Joseane Santos, gerente de lanchonete

Belo Horizonte - MG. Diminuição de pagamentos em dinheiro no comércio. Na foto, a gerente de lanchonete Joseane Santos

FOTOS: TÚLIO SANTOS/EM/D.A PRESS

Quem diz que dinheiro não é problema, e sim solução, pode se ver obrigado a mudar de ideia rapidamente ao tentar pagar alguma compra com valores em espécie em Belo Horizonte. É cada vez mais comum que o cliente com moeda corrente nas mãos encontre dificuldade para receber o troco em estabelecimentos da capital. E o outro lado da moeda aparece na parte de dentro do balcão: comerciantes também enfrentam uma verdadeira dor de cabeça quando recebem notas como forma de pagamento.

O sumiço do real em espécie, que pesa para compradores e vendedores, é de certa forma um custo indireto da modernidade, uma “taxa” cobrada pela tecnologia. “Culpa” das modalidades de pagamento digitais, a principal delas, na atualidade, atendendo por três letras que já não saem da boca do brasileiro: o Pix. Ao lado de cartões de crédito e débito, o fenômeno  tem dominado a preferência no momento de os clientes quitarem as contas. Com isso, as notas e as moedas praticamente desapareceram do comércio na capital.

Enquanto o dinheiro “real” vai sumindo de carteiras e caixas registradoras, aquele que talvez seja seu principal algoz, o Pix, vê sua cotação disparar na preferência das transações. De acordo com o Banco Central, a modalidade já respondia por quase um terço dos pagamentos, e isso ainda no ano passado.

Contas pagas via Pix alcançaram 29% de todas as transações registradas no país em 2022, pelas contas do BC. No ano anterior, o índice já havia sido de 16%. A instituição informa que, em apenas dois anos de operação, entre novembro de 2020 e dezembro de 2022, o sistema de pagamento instantâneo se tornou um fenômeno, com a maior quantidade anual de transações.

Os dados mostram que o cartão de crédito ficou com 20% da quantidade de transações no ano passado, perdendo espaço discretamente em relação a 2021, quando respondia por 22%. Pagamentos via débito, também encolheram, com 19% em 2022, contra 23% no ano anterior, enquanto a modalidade pré-paga do cartão aumentou discretamente: passou a 9%, ante os 7% registrados um ano antes. Pagamentos em meios como boleto, cheques e transferências somaram 23% em 2022. Em 2021, foram 32%.

Rodrigo Lanza, proprietario de loja de grãos a granel

Belo Horizonte - MG. Diminuição de pagamentos em dinheiro no comércio. Na foto, Rodrigo Lanza, proprietario de loja de grãos a granel



A chave dos recordes

Com o fenômeno do novo meio de pagamento caindo no gosto – e no vocabulário – do brasileiro, não é de se surpreender que, no início de julho, o Pix tenha atingindo novo recorde de transações em um único dia. No dia 6 deste mês, já haviam sido registradas 129 milhões de transações, aumento nada discreto de 5 milhões em relação ao recorde anterior. E, no dia seguinte, o salto foi ainda maior, chegando a quase 135 milhões de operações.

Um estudo feito pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban), com base em dados do Banco Central, confirma que o Pix se estabeleceu como o método de pagamento mais popular entre os brasileiros. Em 2022, foram 24 bilhões de transações, com média diária de 66 milhões. O total de operações usando o sistema de pagamento instantâneo, no ano passado, ultrapassou a soma de todas as feitas por meio de cartões de débito, boletos, DOCs, TEDs e cheques.

Papel-moeda ladeira abaixo

À medida que as transações por Pix engordam a olhos vistos e o “dinheiro de plástico” oscila discretamente na balança dos pagamentos, um outro movimento vai fazendo o hábito de pagar em “cash” perder musculatura. A quantidade de saques em caixas eletrônicos e agências bancárias no país caiu de 3,1 bilhões em 2021 para 2,6 bilhões no ano passado, com movimentação de R$ 2,1 trilhões em 2022.

Para se ter uma ideia do tamanho do tombo, uma década antes, em 2012, o número anual era de 3,9 bilhões de transações, para uma movimentação financeira de R$ 4,5 trilhões.

Enquanto a tecnologia vai avançando sobre os hábitos de pagamento e proporcionando comodidade aos brasileiros, o sumiço de notas e moedas se torna um problema real no dia a dia de muita gente. Joseane Santos, gerente de uma lanchonete na Savassi, Região Centro-Sul da capital, é apenas uma das que contam que os clientes ficam irritados quando tentam pagar em dinheiro e o estabelecimento não tem troco.

“Falam que a obrigação da gente é ter troco, mas para ter troco tem que entrar dinheiro. Tem dia que não entra nem R$ 100 em dinheiro vivo, é só cartão”, diz enquanto aponta uma grande quantidade de comprovantes das transações no caixa.

Segundo ela, quando o pagamento é feito em dinheiro, começa uma maratona entre os funcionários para conseguir dar o troco para o cliente. “Temos que sair, procurar nos estabelecimentos vizinhos quem tem troco. Às vezes, o pessoal não tem, porque, assim como aqui, não está entrando dinheiro. Até no banco, às vezes, é complicado pegar dinheiro atualmente. Já teve época em que não tinham notas de R$ 5, de R$ 10”, relembra. A solução, diz a gerente, é incentivar as pessoas a pagarem a conta com Pix ou cartão.

 cinegrafista José Antônio da Silva

Belo Horizonte - MG. Diminuição de pagamentos em dinheiro no comércio. Na foto, o cinegrafista José Antônio da Silva.



