Jornal Estado de Minas

Pandemia

Universitários temem fim do sonho do diploma, com efeitos do coronavírus





Quando o assunto é o ensino superior, a palavra coronavírus não suscita apenas o medo da doença. Em meio a uma adaptação em tempo recorde para fazer da sala de casa a sala de aula, muitos universitários somam aos conteúdos agora transmitidos 100% on-line a preocupação de até quando poderão se manter na faculdade diante do cenário de crise. O risco de deixar pelo caminho o tão sonhado diploma é realidade para mais de um terço dos alunos brasileiros da rede privada.



Em Minas Gerais, um em cada quatro estudantes está com o sinal de alerta ligado, em virtude do fantasma do desemprego. Para evitar mais esse baque na educação, instituições de ensino superior vão apresentar nos próximos dias proposta de um Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) em caráter de emergência.

O levantamento “Coronavírus e educação superior: o que pensam os alunos e prospects”, feito pela empresa de pesquisas educacionais Educa Insights e divulgado ontem em parceria com a Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (Abmes), mostra que 94% dos alunos que cursam ensino superior presencial em instituições particulares pretendem dar continuidade aos estudos, independentemente dos impactos da pandemia.

No ensino a distância, esse percentual é de 96%. Ainda segundo a pesquisa, 41% dos mineiros temem que o vírus possa trazer riscos à continuidade do curso, enquanto 59% pretendem dar continuidade aos estudos seja qual for o cenário. Em nível nacional, 57% dos alunos entrevistados não abrirão mão da faculdade independentemente do cenário, ao passo que 37% temem ser obrigados a parar. Outros 5% avaliam desistir dos estudos em função do cenário atual.



Da parcela de 37%, a maioria (58,4%) apontou preocupação com a manutenção do emprego. Outros 11,9% disseram temer que pais ou responsáveis não consigam arcar com as mensalidades. Mas, mesmo se não desistirem do curso, o cenário se mostra desafiador: mais da metade acredita que continuará pagando o curso sem dificuldades por, no máximo, um ano, sendo que a maior parte acredita só ter fôlego para mais três meses.

“As instituições já estão ouvindo e identificando os alunos em risco ou que já estão perdendo sua fonte de renda para uma solução imediata. Mas, elas também precisam ter capital para abrir mão de receita para ajudar o aluno”, afirma o presidente da ABMES, Celso Niskier. “A associação está oficiando o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e, em contato com outros bancos, para desenvolver condições especiais para pequenas e médias instituições que já não estavam capitalizando e podem ter dificuldade”, diz. O segmento privado é responsável por 93,4% da oferta de educação superior do país, segundo dados do Censo da Educação Superior de 2018, do Ministério da Educação (MEC).

Apesar de a maioria das instituições de ensino superior privadas já terem algum tipo de financiamento próprio, bolsa ou desconto, serão necessários ajustes para se adequar à nova realidade dos estudantes. O Censo da Educação de 2018 mostra também que, naquele ano, 54% das matrículas da rede privada têm como suporte algum tipo de financiamento particular ou bolsa. O Prouni respondia por 19% e o Fies, 27%., situação bem diferente de 2014, quando o financiamento público respondia por 53% das matrículas. Depois dos sucessivos fiascos desses fundos, a estimativa das mantenedoras de ensino superior é de que, atualmente, O Fies não passe de 15% dessa conta.



“A proposta do Fies emergencial está em elaboração para atender quem está com dificuldade de pagamento e quem entrará no ensino superior nesse cenário”, ressalta Niskier. Mesmo diante de um cenário instável, 30% dos entrevistados mineiros planejam iniciar sua graduação no próximo semestre, 20% no início do ano que vem, 5% no segundo semestre de 2021, enquanto 45% preferem esperar a crise passar.

Digital 

Em meio à crise de saúde e financeira, é preciso gerir outros transtornos causados pela adaptação recorde a um modelo 100% online. Para não perder o semestre, os alunos fizeram da sala de casa, literalmente, a sala de aula. Professores ao vivo pelo teclado do computador se tonaram realidade também de quem optou pelo ensino presencial. Aulas têm sido dadas preservando os horários habituais, com a missão de garantir acesso a estudantes sem computador ou internet.

É o caso da GSA Educacional, que tem faculdades com cursos exclusivamente presenciais em Itabirito (na Região Central de Minas), Lorena (SP) e Altamira (PA). Desde o fechamento das unidades, mais de 70 notebooks já foram entregues a alunos e professores.



No primeiro momento, professores usaram plataformas já existentes na internet, com a obrigação de relatório diário sobre conteúdos e acesso dos alunos. Hoje, contam com plataforma própria, desenvolvida por pessoal próprio. Para resolver problemas de conexão, foi retirada parte do provedor nas cidades parte da banda que a faculdade não está usando atualmente para aumentar a potência de conexão na casa de professores e estudantes.

“Em paralelo, temos desenvolvido e feito capacitações diárias com professores que envolvem tanto aprender tecnologia como usar recursos disponíveis para dar uma aula virtual. Já tínhamos trabalho grande de metodologias ativas de aprendizagem e os docentes estavam acostumados a disponibilizar previamente conteúdos para os alunos para que, presencialmente, a discussão pudesse ser incrementada.”, conta a CEO do GSA Educacional, Débora Guerra, vice-presidente da Abmes.

“Tivemos de encontrar soluções rápidas porque trabalhamos com semestre. Um conteúdo perdido num dia de aula é muita coisa. Não queremos atrasar formatura, pois esse processo de aprendizagem é a realização do sonho de uma carreira.”



Para Daniel Infante, sócio-fundador da Educa Insights, a experiência atual servirá para antecipar um fenômeno no qual o Brasil já está atrasado em relação a outros países: o modelo híbrido de ensino. O ensino presencial mantém seu lugar – e não há chance de ele desaparecer – mas com mudanças: “Com carga maior de tecnologia, mobilização”.


Os riscos 
O que pode levar o aluno a parar de estudar

» 58,4% temem perder o emprego

» 11,9% têm medo de que seus pais ou responsáveis não consigam arcar com as mensalidades

» 15,3% por dificuldade de adaptação ao modelo de aulas virtuais

» 7,5% poderiam desistir do curso para usar o dinheiro para cobrir outras despesas

» 6,9% deixariam o curso caso não fossem interrompidas as aulas presenciais
 
A pesquisa
O levantamento foi feito virtualmente entre 20 e 23 de março com homens e mulheres, de idades entre 17 e 50 anos, pertencentes às classes sociais A, B, C e E. Foram ouvidos 485 alunos de graduação, matriculados em cursos presenciais ou EAD de instituições particulares, há pelo menos 6 meses. Também foram entrevistados outros 512 potenciais alunos que tenham interesse no ingresso em cursos de graduação presencial ou EAD em faculdades privadas nos próximos 12 meses.