Com os filhos há mais de cinco meses sem escola, a grande incógnita na vida dos pais dos cerca de 200 mil alunos da rede de ensino de Belo Horizonte não é mais a data do retorno presencial, mas sim se o ano letivo está perdido. O Conselho Municipal de Educação analisa a possibilidade de um ano híbrido, misturando este e o próximo, mas com probabilidade de tocar também em 2022 – a essa altura, o fim do calendário letivo de 2020 avançaria seguramente até meados de 2021 se as aulas voltassem agora. Na prática, a Prefeitura de BH (PBH) estuda como estratégia desvincular o ano civil do letivo, tomando como exemplo o modelo do Hemisfério Norte, onde as aulas são dadas de setembro a junho. Mas, com as outras redes de ensino mantendo o regime habitual, as consequências para os alunos dos colégios sob a tutela da PBH poderão ser enormes, com atraso do percurso escolar, entrave para mudar de escola e, no caso dos alunos do 9º ano, incerteza sobre a entrada no ensino médio no ano que vem.
Quem está no 9º ano não sabe se conseguirá nem quando conseguirá cursar o 1º ano do ensino médio. O mesmo para crianças atualmente do 5º ano que estudam em escolas que oferecem apenas as primeiras etapas do fundamental. No caso deles, há um outro conflito: sem possibilidade de avançar para o 6º ano de outra escola, eles “travam” o lugar que deveria ser cedido para a formação de turmas do 1º ano do fundamental, atendendo crianças que deixam o 2º período. Nesse imbróglio, elas são as únicas com sinal verde para avançar, já que pela legislação a progressão escolar nessa faixa etária é independente da conclusão ou não da educação infantil.
Embora a prefeitura fale em criação de uma transição, fontes do governo de Minas ouvidas pela reportagem informam que o estado está ciente da demanda que baterá à porta, não só do ensino médio. Ele se prepara para ter também mais esse contingente de crianças egressas do ensino infantil. Por causa do cadastramento escolar único, se não há vaga no município, cabe ao estado dar conta de uma cadeira na sala de aula para esses meninos.
O Conselho Municipal de Educação, que aponta as diretrizes da educação no fundamental para a rede própria e no infantil para público e particular, admite que não há nem conversa sobre um possível retorno das aulas presenciais em BH antes de meados de outubro. Já o prefeito Alexandre Kalil sinalizou a possibilidade de nem voltar. O tempo de aula na rede foi ainda mais curto que o das outras, uma vez que os professores entraram em greve no fim de fevereiro, alguns dias depois do início do ano escolar, e assim permaneceram até a interrupção das aulas pela COVID-19, em março.
“Não tem perda de ano. Será preciso fazer junção de possibilidade. No contínuo dos dois anos, preciso resguardar férias e recessos escolares, inclusive com cuidado de não comprometer tanto os próximos anos”, garante a presidente do Conselho Municipal de Educação, Bernadete Quirino Duarte Blaess. “Para cada medida, preciso avaliar as consequências, que podem implicar estudo híbrido – presencial comungando com não presencial. Teremos que pensar nas aglomerações e no novo normal”, avalia. Outra questão, segundo Bernadete, é extrair da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) o que é realmente essencial em termos de conteúdo para ser trabalhado de forma mais integrada.
Angústia
A falta de informações é o que mais angustia a motorista de escolar Lucimara Figueiredo Duarte, de 35 anos. Ela é mãe de Tainá, de 12, aluna do 7º ano, e de Taís Figueiredo Duarte, de 14, no 9º ano do fundamental numa escola do Bairro Floresta, na Região Leste de BH. “A escola manda mensagem para os pais, fez um livro didático, mas, honestamente, nada que dê para aproveitar. Não são conteúdos da série atual”, diz. Ela teme que os planos para a filha fazer a prova do Centro Federal de Educação Tecnológica (Cefet-MG) tenham de ser abandonados. “Estava olhando cursinho para ela no início do ano. Agora, como fazer uma prova se não tiveram o ano letivo? Nem a aula da TV ajuda, pois o conteúdo não bate, é algo que ela não viu. O ensino do município está em desvantagem. Este ano está perdido. Ela não tem base para fazer uma prova e seguir um caminho melhor.”
