“Agora enfrentamos uma catástrofe geracional que pode desperdiçar um incontável potencial humano, minar décadas de progresso e exacerbar desigualdades arraigadas”, foi assim que o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, definiu o atual panorama da educação em meio à pandemia. Por isso, ele defende a reabertura das escolas nos locais onde isso for possível.
A crise sanitária atual, decorrente da disseminação do coronavírus, causou mais de 691 mil mortes no mundo; 95 mil no Brasil; e 1.429 no Distrito Federal. No total, foram mais de 18 milhões de casos mundialmente; 2,8 milhões no Brasil; e 113 mil no DF. Os danos vão além da saúde física e da vida. Entre quem pegou a doença e mesmo que não pegou, sequelas psicológicas são naturais.
Ansiedade devido ao enclausuramento, a dor pela perda de entes queridos e traumas por vivenciar uma pandemia afetam todas as áreas da vida. Os efeitos não se restringem à vida familiar e chegam à sala de aula, seja ela física, seja virtual. Assim, fica a questão: professores e gestores escolares estão preparados para lidar com os estudantes no novo normal?
''Não dá para fingir que este período foi um blackout'', afirma Debora Schaffer Ferreira, 38 anos, especialista em educação socioemocional e responsável pelo Programa Soul no Brasil. “A gente tem que dar voz para esse aluno contar (o que vivenciou e tem vivenciado na pandemia)”, afirma a especialista em gestão emocional do programa Flávia Sato, 31 anos.
Ela reforça que, em um momento de retomada das aulas, o ideal é a escuta e o acolhimento tanto para alunos quanto para professores. “A primeira coisa que temos que fazer, como comunidade escolar, é reunir a equipe.”
O programa Soul Brasil é pautado na inserção da educação socioemocional e da meditação dentro das salas de aula como forma de educar integralmente. Neste período de pandemia, a procura pelo programa tanto por pais e gestores escolares cresceu, o que Flávia vê como um lado positivo da crise. “Muitos pais descobriram que seus filhos são extremamente ansioso”, afirma.
Impactos futuros
“Infelizmente o isolamento aumenta a necessidade humana de contato social. Se esse contato não pode existir, muitas pessoas terão um adoecimento” afirma a neuropsicóloga Flávia Martins, 41 anos. “O que a gente vai ver é um grande impacto de adoecimento mental em 2021, tanto em professores, com a pressão de adaptar-se a novos modelos de ensino, quanto em crianças e adolescentes pela insegurança que o momento traz”, reflete.
Flávia afirma que há sempre uma polaridade em momentos de crise, como o atual. Como lado bom, ela enxerga a reinvenção pela qual muitos professores e alunos tiveram de passar e o protagonismo que muitos estudantes assumiram no processo de aprendizagem. Flávia considera, porém, que muitos que necessitavam de um olhar atento e de supervisão ficaram prejudicados.
“Será que vão ter perdas? Bem, vai depender de como a gente olha esse copo, se ele está meio cheio ou meio vazio”, pondera. “Porque, ao pensar na pandemia, a gente pensa também em alguns ganhos em autonomia, motivação, interesse para o aprendizado usando, inclusive, a tecnologia para facilitar. No entanto, existem, sim, os déficits”, reforça a neuropsicóloga. “Na crise, além de sofrer, a gente aprende muito.”
Falta amparo
Em meio à incerteza de uma futura retomada em esquema de ensino híbrido estão os professores. A falta de amparo para aqueles da rede pública começou com a pandemia. É o que afirma o professor de filosofia do Centro de Ensino Médio Ave Branca Antônio Kubitschek Braga. “A Secretaria (de Educação) até ofereceu algumas coisas, mas não deu tempo suficiente”, pondera o professor.
Antônio está apreensivo com uma eventual retomada por ter tido notícias de colegas de profissão que morreram ou que perderam entes queridos em decorrência do coronavírus. Ele vê como importante aliado para manter a classe ainda em casa o Sindicato dos Professores do Distrito Federal (Sinpro-DF). “Há uma pressão para que a gente retorne a todo tempo”, afirma.
O professor vê com apreensão a possibilidade de ter de lidar com salas cheias mesmo em um contexto de ensino híbrido que tem como proposta fracionar as turmas. “Por mais que você tenha uma sala pela metade, se você tem uma sala de 40 alunos pela metade, ficam 20 alunos”, pondera o professor.
Sinpro-DF defende preparação dos professores
“Teremos uma escola entristecida. As pessoas estarão adoecidas porque perderam entes queridos, ou porque estão passando fome, ou porque têm pai e mãe desempregados, ou porque um deles morreu…”, elenca a diretora do Sindicato dos Professores do DF Rosilene Corrêa, 56 anos. “E conhecendo o quanto a nossa realidade da rede pública deixa a desejar, provavelmente não teremos o amparo para isso.”
O Sinpro-DF se posiciona contra a retomada neste momento, mesmo que em formato de ensino híbrido, por considerar que não há quadro adequado para a volta às salas de aula. A entidade se alinha à cobrança de um preparo psicológico dos professores para o retorno. “Isso está afetando psicologicamente e emocionalmente tanto professores, trabalhadores de um modo geral, quanto alunos e seus familiares.”
Sinepe-DF defende acolhimento empático
O Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino do Distrito Federal (Sinepe-DF) defende a retomada às salas de aula em ensino híbrido. A instituição concorda que se faz primordial dar amparo emocional à comunidade acadêmica neste retorno.
Tal orientação foi incluída no Guia de Retorno divulgado pelo sindicato, que orienta as medidas de segurança para a retomada das aulas. “É preciso ter um acolhimento assertivo e empático, explicando o que é resiliência”, afirma o presidente do Sinepe-DF, Álvaro Domingues.
Aspa-DF: contexto complexo
Questionada sobre a importância do apoio à saúde emocional numa eventual volta às aulas, a Associação de Pais de Alunos das Instituições de Ensino do Distrito Federal (Aspa-DF) afirmou que tem promovido lives com especialistas desde o início da pandemia no intuito de orientar da melhor forma a comunidade acadêmica.
“Além disso a associação tem trabalhado junto às autoridades no sentido de compreender quais são as regras, quais são os protocolos de segurança, para que realmente as crianças, as famílias e as escolas possam ter sucesso nesse contexto tão complexo que foi a pandemia”, afirma Lucimara morais, consultora pedagógica da Aspa-DF.
*Estagiário sob a supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa