O desenho animado Os Jetsons, quando estreou, na década de 1960, projetava um futuro em que carros voavam, cidades flutuavam e a comunicação era por videochamadas. Chegamos ao século 21, mas, em muitos campos da vida, a previsão não se cumpriu. A comunicação por vídeo se tornou realidade, mas a educação, especialmente a básica (ensinos infantil, fundamental e médio), mantinha-se nas bases em que se consolidou durante séculos, com centralidade na figura do professor e escasso uso de tecnologia. Então, veio a pandemia e com ela as medidas de isolamento social. O que resistiu por tanto tempo teve de mudar às pressas. O resultado? Depois de quatro meses de adaptação aos trancos e barrancos, pais, professores, alunos e escolas ainda estão batalhando para se adequar, e há muitas queixas em diferentes pontas dessas novas relações.
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Celular, vilão que virou queridinho nas aulas em tempos de COVID-19Enem 2020: provas serão aplicadas em 2021; veja datasColégio na Pampulha promove festa junina no estilo drive-thruEstudantes devem voltar às salas de aula com traumas e danos psicológicosMEC divulga lista de aprovados no Sisu do 2º semestre de 2020Casos de COVID-19 passam dos 75,8 mil em Minas; 1.576 morreramGrupo dá suporte on-line a mulheres em processo de separação na pandemiaDe acordo com a Secretaria de Estado de Educação, mais de 97% dos estudantes da rede estadual de ensino tiveram acesso, seja virtualmente ou de forma impressa, aos planos de estudos a distância. A demanda repentina transformou a rede estadual em um consumidor voraz no mundo virtual: o aplicativo Conexão Escola contabiliza mais de 1,2 milhão de downloads na loja virtual; a média diária de visualizações no YouTube da Rede Minas, que também transmite o conteúdo do programa, chega a 700 mil por dia. E o programa Se liga na educação chega a cerca de 1,4 milhão de alunos por TV aberta.
Se os números são gigantescos, os desafios não parecem menores. Na rede particular, o maior problema diagnosticado é a dificuldade de concentração, principalmente de crianças menores em atividades on-line, além do tempo que os pais precisam dividir entre o trabalho e o acompanhamento dos filhos. Na rede pública, em especial a estadual, o desafio está ligado às desigualdades sociais – alunos sem computadores ou acesso à internet e, em alguns casos, sem locais adequados onde possam estudar em casa. Nas duas redes, a urgência é preparar aulas interativas, criar didática que mantenha a concentração e garantir o aprendizado.
A pequena Magda Araújo Fernandes, de 5 anos, está acostumada às mídias sociais. Influencer, ela tem mais de 45 mil seguidores no Instagram, mas, quando as aulas se apresentaram em formato digital, a menina não se sentiu atraída pela dinâmica pouco interativa. “Nos primeiros 40 dias, a gente acordava às 8h e entrava na plataforma da escola para fazer as atividades, mas elas não prendiam a atenção dela. Ela fazia corpo mole e isso gera estresse, pois a gente quer que execute a tarefa, para não haver acúmulo”, conta a mãe, a engenheira de alimentos Daniela Araújo de Sousa Gonçalves, de 38.
A saída era se manter todo o tempo ao lado da filha, para que ela não se distraísse com outras atividades. Logo depois, a escola começou a oferecer lives com professores. “Quando começaram as lives, pensei que mudaria, mas as atividades continuaram na plataforma e as lives eram bate-papos. Nada acadêmico, que gerasse o desenvolvimento dela. Ficava alegre em ver colegas e professores, mas se o papo estava ruim, ela estava em outro planeta. Saía andando pela sala, mesmo eu estando ao lado. E, se eu saísse um pouco, ela saía da live”, relata.
Como a pequena não estava se desenvolvendo, o jeito foi apelar para o método tradicional. A família resolveu contratar uma professora particular e a menina se adaptou bem às aulas. “Para a idade dela, o formato virtual não é bacana. Aulas on-line para criança de 5 anos não funcionam. A alfabetização não funciona”, avalia.
Pais ainda às voltas com o dever de casa
João, de 10 anos, estuda pela manhã, quando consulta o material enviado pelos professores por e-mail. Na parte da tarde, assiste às aulas, das 13h às 16h15. “Ele está adaptado, apesar de não estar gostando do esquema de aulas on-line. Anda bem desestimulado. Eu acho que o ensino está prejudicado. Está um ensino solto. As professoras mandam os exercícios. Ele faz. Durante as aulas, os exercícios são corrigidos. Tem certa interação entre professor e aluno. Mas é para manter um tipo de contato. Não vejo como aprendizado eficaz. Não está acrescentando para meu filho”, avalia a decoradora Juliana Ramirez Faria, de 43. Ela inclusive relatou para a escola que o filho está desestimulado e que o aprendizado tem sido prejudicado.
As relações de Juliana e Daniela com o novo modelo deixam bem claro que os desafios também são para os pais. Que o diga a advogada Lívia Mendes Moreira Miraglia, de 37, que está em regime de home office e precisa acompanhar as atividades dos filhos Isabela, de 7, e Pedro, de 5. “A escola está cumprindo o papel dela, dentro das possibilidades, aprimorando com o passar do tempo. Mas é uma situação complexa para a criança pequena fazer aula on-line. Mesmo que as professoras estejam se reinventando e sendo criativas”, avalia.
Ela também precisou se redescobrir para conciliar as tarefas do trabalho com o acompanhamento dos filhos. “Consigo acompanhar em detrimento do trabalho atrasado. É um jogo de gato e rato”, define. Lívia lembra que, além da própria dinâmica do formato, tem que levar em conta a personalidade das crianças nas interações. “Depende do perfil das crianças. As minhas não gostam de interagir. A maior está superando essa vergonha. Um dia, eu e meu marido estávamos em reunião, então ela teve que perguntar, abrir o microfone. O menor não gosta e não quer ligar a câmera, mas ambos são participativos quando demandados”, afirma.
Educadores fazem acrobacias on-line
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação prevê que o ensino remoto pode ser ministrado a partir do ensino fundamental. Essa regra deu base às orientações e regulamentações dos conselhos de educação, que permitiram que essas aulas, a partir do nível fundamental, fossem validadas como parte da carga horária obrigatória das escolas. No caso da educação infantil, como não há amparo legal, os conselhos definiram que as escolas podem manter o vínculo, mas as atividades on-line não são validadas como obrigatórias.
Do outro lado, educadores tentam se desdobrar para criar aulas mais interativas e que prendam a atenção dos alunos. Flávia Souza, professora regente do segundo ano do Fundamental 1 do Colégio Santo Agostinho, afirmou que uma estratégia é fazer aulas com duração de até 50 minutos e com intervalos de 20 minutos.
“O tempo de concentração da criança é reduzido em comparação com aluno maior. Temos três aulas on-line diárias, de 40 a 50 minutos, com intervalos de 20 minutos entre elas. Tempo para levantar, lanchar e ir ao banheiro”, diz. Durante as aulas, ela usa o recurso de tela compartilhada para apresentar slides com o conteúdo, também mostra vídeos e outros recursos. “No finalzinho, começam a cansar, então é bom variar as propostas”, afirma.
Outro grande desafio é definir como será a progressão dos estudantes. Flávia diz que, no momento, a preocupação é com o desenvolvimento. As avaliações com nota foram suspensas, para não gerar ainda mais ansiedade nas crianças e nos pais. Mas é feito um diagnóstico, para monitorar como tem sido o aprendizado. “Nossa preocupação é com a aprendizagem e com formas para que o aluno aproveite melhor o tempo”, conclui.