Para Lucimara, qualquer que sejam as estratégias, os alunos ficarão atrasados. “Há pais preferindo que o filho repita, mas nada adiantará. Seja na mesma série ou em outra, eles verão o que deveriam ter visto este ano. O governo vai acabar com este ano ou estendê-lo?”, questiona. A motorista acredita que a saída será adotar no fundamental os princípios da educação de jovens e adultos (EJA), com metade do ano dedicada à série atual e a outra, à seguinte. “O problema do 9º ano é que as escolas do estado devem começar antes. Como será? Além disso, o estado não vai dar as matérias que eles perderam. Este ano era a base para conseguir algo melhor à frente.”
Lucimara se diz indignada enquanto mãe e lamenta descobrir não haver uma segunda opção planejada para caso de catástrofes. “Como minha filha vai concorrer no mercado de trabalho sem ter opção de ensino bom e sem saber o que ficou para trás? Como falo para ela que vai perder o ano? Não sabemos se vai repetir, se vai passar, nada.”
Aposta na desvinculação do ano civil
Uma nova forma de pensar o calendário. Na proposta de continuidade 2020 e 2021, a ideia é cumprir com os objetivos da etapa, sem perder de vista o caráter promocional (aprovações e reprovações), de modo que o estudante esteja apto a avançar sem se preocupar com os limites do ano civil, explica a presidente do Conselho Municipal de Educação, Bernadete Quirino Duarte Blaess. “Na escola particular, por exemplo, o contrato continuará sendo de 12 meses, mas de outros 12 meses. É preciso criar uma nova forma de fazer, pois não se pode entender que a educação não presta um serviço se não cumpre um calendário escolar. Ela é mais do que isso. Nada do que estamos vivendo pode ser preconização para um retorno precoce”, afirma. Ela ressalta que a educação mobiliza um quarto da população brasileira – em torno de 50 milhões – e, por isso, a necessidade de cautela.
Segundo Bernadete, pensar num ensino híbrido mesmo sem ter aderido ao plano remoto durante a pandemia não é contraditório. Para o conselho e no entendimento da prefeitura, adotar os sistemas presencial e não presencial significa ampliar o monitoramento de atividades que estão ocorrendo por meio de ensino remoto. “A Secretaria Municipal de Educação não adotou o ensino remoto porque está preparando esse caminho, já que não se pode simplesmente transferir a escola para a casa da criança. Ela não negou essa possibilidade”, diz. “Mas é preciso conhecer os acessos, quais são as outras formas que não seja o digital, conhecer a dinâmica da família. Precisa de mapeamento socioeducativo das comunidades escolares, formação dos professores em tecnologias digitais, que vieram para ficar. O município tem que avançar numa política de inclusão digital..”
A presidente do conselho lembra o movimento em BH para as aulas só voltarem depois de uma vacina e ressalta que, apesar de ser a forma mais segura, é ainda a mais distante. “O retorno tem de ser antes: escalonado, com protocolos sanitários e de segurança. Se será este ano não tenho como afirmar, mas é preciso pensar em salas reduzidas, usar espaços que não eram utilizados, evitar outros, aferição e aplicação de testes.
Dificuldade
Ela é motorista de aplicativo. Sai cedo, trabalha o dia todo rodando por BH e região metropolitana e encerra tarde a chamada para novos passageiros. Quando chega em casa, Fabiana Conceição de Paiva, de 38 anos, assume outro papel: o de professora do filho Juan Felipe Figueiredo Siqueira, de 12, aluno do 7º ano de uma escola no Bairro Floresta, na Região Leste da capital. “Meu filho teve apenas uma semana de aula, pois antes da COVID-19 a escola estava em greve. Considero perdido o ano de 2020”, afirma.
Pelo WhatsApp, a escola faz sondagens sobre as crianças e em seu perfil no Instagram posta link do caderno de atividades, uma iniciativa do colégio, uma vez que a rede municipal não adotou o ensino a distância. A orientação da Secretaria Municipal de Educação é de que as escolas usem ferramentas digitais para orientar famílias e para criar momentos afetivos com os alunos, acreditando não ser possível traduzir para o espaço virtual parâmetros de uma educação toda baseada num modelo presencial.
