Faltando menos de dois meses para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), uma incógnita paira no ar. Afinal, haverá ou não mudanças na abordagem de questões da prova, com a exclusão daquelas ditas “controversas” ou “não apropriadas”? Os participantes só saberão a resposta na hora H, mas professores são categóricos. Os alunos devem se preocupar apenas em se preparar para encarar a avaliação, cujo edital preservou a matriz, não apontando mudanças significativas. Pelo sim e pelo não, em muitas salas de aula a aposta é de um teste mais neutro, sem grandes polêmicas nos enunciados das provas de linguagem e ciências humanas e, sobretudo, na redação.
E é nessa ótica mais “sóbria” que o professor de redação e coordenador de língua portuguesa Jean Santos Otoni passou a trabalhar com seus alunos da unidade Contagem do Colégio Santo Agostinho. Ela acredita numa abordagem diferente e numa avaliação muito mais conteudista, com textos que possam exemplificar o estudo da língua portuguesa. “Não penso que haverá textos capazes de extrair opiniões divergentes na sociedade. Mesmo que haja um editorial ou artigo de opinião, imagino um tipo de linguagem de variação, pensando no enfoque de como está na gramática”, avalia.
Sob essa ótica, a redação também seria mais conservadora, não tendo espaço para temas como Caminhos para se combater o racismo no Brasil ou Caminhos para se combater a intolerância religiosa, cobrados em edições anteriores. “No ano passado, já foi totalmente diferente (Manipulação do comportamento do usuário pelo controle de dados e a internet). Acredito num texto que vai propor intervenção e exigir postura do cidadão, mas um tema mais neutro e tranquilo. E nossos alunos querem, de certo modo, temas polêmicos para que eles possam discutir. Acham que se não “dá pano pra manga”, a redação não vai render”, diz. Mas, mesmo trabalhando com uma linha mais neutra, o professor não deixa de lado as outras questões. “Podemos esperar de tudo e não podemos nos esquecer dessa função social da escola”, afirma.
Em português, Jean Otoni conta que está privilegiando um ensino mais voltado para a gramática, apostando numa prova mais conteudista – mesma linha para interpretação de texto –, mas faz questão de abordar com os alunos temas que estão no entorno da escola e formam alunos mais conscientes. “O Enem terá as questões de sempre e que não incomodam, porque são do ensino da língua. Talvez trabalhem mais com assuntos estruturais e formais do conteúdo”.
O coordenador pedagógico do 3º ano do Colégio Magnum Cidade Nova, na Região Nordeste de BH, Marco Antônio Guariento Barbosa, lembra que as avaliações não passam de uma linha especulativa, uma vez que, publicado o edital, é preciso segui-lo à risca sem poder fugir da matriz do Enem. “Não acredito em mudanças significativas na estrutura da prova. Os pontos mais polêmicos apontados pela atual gestão, como a abordagem de textos que trabalham as questões de liberdade e dialeto LGBT pode até ser (que não entrem). Mas o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) é um órgão autônomo, bem como a comissão que organiza a prova. Os pontos indicados como divergentes são muito poucos”, ressalta o coordenador.
Para ele, a redação não sofrerá alterações, visto que as propostas são discussões amplas, “que não dependem do posicionamento de A e B”. Marco Antônio Barbosa avisa que os estudantes não devem se preocupar com isso. “Quem tem repertório e formação consistentes conseguirá resolver as questões que tenham qualquer tipo de abordagem.”
Aluna do 3º ano da Escola Estadual Ordem e Progresso, no Bairro Nova Gameleira, Região Oeste de BH, Yane Vitória Andrade Silva, de 17 anos, faz cursinho on-line e está confiante na prova, com ou sem mudanças. Para ela, a redação virá este ano relacionada à área de biológicas, por causa do surto de doenças que o país vive. A garota acredita que um enunciado que cobre cura de uma enfermidade ou métodos de tratamento será o grande trunfo da edição 2019.
Yane não descarta questões relacionadas ao público LGBT, mas crê ser quase impossível que haja alguma de cunho político. Em compensação, na opinião da adolescente, China, União Europeia e o Brexit estão em alta para aparecer na prova. “Mudanças são boas quando bem-feitas. Porque se focamos sempre nas mesmas abordagens, ficamos despreparados para situações futuras em provas e na vida”, diz. A estudante avalia que tudo depende do contexto: “O Enem cobra questões para testar nossos conhecimentos atuais. Não é só chegar e fazer a prova. Querem que entendamos o mundo e busquemos sempre mais informações.”
Não perca a prova
» 3 de novembro
Linguagens, redação e ciências humanas
» 10 de novembro
Ciências da natureza e matemática
» 13 de novembro
Publicação dos gabaritos e dos cadernos de questões
Chegando ao fim da maratona
É hora de aprofundar em áreas em que ainda tem alguma dificuldade Prepare-se física e mentalmente Estudo agora é prioritário, mas outras questões não podem ficar de fora Concilie estudos e lazer
Fonte: Marco Antônio Barbosa/Colégio Magnum
Memória
A discussão sobre o fim da abordagem de questões supostamente ideológicas no Enem começou antes mesmo do início do governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL). Na edição do ano passado, ele criticou uma questão que abordava o dialeto de gays e travestis e disse que, na sua gestão, o Ministério da Educação não trataria questões assim. Este ano, no início do ano, o então presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), Marcus Vinícius Rodrigues, que já não está mais no cargo, causou frisson no meio educacional ao afirmar que poderia passar um pente fino na prova antes de ela ser aplicada.