Se na primeira década do século 21 o Brasil deu um salto rumo à expansão do ensino superior, apostando na ampliação da estrutura de universidades, construindo outras e criando cursos noturnos, na década de 2020 ele promete usar recursos do seu tempo. Uma nova expansão está sendo desenhada com base na tecnologia e a bola da vez é a educação a distância (EAD). O país está desenvolvendo um Plano de Expansão da Educação Superior por meio digital para aumentar a oferta de cursos remotos nas universidades federais e, assim, conseguir fazer face às metas do Plano Nacional de Educação (PNE), que estão longe de serem cumpridas.
A Secretaria de Educação Superior (Sesu), do Ministério da Educação (MEC), publicou no Diário Oficial da União (DOU) duas portarias para desenvolver uma rede digital e correr atrás do que as instituições particulares já fizeram: impulsionar a sala de aula a distância. A Portaria 433 institui o comitê de orientação estratégica para elaborar iniciativas, estimular estudos e ações que as viabilizem e validar e aprovar o projeto de expansão.
Já a Portaria 434 institui grupo de trabalho com a finalidade de subsidiar a discussão, a elaboração e a apresentação de estratégias para a ampliar a oferta dos cursos de nível superior, em EAD, nas universidades federais. “Integram o grupo instituições dedicadas à educação digital e pesquisadores de universidades das cinco regiões do país. O objetivo é desenvolver uma rede digital na educação federal do país para fazer o que a rede privada já fez”, afirmou o secretário de Educação Superior do MEC, Wagner Vilas Boas.
Prova de que já fizeram é que, na rede privada, o número de novas matrículas para cursos remotos ultrapassou os presenciais, conforme aponta o Censo da Educação Superior, dados de 2019, divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Conforme já mostrou o Estado de Minas, a virada entre os ingressantes já era esperada pela Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (Abmes). Os calouros do EAD passaram de 1.310.678, em 2018, para 1.559.725, ano passado. No presencial, eles eram 1.554.321 e foram para 1.514.302.
As portarias da Sesu não escondem que, por trás, está a meta 12 do PNE. Ela prevê, até 2024, a taxa bruta de matrículas superior a 50% e a líquida, a 33%. Isso significa que o Brasil precisa ter na graduação número de estudantes matriculados equivalente a 50% do total da população de 18 a 24 anos, e ter em suas universidades uma parcela de estudantes da faixa de 18 a 24 anos (idade correta para essa etapa acadêmica) correspondente a 33% da população dessa idade. Além disso, até 2024 o país deveria assegurar a oferta de pelo menos 40% das novas matrículas nas instituições públicas.
A taxa bruta ano passado ficou em 37,4% (mesmo percentual de 2018) e a líquida, em 21,4% (queda em relação ao ano anterior, quando estava em 21,7%). “Há em média 1,8 milhão de alunos que concluem o ensino médio a cada ano e poderiam ingressar na educação superior. Temos metas educacionais que apontam para necessidade da matrícula na educação superior”, relatou o diretor de Estatísticas Educacionais do Inep, Carlos Eduardo Moreno.
Diante de números, problemas estruturais e de acesso, o que se tornou realidade nos últimos anos se efetiva agora como o principal pilar da educação superior no Brasil. O ensino a distância já é reconhecido pelo próprio poder público como tendência no país. Respondendo por quatro de cada 10 novos ingressantes da graduação, segundo o Censo, reafirma o cenário esperado pelo setor privado – de ultrapassar nos próximos anos as matrículas da modalidade presencial – e faz o governo federal se mexer. “Chegamos ao ponto de inflexão. Haverá mais alunos no EAD que no presencial e ano que vem veremos se a pandemia vai acelerar isso”, afirmou o presidente do Inep, Alexandre Lopes.
MINAS GERAIS Seguindo tendência nacional, Minas Gerais teve ano passado redução de 3,9% no número de matrículas totais na graduação presencial. Enquanto em 2018 o estado concentrou em seus estabelecimentos de ensino superior 648.554 alunos, no ano seguinte, eles chegaram a 623.964. No Brasil, a diminuição de alunos dentro das salas de aula teve a mesma proporção, saindo de 6.394.244, em 2018, para 6.153.560, em 2019.
Estudante da Faculdade Arnaldo, o auxiliar administrativo Filipe Freitas de Souza, de 39 anos, é um dos que optaram por deixar de lado o presencial. Ele começou este semestre o curso de gestão financeira na modalidade a distância, na expectativa de administrar melhor, desta forma, tempo, trabalho e estudos. Ele conta que já ingressou em outros cursos superiores, mas não concluiu. “Sair de casa às 6h e trabalhar até as 17h, depois ir para a faculdade e ficar até as 22h30 é uma rotina pesada. Muita gente faz, mas, no meu caso, isso não era interessante”, conta.
