Jeep Willys fabricado em 1951 dá as boas-vindas na entrada do museu. Foi o primeiro usado pela Emater para circular por Minas

Jeep Willys fabricado em 1951 dá as boas-vindas na entrada do museu. Foi o primeiro usado pela Emater para circular por Minas

Alexandre Guzanshe EM D.A Press
Os conhecimentos acumulados pelos trabalhadores do campo temperados com a ciência e tecnologia dão o tom da narrativa construída no Museu Mineiro da Extensão Rural Alysson Paolinelli. Primeiro do Brasil nesse segmento, o espaço aberto à visitação gratuita foi inaugurado em Belo Horizonte, na última sexta-feira (6/10), pela Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Minas Gerais (Emater-MG), que completará 75 anos em 6 de dezembro. O nome do museu é uma homenagem ao professor e ex-ministro da Agricultura Alysson Paolinelli, que faleceu em junho, aos 86 anos, deixando um legado de revolução no desenvolvimento agrícola do país. 

De modo geral, a extensão rural compreende um conjunto de práticas que visa garantir a produção sustentável, gerando emprego, renda e melhoria da qualidade de vida dos trabalhadores rurais. Nessa toada, o complexo na sede da empresa situada na Avenida Raja Gabaglia, 1626, no Bairro Gutierrez, Região Oeste da capital, traz à tona um passeio pela história da Emater, que está presente em 811 municípios. Fundada em 1948, ela também foi a primeira a ser criada no Brasil, inicialmente com o nome de Associação de Crédito e Assistência Rural (Acar), para prestar serviços não apenas de extensão rural, mas auxiliar no desenvolvimento do setor agropecuário mineiro. 

Carro de boi faz referência à vida no campo

Carro de boi faz referência à vida no campo

Alexandre Guzanshe EM D.A Press
Logo, os visitantes poderão conferir no museu, entre outros itens, a reprodução de um escritório local da época; um tanque resfriador de leite; maquetes de cafeicultura e bovinocultura; e uma centrífuga de extração de mel. O acervo reúne também documentos, fotos e vídeos, além do Jeep Willys fabricado em 1951. O veículo dá as boas-vindas na entrada do espaço e foi o primeiro usado pela empresa para circular por Minas, segundo conta o diretor-presidente da Emater-MG Otávio Maia. 

“Esse carro servia para levar os extensionistas rurais [profissionais que dão suporte aos trabalhadores do campo] até os rincões do estado”, pontua. Como o uso do automóvel está atrelado ao início da história da Emater, o veículo tornou-se um cartão de visita para quem chega ao museu. 

Reprodução de um escritório da Emater em meados do século passado

Reprodução de um escritório da Emater em meados do século passado

Alexandre Guzanshe EM D.A Press
“A intenção é resgatar e eternizar a memória desses 75 anos da extensão rural em Minas, mostrando o impacto desse trabalho junto ao setor agropecuário”, explica Maia, acrescentando que a escolha do ex-ministro para nomear o equipamento cultural dialoga com a importância dele para a revolução agrícola sustentável a partir de 1970. “Ele [o ex-ministro] transformou o setor, pois, nas décadas de 1960 e 1970, éramos importadores de alimentos [básicos], porque não conseguíamos produzi-los. Hoje, além de produzirmos, exportamos para boa parte do mundo”, completa. 

Engenheiro agrônomo formado em 1959 pela Escola Superior de Agricultura de Lavras (Esal), atual Universidade Federal de Lavras (Ufla), onde no mesmo ano tornou-se professor na instituição, Paolinelli depois comandou a Secretaria de Agricultura de Minas Gerais em 1971, destacando-se pelo incentivo à produção cafeeira no estado. Ele passou pela pasta outras duas vezes durante a década de 1990.

Os programas de colonização agrícola do cerrado mineiro desenvolvidos por ele chamaram a atenção do governo federal, que o convidou a ser ministro da Agricultura em 1974, onde permaneceu até 1979, sob o governo do general Ernesto Geisel. Paolinelli priorizou a ciência ao desenvolver um sistema de pesquisa agropecuária tropical e liderou a estruturação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), na primeira década da estatal, que surgiu em 1973. 

