Não é prova de português, mas assim como a de linguagens, se dar bem no teste de ciências humanas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) exige grau aguçado de leitura e interpretação. E não só textos: imagens, tiras, charges e fotos aparecem sempre nos elementos motivadores, dando uma “mãozinha” para o participante responder corretamente às perguntas. Numa prova considerada bem-elaborada, tanto quanto saber conteúdo o essencial é entender o que quer dizer a questão.
Na história, Idade Média tem seu destaque. Já as eras moderna e contemporânea trazem elementos mais próximos do que é cobrado em exames tradicionais, como os aplicados para ingresso nas universidades paulistas. “O Enem elabora elementos de momentos históricos, buscando intercessão com a história da América e do Brasil: a chegada do europeu na América, o contato dele com ameríndios, mas numa nova ótica. Temos uma visão muito europeizada, querem mais a visão do indígena e conceitos como alteridade e identidade”, explica o professor de história Henrique Nogueira de Carvalho, do Colégio Olimpo, de Uberlândia, no Triângulo Mineiro.
E na história do Brasil, a cobrança maior, segundo ele, é sobre a valorização do período colonial, sendo necessário identificar as duas formas de se chamar esse período: América portuguesa e Brasil colônia. Discussão sobre economia, organização administrativa, aspecto social, importância do negro na organização de toda a sociedade brasileira e as contribuições que ele traz na perspectiva cultural e do sincretismo religioso são também pontos fortes da prova.
No período republicano, Era Vargas é o destaque. “Sem dúvida, pela intensidade e longevidade do período, além de mudanças da época, como a guerra, crise de 1929 e vários elementos que permitem discussão abrangente”, diz o professor. Ele acrescenta a importância dos conteúdos sobre regime militar e nova República, considerando “limites, rupturas e continuidade”. “O viés cultural desses momentos tem grande importância no Enem: discussão do rádio e do samba no varguismo e, no regime militar, uma série de canções de protesto, teatro e outras músicas e eventos que serviram de confronto com a opressão típica desses regimes na América Latina”, relata Carvalho.
E assim como a prova de redação, ciências humanas também está atenta à atualidade, mas sem perder de vista o contexto histórico, e exigindo, muitas vezes, leitura crítica e visão científica. “Fala-se muito em vacina neste momento e ao longo de 2021. A prova poderia buscar no pretérito histórico, no início do século 20, a revolta da vacina, evento cuja discussão estava na obrigatoriedade ou não da vacina, numa ideia de progresso e avanço.”
Na sociologia, o professor Osvaldo Machado lembra que são cobrados conteúdos presentes na antropologia, sendo comuns no Enem textos introdutórios que trabalham diferença social, particularidade, singularidade, alteridade, relativismo, etnocentrismo, além da discussão científica da transição entre modernidade e pós-modernidade. “Outro tema importante cobrado ‘umbilicalmente’ é a dinâmica das nossas relações na internet. Temos diversas particularidades a partir do olhar da mulher, do olhar da mulher preta”, diz. Machado acredita ainda que podem ser abordados nesta edição temas sobre gênero, raça e COVID-19. “Mesmo que o atual governo não tenha tanta afinidade com esses tópicos, tivemos textos que retratavam gênero e raça na última edição.”
Em filosofia, conforme o vídeo acima, o professor Cássio Silveira, da Rede Chromos de Ensino, de Belo Horizonte, ressalta dois aspectos ligados ao período moderno: a teoria do conhecimento (recorrente e articulado também à ideia da ciência) e a filosofia política. “Pontos como o racionalismo e o empirismo foram relevantes para o desenvolvimento da ciência, por exemplo”, destaca. No quesito geografia, o professor Álisson Riceto, que também integra o time de ciências humanas do Colégio Olimpo, aponta as interações humanas com os ecossistemas e a exploração dos recursos naturais como temáticas frequentes. Além de questões envolvendo globalização, estrutura fundiária e o acesso à terra: “Leva em conta os benefícios de uma reforma agrária e os quadros de concentração existentes, que é um dos maiores gargalos que o país enfrenta.”
ANSIEDADE A jovem Yasmin Machado Santos Pereira Bahia, de 19 anos, se formou no ensino médio na unidade de Belo Horizonte no fim do ano e não vê a hora de fazer a prova para se livrar da ansiedade. Apesar de pensar em carreira ligada à área da saúde, ciências humanas é seu forte. “Não gosto de decoreba, mas de pensar em situações para responder”, conta. A garota, que tem na geografia seu ponto forte, acredita que filosofia e sociologia têm ficado cada vez mais pesadas no Enem. “Pelo nervosismo, corremos o risco de perder alguma palavra”, afirma. Para evitar justamente o nervosismo, esta semana a prioridade é relaxar: “Sou uma pessoa ansiosa, então, quanto mais próximo, pior é. Quero fazer logo a prova”.
