Trabalhadores por aplicativo chegam à marca de 1,5 milhão de pessoas no Brasil em cenário que revela um ambiente precarizado, mal remunerado, com poucas garantias e baixa autonomia em relação às plataformas. É o que revela um levantamento inédito da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) divulgado ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A pesquisa reuniu dados coletados até o último trimestre do ano passado e traz um contexto até então não apresentado sobre as pessoas que trabalham em aplicativos. Os 1,5 milhão de trabalhadores equivalem a 1,7% da população empregada no setor privado do país. Entre os que têm o serviço por plataformas digitais como sua principal fonte de renda, a ampla maioria está ocupada em transporte de passageiros, 52,2%; ou na entrega de comidas e produtos, 39,5%.
O levantamento também mostrou que a renda média dos trabalhadores por aplicativos é ligeiramente maior do que a média geral, uma diferença de R$ 2.645 para R$ 2.513 mensais. Esta vantagem, no entanto, se dissolve quando analisado que quem trabalha para plataformas digitais tem uma carga horária semanal média de 46 horas ante uma de 39,6 horas dos demais. Na prática, simboliza um ganho pequeno para uma rotina mais desgastante e, em sua maioria, desassistida de direitos, como explica o supervisor da PNAD em Minas Gerais, Humberto Sette.
“São quase sete horas a mais na semana do que a população em geral. No geral, eles têm uma renda um pouco maior, porém, a troco de um aumento das horas trabalhadas, aí entra a questão da precarização. Ele precisa trabalhar mais e de forma mais precária do que o não plataformizado. A questão da previdência, por exemplo, o grau de participação na previdência por exemplo é muito menor do que o geral (35,7% contra 60,8%)”, observa Humberto Sette. O supervisor da PNAD destaca que “não à toa, estamos vendo um movimento no Congresso Nacional para regulamentar essas atividades. De alguma forma teria que trazer as pessoas para dentro da previdência. Isso atende ao sistema previdenciário e também atende a eles. No caso de acidentes, por exemplo, porque estamos falando de trabalhos que envolvem muitos riscos”, observa.
Sette complementa afirmando que o estudo se aprofundou na questão da renda ao fazer um balanço comparando o rendimento dos trabalhadores por aplicativo e os demais com curso superior. Este recorte mostra que, entre as pessoas com graduação completa, os plataformizados recebem, em média, R$ 4.319 mensais, enquanto no mercado privado de forma geral os vencimentos estão na casa dos R$ 5.348. O resultado sugere que, para quem tem uma escolaridade mais alta, a alternativa de trabalhar via aplicativos não é tão vantajosa quanto atuar na área em que se preparou para estar.
“A pessoa que se qualificou, que se graduou e tem o superior completo tem uma expectativa de ganho em conformidade com a qualificação dela. Se ela não encontra trabalho, tem que buscar outra alternativa de renda e aí ela se submete a plataforma que vai dar uma renda menor. Tivemos um investimento muito grande na sociedade no inicio do século para alavancar o grau de instrução no país, porém o mercado de trabalho não acompanhou isso”, destaca Sette.
Outro ponto que mostra uma discrepância dentro do mercado de trabalho por plataformas digitais diz respeito ao gênero. Enquanto entre os empregos privados de uma forma geral há uma ligeira maioria masculina de 59,1%, nos aplicativos, a presença de homens representa 81,3%. Para o supervisor da PNAD em Minas Gerais, esse cenário se deve ao fato de que as profissões de motorista e entregador, ampla maioria nos apps, serem majoritariamente masculinas. De qualquer maneira, é um contexto que aponta para mais uma dificuldade feminina do ponto de vista trabalhista, já que a alternativa ao desemprego representada pelos aplicativos revela um cenário excludente para mulheres.
Problema urbano
Se no cenário nacional a mão de obra em plataformas digitais representa 1,7% dos trabalhadores ocupados no mercado privado, o cenário é diferente em grandes centros urbanos. Na Região Metropolitana de Belo Horizonte, por exemplo, esse percentual dobra e chega a 3,4%; em São Paulo, o número é de 3,1%; e o índice chega a 4% no Rio de Janeiro. “Esse percentual dobra na Grande BH. Isso leva a gente a constatar que esse tipo de atividade está ligada ao fato de haver uma concentração urbana. Em locais onde não há concentração urbana não há demanda para o crescimento deste mercado. Revela também problemas como a insuficiência do transporte público. Tem toda uma uma problemática que permite a ocorrência desses serviços”, avalia Humberto Sette, supervisor da PNAD Contínua em Minas.
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