CICLO 
Outro que diz que precisa se desdobrar pelo troco é o vendedor Victor Velloso, de 26 anos, que trabalha em livraria no mesmo bairro. “Tenho que ir ao financeiro, pedir para trocar o dinheiro. Quando nem isso resolve, falo que realmente não tenho e pergunto se a pessoa não pode pagar no cartão ou no Pix.” Segundo ele, a maioria dos clientes adota os cartões e depois o Pix como opção de pagamento. “Por último vem o dinheiro. Moeda nem aparece.” O vendedor conta que, geralmente, as pessoas fazem piada com a situação. “A gente brinca, perguntando se alguém ainda usa dinheiro hoje.” Ele diz que, em média, uma vez por dia algum cliente paga em cash. O dinheiro em espécie virou dificuldade até para o cliente. “Ele quer facilidade para pagar o mais rápido possível. Então, também vai abdicando do dinheiro. Qando apareceu nota na carteira e ela quer se livrar daquilo também”, brinca.

Entre a segurança e a comodidade

Dono de um empório de produtos a granel também na Savassi, Rodrigo Lanza é mais um a constatar que o papel-moeda anda sumido do comércio. “Hoje 80% do meu pagamento é feito em cartão de crédito, débito ou alimentação. Uns 15% pagam com Pix e 5% em dinheiro. A gente junta o dinheiro da semana para pagar algumas despesas razoáveis.”

Porém, ele preferia que os clientes fizessem mais pagamentos com cédulas e moedas. “Se todo mundo quiser comprar no dinheiro aqui, eu dou até desconto. A carga tributária no Brasil é cada vez mais alta. As taxas das máquinas de cartão são cada vez maiores. Atrapalha também o fluxo (de caixa), porque a venda é descontada no próprio dia”, explica.

O empresário diz que, se vende R$ 10 mil, o desconto das máquinas de cartão é de 3%. “As taxas sufocam um pouco”, reclama. Mas ele também reconhece que a segurança é uma justificativa para as pessoas deixarem de usar dinheiro em espécie. “Nosso público tem faixa etária acima de 60 anos e mesmo eles estão se adaptando a usar pagamentos digitais. Um jovem então, nem deve saber o que é uma cédula de dinheiro”, brinca.

Gerente de um açougue na mesma região, Miriã Nunes conta que, apesar de a maioria dos clientes pagar com cartão de crédito, débito ou Pix, o estabelecimento se programa com uma reserva para conseguir dar o troco em notas e moedas. “Já deixamos trocado. Temos uma quantidade em notas e em moedas. Mas tem dia que nem entra dinheiro, só cartão.”

Ela diz que cada vez mais pessoas optam pelas modalidades de pagamento digitais. “Por causa da tecnologia. Às vezes, nem usam cartão da forma tradicional, mais a aproximação. É mais prático no dia a dia, a pessoa não precisa ir ao caixa eletrônico sacar o dinheiro, já está na mão (o cartão).”

advogado Luiz Leite

Belo Horizonte - MG. Diminuição de pagamentos em dinheiro no comércio. Na foto, o advogado Luiz Leite, 29

 

DOAÇÃO ELETRÔNICA 
O que acontece no caixa reflete, obviamente, os hábitos dos consumidores, que usam cada vez menos dinheiro em espécie na hora de pagar as compras. O cinegrafista José Antônio da Silva, de 63 anos, é um dos que decretam que notas e moedas estão em extinção. “Dinheiro já era. Com sinceridade, faz muito tempo que não vejo. Não ando com dinheiro, nem sei mais como se usa”, brinca. Ele conta que usa a forma de pagamento mais acessível no momento. “Se for Pix, vai no Pix. Caso contrário, vai no débito mesmo.”

Para ele, os pagamentos digitais facilitaram a vida dos consumidores. “Acho que o dinheiro ainda não foi extinto porque muita gente ainda não tem acesso à internet e precisa do dinheiro em espécie. Senão, já teria acabado.” O cinegrafista comenta que, hoje em dia, até as pessoas carentes têm uma chave Pix para receber doações. “Não pedem mais em dinheiro, porque sabem que as pessoas não andam mais com dinheiro.”

O advogado Luiz Leite, de 29 anos, é outro que vai perdendo o hábito de manusear notas e moedas. Tem cartão de crédito e débito, mas normalmente usa mais o débito. “Ando com algum dinheiro, porque tenho que andar, mas não uso muito, não.”

Ele conta que já chegou a ficar sem receber troco, porque o estabelecimento não tinha o valor disponível. "Normalmente, quando é um valor baixinho não me importo." Para o advogado, a escolha por não usar dinheiro está ligada à segurança. "Acho perigoso ficar andando com dinheiro, além de ser muito mais prático usar o cartão."

E nem precisa mais do cartão físico, já que paga as compras apenas com o celular. Leite diz que nem se lembra qual foi a última vez em que tirou dinheiro no banco. “A última vez que fui ao banco já deve ter mais de um ano.”