra deve barrar queda maror nos alimentos.
Com isso, o IPCA deve voltar a ser positivo este mês. No sentido contrário, Belo Horizonte deve registrar deflação este mês, com a redução da tarifa de ônibus de R$ 6 para R$ 4,50. Embora volte a ser positiva não há nenhum risco de descontrole dos preços de agora até o fim do ano, nem mesmo o início dos cortes de juros que o Banco Central deve promover a partir do início de agosto. A queda da cotaação do dólar também favorece à reduçaõ de preços.
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