Conforme dados da Embrapa, Paolinelli promoveu bolsas de mestrado e doutorado, por meio de um ousado projeto de pós-graduação, para que os pesquisadores da empresa se especializassem nas melhores universidades do mundo. Além disso, ainda durante sua gestão, ele criou o Programa de Desenvolvimento dos Cerrados (Polocentro), que consistia em novas vertentes da política agrícola, infraestrutura e tecnologia para produzir alimentos na região. As ações no bioma induziram à criação da Embrapa Cerrados, em Planaltina (DF).

Grande salto de Paolinelli

A revolução agrícola de Paolinelli levou a produção brasileira de grãos a saltar de 39,4 milhões para 252 milhões de toneladas entre 1975 e 2020. Os cerrados, por exemplo, em 1974, eram responsáveis por apenas 8,4% da produção de soja no Brasil. Em 2019, o percentual já representava 46%. Considerando ainda esses dois anos no comparativo, os percentuais são 21,1% e 49%, respectivamente, para o milho e 26,3% e 93% para o algodão, segundo revelam os dados da Revista de Política Agrícola (RPA).

Em 2006, ao lado do pesquisador da Embrapa, Edson Lobato, e do norte-americano Andrew Colin McClung, Paolinelli recebeu o World Food Prize, premiação de prestígio na área da agricultura. Ele foi contemplado pelo trabalho de transformação do cerrado em área fértil para a produção alimentar.

Paolinelli também foi indicado ao Prêmio Nobel da Paz em 2021 e 2022 por ter provocado uma revolução verde ao desenvolver tecnologias agrícolas nas áreas tropicais e fazer do cerrado grande produtor de alimentos. Um dos prêmios, inclusive, integra o acervo do museu, que resgata parte do legado do ex-ministro. 

O museu em quatro atos

Catalogado por estudantes do curso de Museologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o acervo do museu começou a ganhar contornos em 2019, quando os processos de pesquisa foram iniciados, explica Jezulino Mendes Braga, professor e vice-diretor da Escola de Ciência da Informação da instituição de ensino e responsável por conduzir a narrativa do museu. 

“Como parte dos trabalhos, nós usamos o software Tainacan, criado pela Universidade de Brasília, que serve para gestão de acervos museológicos. Depois, trabalhamos desenvolvendo o projeto da exposição. No entanto, há muita coisa para ser catalogada ainda, como mais de quatro mil fotos”, diz. 

Conforme explica o docente, o museu está dividido em quatro núcleos, iniciando pela história da vida no campo. “Vamos mostrar as relações culturais, sociais e de trabalho dessas pessoas. Em um segundo momento, a gente conta a história da própria Emater por meio de uma linha do tempo. São várias fases até chegar à empresa mineira de extensão rural”, conta Jezulino. 

A criação do Clube 4–S (Saber, Sentir, Saúde, Servir) no município de Rio Pomba, em 1952, primeiro instrumento extensionista da Emater para trabalhar a juventude rural, integra a terceira etapa de narrativas construídas no equipamento cultural para os visitantes. À época, a iniciativa agrupava os jovens rurais para desenvolver atividades sociais e fornecer a eles conhecimentos agropastoris e de economia doméstica. 

Por fim, a exposição traz um olhar sobre o futuro da extensão rural com o avanço do setor agropecuário. “Trata-se de mostrar os projetos da Emater em desenvolvimento para a produção rural e o que ela tem plantado de tecnologia. O drone é uma dessas ferramentas”, finaliza. 

Reforço na assistência técnica 

Com a proposta de ampliar o serviço de assistência técnica e gerencial no estado aos produtores rurais, o governo de Minas firmou na última quarta-feira (4/10) um protocolo de intenções com a Federação da Agricultura e Pecuária de Minas Gerais (Faemg) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar). A proposta inicial é atender entre 300 e 400 produtores em diversas regiões do estado, incluindo áreas que nunca foram contempladas, tendo em vista que o crescimento econômico depende da assistência técnica. 

Os valores do projeto inicial superam R$ 3 milhões para 24 meses de execução, informa a Emater. A Secretaria de Agricultura vai oferecer apoio logístico e operacional no desenvolvimento das ações, atividades e programas. Já a Emater-MG vai definir, em parceria com os sistemas Faemg e Senar, as temáticas de capacitações e programas, os locais e períodos de realização.