Atualmente, ele dá preferência para fazer exercícios pelo computador, mas se tem tempo durante o dia, não hesita em usar o celular para ler conteúdos teóricos. O custo foi outro fator importante e a pandemia veio como motivador. “Num momento diferente, é preciso fazer diferente. Em vez de ficar parado esperando, resolvi correr atrás”, diz. Conforto e tipo de estudo foram essenciais na decisão de Filipe. “Tenho deficiência visual parcial e esse é um caminho facilitador: estudar da minha casa, na minha tela é mais confortável que ler quadros e ficar pedindo professor pra enviar material ou ler para mim. Não preciso ser tratado como diferente, porque naquele ambiente virtual sou eu quem controlo”.
Rede privada de olho na EAD
O domínio da educação a distância (EAD) já estava no radar do setor privado e a Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (Abmes) previa para 2023 a virada no número de matrículas. Com a pandemia, a expectativa é de antecipação desse cenário. Nos últimos quatro anos, o Censo da Educação Superior constatou aumento do número de matrículas na educação a distância. Nesta edição, o próprio governo federal admite: o aumento do número de ingressantes entre 2018 e 2019 é ocasionado, exclusivamente, pela modalidade a distância, que teve uma variação positiva de 15,9% nesse período, já que nos cursos presenciais houve um decréscimo de 1,5%.
Se verificada uma década, a discrepância é ainda maior. Entre 2009 e 2019, o número de ingressos nos cursos presenciais aumentou 17,8%, enquanto nos cursos a distância esse crescimento foi de 378,9%. Dos 3,6 milhões de novos graduandos em 2019, 56% deles estavam em cursos presenciais e 43,9% em cursos a distância.
As graduações remotas foram ainda responsáveis por puxar e fazer aumentar o número geral de matrículas no ensino superior brasileiro, que aumentou de 8,4 milhões para 8,6 milhões. Na modalidade EAD, o aumento é de 19,1% entre 2018 e 2019, mais que o crescimento registrado no período 2017 e 2018 (17%).
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O secretário de Educação Superior do MEC, Wagner Vilas Boas, chamou a atenção para a qualidade da EAD. “O Enade (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes) mostrou grande número de cursos da educação a distância com nota máxima na avaliação. A melhoria da qualidade da EAD é tendência”, ressaltou. “Se voltarmos 10 anos, veremos que pessoas que já trabalhavam faziam o ensino noturno e, hoje, optam pelo EAD pelo conforto, comodidade e questão tecnológica. É uma tendência de pessoas optando pelo curso a distância em detrimento do ensino noturno”, completou.
GRADUAÇÃO
Os cursos de bacharelado continuam concentrando a maioria das matrículas totais (66%) – os cursos de licenciatura representam 19,7% e os tecnológicos, 14,3%. São também os preferidos entre os ingressantes da educação superior (57,1%), seguidos pelos tecnológicos (22,7%) e os de licenciatura (20,2%). Entre 2018 e 2019, houve um aumento no número de ingressantes no grau de bacharelado (3,1%).Mas o tecnológico apresentou a maior variação positiva, com 14,1% de ingressantes, ano passado. Já os cursos de licenciatura registraram uma alta de 3,5% nesse mesmo período. Entre 2009 a 2019, o grau tecnológico registrou o maior crescimento em termos percentuais: 132,5%. (JO)
PALAVRA DE ESPECIALISTA
Flávio Souza, professor e assessor da direção da Faculdade Arnaldo
Democratização do acesso
“A tendência é realmente a de que os números de matrículas de EAD superem as dos cursos presenciais. O governo está apenas replicando um sinal do mercado. E como se trata de tendência, a que se aguardar sua validação pela realidade. O crescimento da EAD, pelo que os institutos especializados em pesquisas educacionais apontam, está relacionado à democratização do acesso, tendo a relação custo x benefício (de forma bem clara, o preço da mensalidade) como fator preponderante para a decisão. Há um fator secundário, que se relaciona a um nicho de elite e a instituições de elite, que é a praticidade e facilidades logísticas. Para esse nicho, preço não é fator decisivo, mas expertise da instituição e a comodidade de estudar de qualquer lugar. Mas esse grupo corresponde a uma parcela pequena no universo desse crescimento da EAD. Em síntese, o que prospectamos é que, muito provavelmente, nos próximos cinco anos, essa separação entre EAD e presencial torne-se obsoleta. Haverá tecnologia e profissionais capazes de oferecer uma experiência híbrida e o aluno vai escolher que percentual ele gostaria de fazer on-line e o percentual que ele gostaria de fazer de forma presencial. Isso será um pouco a regra, mas claro que há cursos que precisarão muito mais do presencial e outros que praticamente não precisarão. E em todos os cenários, será preciso ter muita qualidade. A qualidade é um desafio, visto que tudo que se oferta de forma massiva ao mercado, as chances de a qualidade ficar comprometida é grande.”