O governo brasileiro reduziu seu plano de expansão da frota de caças Saab Gripen de 66 para 50 unidades, a fim de acelerar a compra com um aditivo ao atual contrato de compra do avião da Suécia. Além disso, negocia como contrapartida a venda de até quatro modelos de transporte militar Embraer KC-390 para o país nórdico.
O arranjo vem sendo discutido no âmbito do Ministério da Defesa e ainda não foi apresentado oficialmente aos suecos. Nessa terça (26/9), o titular da pasta, José Mucio, afirmou no Rio que irá a Estocolmo no mês que vem para discutir a venda dos KC-390, mas não mencionou detalhes da proposta.
Segundo a reportagem ouviu de pessoas que participam das conversas entre as partes, a ideia brasileira é a de usar a provisão do contrato assinado pelos dois países em 2015, um ano depois da formalização da escolha do Gripen como caça padrão da FAB (Força Aérea Brasileira).
Segundo o acordo, os brasileiros podem aumentar o pedido atual de caças, 36 unidades, dentro dos parâmetros já estabelecidos, como um aditivo equivalente a no máximo 25% do valor inicial da compra —39,3 bilhões de coroas suecas, que equivaleriam se trocadas numa casa de câmbio hoje a R$ 17,7 bilhões.
Numa conta simplificada, já que os valores são desembolsados aos poucos e ainda serão abatidos do financiamento junto ao governo sueco por 25 anos, isso equivale a um gasto potencial de mais R$ 4,5 bilhões pelo Estado brasileiro.
No começo do ano passado, o então comandante da FAB, brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior, disse à reportagem que o plano era chegar a uma frota de 66 aeronaves. Só que isso implicaria um novo contrato, algo de intrincada negociação. Daí o estudo pelo aditivo de um pedido menor.
Já chegaram ao Brasil seis Gripen E, para um piloto, dois a menos do que o previsto pela FAB, um atraso por ora considerado normal.
Para viabilizar o aditivo, cortes de custo adicionais podem ser necessários, e isso ajuda a explicar a mudança de planos na construção de 15 dos 36 aviões no Brasil. Em princípio, eles seriam do modelo F, de dois lugares, que está sendo desenvolvido em parceria pela Saab criadora do caça e a brasileira Embraer.
Só que ficou acertado neste ano que a linha de produção, inaugurada por Lula (PT) em maio, só produzirá o menos complexo modelo E —além de peças para a montagem na Suécia. Pessoas envolvidas na decisão dizem que, economicamente, não fazia sentido escalar a operação brasileira para a produção de um avião que ainda não tem compradores externos além do Brasil.
A Suécia encomendou 60 modelos E, número que deve ser aumentado dada a mudança do ambiente de segurança europeu com a Guerra da Ucrânia, mas ainda não pediu o biposto F. Todo o treinamento para operar essa nova geração é feita em aviões com dois lugares da anterior, a D, e simuladores de voo.
Há vários outros itens que podem ser renegociados, envolvendo sistemas embarcados, armamentos, pacotes de serviço e programas de offset (compensação industrial), por exemplo.
O governo quer casar toda essa negociação com a venda de KC-390 para os suecos. O avião tem tido uma boa aceitação no competitivo mercado europeu, dominado por cerca de 140 cargueiros americanos C-130 Hércules em estágios diversos de envelhecimento.
Na semana passada, a Embraer acertou a venda de talvez quatro aviões para a Áustria. Antes, Portugal havia comprado cinco, mesmo número anunciado pela Holanda, e a Hungria adquiriu duas unidades. Em comum, todos os países ou são da Otan (aliança militar liderada pelos EUA) ou, caso austríaco, próximo dela.
A Suécia está na fila para aderir ao clube, enfrentando por ora restrições da Turquia e da Hungria por motivos políticos diversos. Em abril deste ano, a porta para o KC-390 foi aberta no país por um memorando entre a Saab e a Embraer para oferecer o modelo ao governo sueco.
Como a Saab é a principal indústria aeroespacial sueca, enfrentando dificuldades na Europa pela enxurrada de contratos vencidos pelo americano F-35, a aposta numa parceria mais robusta com o Brasil faz sentido. Serão menos caças do que o previsto inicialmente, mas se a venda for acelerada, a sinalização de vitalidade ao mercado e outros eventuais clientes, como a Colômbia.
Estocolmo hoje opera seis Hércules, um deles com capacidade de reabastecer caças. Na configuração KC-390, o avião da Embraer faz isso e leva mais carga. Ele também é vendido sem a funcionalidade, sendo aí chamado de C-390 para fins de identificação —K significa avião-tanque, C, de transporte.
O que Mucio tentará fazer na Suécia é amarrar todas essas pontas, que facilitariam politicamente a vida do governo por embutir numa despesa alta um ganho potencial para o país —além do fato de que a FAB bancou parte do desenvolvimento do KC-390 e tem direito a 3,2% de royalties a cada exportação.
Os valores vão depender do pacote de equipamentos, manutenção e pós-venda. No caso holandês, a previsão estimada vai de R$ 5 bilhões a R$ 13 bilhões, segundo o governo informou ao Parlamento. Já os húngaros, com uma encomenda mais modesta, pagaram R$ 730 milhões por avião.
O jogo combinado entre FAB e Embraer parece selar a paz entre as partes, abalada pela traumática revisão dos termos do acordo de compra dos KC-390, que tiveram a encomenda reduzida de 28 para 19 aeronaves no ano passado. Nenhum dos lados saiu muito satisfeito do processo.
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