Resposta complementa enunciados
Quando está em jogo o bom e velho português, literatura e língua estrangeira, o segredo é único: nunca se desvincular dos enunciados das questões, principalmente os incompletos, que devem ser acrescidos da resposta certa. A dica é do coordenador da área de língua portuguesa e literatura do Colégio Santo Antônio, professor Carlos Simões, que lembra ser essa a base da área de linguagens e códigos e válida também para as outras provas do Exame Nacional do Ensino Médio. “É diferente do antigo vestibular, em que o aluno buscava a opção correta ou incorreta. No Enem, ele procura aquela que vai completar a pergunta”, avisa.
Por isso, mais do que nunca, a leitura de textos de apoio é tão importante. “O aluno nunca deve deixar de ler o texto, que às vezes é grande e o Inep tem corrigido isso ao longo dos anos. Deve ler tudo antes de qualquer outro passo. É uma prova muito cansativa e é, antes de tudo, uma avaliação de resistência física. Logo, o candidato deve estar preparado acadêmica, física e psicologicamente. É uma maratona”, diz.
Em linguagens, assim como na área de ciências humanas, a habilidade cobrada recai sobre a capacidade de leitura e interpretação, ficando a escrita por conta da redação. Assim, embora o conteúdo seja uma das atribuições, o teste extrapola a memorização. “É uma prova feita em cima de habilidades e competências, mas não podemos esquecer que não se pode cobrar isso sem o conteúdo por trás. Definitivamente, ele não é dispensável. Há questões com viés conteudístico e, por isso, saber conteúdo e conceitos é um ponto importante, mas não suficiente”, ressalta o professor do Santo Antônio. “A resposta para a antiga pergunta ‘essa matéria vai cair?’ é vai, seja ela qual for, porque o conteúdo do Enem são todos aqueles trabalhados nos ensinos fundamental e médio, não é uma prova do 3º ano.”
Para a literatura, a expectativa de Carlos Simões é que o “desprestígio” vivido pela disciplina nas últimas edições do Enem, com média de oito questões entre as 45, seja revisto, em função da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que dá muita importância à leitura de obras literárias. Já língua estrangeira deve manter seu formato de uma interpretação bem básica, focada na tradução.
Não perca o foco
» Ciências humanas
» Mantenha a tranquilidade
» Cuide do tempo de execução da prova: não perca muito tempo com a mesma questão
» Leia atentamente, associando o objeto (texto, charge, imagem) com o comando da questão
» Tenha atenção às diferentes linguagens: mapas, legendas, símbolos cartográficos, gráficos etc.
» Cuidado com os distratores: aparecem itens que são corretos, mas que não respondem ao que foi pedido
FONTE: Henrique Nogueira de Carvalho/Olympo
» Linguagens
» Mantenha a tranquilidade
» Cuide de seu sono
» Prepare-se para uma maratona
» Na hora da prova, leia todo o texto de apoio antes de qualquer outro passo
» Nunca se desvincule dos enunciados na questão
FONTE: Carlos Simões/Colégio Santo Antônio
Recurso negado e nova ação
Em mais uma investida contra o calendário do Enem, o Mistério Público Federal ingressou ontem com ação na Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão em Minas Gerais pedindo a suspensão das provas marcadas para os dias 17 e 24, devido à proliferação da COVID-19 no estado. No pedido, o MPF cita indicadores da saúde da capital, argumentando que não há segurança para realizar as provas. Mais cedo, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) manteve a decisão da primeira instância da Justiça Federal em São Paulo, que negou um novo adiamento do exame nacional.
O desembargador Antonio Carlos Cedenho rejeitou recurso da Defensoria Pública da União (DPU). O órgão voltou a argumentar que as medidas sanitárias para a realização do exame não são suficientes para impedir o contágio por COVID-19, diante do avanço recente nos números da pandemia.
O magistrado entendeu, contudo, que as medidas adotadas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) são capazes de minimizar o risco à saúde dos participantes. “Diferentemente das circunstâncias do primeiro adiamento, a prova vem cercada de todas as medidas sanitárias, segundo as recomendações das autoridades de saúde”, disse Cedenho. Segundo o desembargador, as circunstâncias do exame permitem um maior controle sobre o risco de contágio.
O magistrado ressaltou que, depois do primeiro adiamento, anunciado em maio, o exame foi marcado para janeiro, após consulta a professores e alunos de ensino médio, e que os participantes se preparam há meses para a nova data. Cedenho acrescentou que o Enem representa um interesse público de “difícil postergação”, assim como representaram as eleições municipais realizadas em novembro.
A União Nacional dos Estudantes (UNE) e a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), na qualidade de terceiros interessados, haviam se manifestado favoráveis ao adiamento. Outro argumento usado pelas duas entidades foi a concorrência desleal causada pela desigualdade social no acesso ao ensino na pandemia.
Na noite de quarta-feira, a Justiça Federal no Amazonas suspendeu o exame no estado enquanto durar o estado de calamidade pública decretado pelo governador Wilson Lima.