“São passados conteúdos, mas não tem um vídeo explicando a aula. Pai e mãe têm que se virar”, conta Fabiana. “Trabalho o dia inteiro e à noite ainda tenho a casa para arrumar. Não consigo sentar com ele para isso mais que três vezes por semana”, diz. O filho tem transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), o que dificulda mais a situação. “Ele não está aprendendo nada”, acrescenta.
Carga horária pode virar entrave
A Secretaria Municipal de Educação (Smed) informou, por meio de nota, que a equipe pedagógica do órgão está construindo uma proposta de cadastro e matrícula diferenciados para os anos escolares 2020/2021, “a fim de estabelecer diálogo e entendimento entre redes para criar as regras de transição”. Isso valerá não apenas para os alunos do 9º ano, como também os que estão terminando o ciclo em escolas que atendem apenas aos anos iniciais (1º ao 5º). Ainda de acordo com a secretaria, “a proposta é assegurar a continuidade dos estudos dos egressos da educação infantil”. “O governo federal já orientou a não retenção dos estudantes e que os conteúdos de um ano sejam contemplados no ano seguinte. Isso será necessário para todas as redes, inclusive aquelas que não atingiram 100% dos alunos com o EAD”, finaliza o texto.
Se a PBH aposta num entendimento entre as redes, a Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais (SEE/MG) não parece disposta a abrir mão da carga horária mínima para receber alunos. Também por meio de nota, ela informou que, no retorno das atividades presenciais, vai aplicar uma avaliação diagnóstica em toda a rede, que servirá para traçar o plano de revisão de conteúdo individualizado para cada aluno e possibilitará adotar estratégias pedagógicas direcionadas para cada situação. “Vale ressaltar que a rede estadual está preparada para receber todos os alunos de outras redes, desde que eles tenham cumprido a carga horária mínima obrigatória”, ressaltou.
Reiterou que o protocolo para o retorno está sendo elaborado em consonância com as orientações da Secretaria de Estado de Saúde, “a partir de amplos estudos e conversas feitas com entidades educativas, considerando critérios técnicos e científicos”. Acrescentou que os materiais do Regime de Estudo não Presencial foram colocados à disposição das prefeituras e que levantamento mostra que mais de 70% dos municípios mineiros estão usando os Planos de Estudos Tutorados (PETs).
O que é o coronavírus
Coronavírus são uma grande família de vírus que causam infecções respiratórias. O novo agente do coronavírus (COVID-19) foi descoberto em dezembro de 2019, na China. A doença pode causar infecções com sintomas inicialmente semelhantes aos resfriados ou gripes leves, mas com risco de se agravarem, podendo resultar em morte.
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Como a COVID-19 é transmitida?
A transmissão dos coronavírus costuma ocorrer pelo ar ou por contato pessoal com secreções contaminadas, como gotículas de saliva, espirro, tosse, catarro, contato pessoal próximo, como toque ou aperto de mão, contato com objetos ou superfícies contaminadas, seguido de contato com a boca, nariz ou olhos.Vídeo: Pessoas sem sintomas transmitem o coronavírus?
Como se prevenir?
A recomendação é evitar aglomerações, ficar longe de quem apresenta sintomas de infecção respiratória, lavar as mãos com frequência, tossir com o antebraço em frente à boca e frequentemente fazer o uso de água e sabão para lavar as mãos ou álcool em gel após ter contato com superfícies e pessoas. Em casa, tome cuidados extras contra a COVID-19.Vídeo: Flexibilização do isolamento não é 'liberou geral'; saiba por quê
Quais os sintomas do coronavírus?
Confira os principais sintomas das pessoas infectadas pela COVID-19:
- Febre
- Tosse
- Falta de ar e dificuldade para respirar
- Problemas gástricos
- Diarreia
Em casos graves, as vítimas apresentam:
- Pneumonia
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Mitos e verdades sobre o vírus
Nas redes sociais, a propagação da COVID-19 espalhou também boatos sobre como o vírus Sars-CoV-2 é transmitido. E outras dúvidas foram surgindo: O álcool em gel é capaz de matar o vírus? O coronavírus é letal em um nível preocupante? Uma pessoa infectada pode contaminar várias outras? A epidemia vai matar milhares de brasileiros, pois o SUS não teria condições de atender a todos? Fizemos uma reportagem com um médico especialista em infectologia e ele explica todos os mitos e verdades sobre o coronavírus.Coronavírus e atividades ao ar livre: vídeo mostra o que diz a ciência
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