Às vésperas do fim das férias, a grande incerteza das escolas é sobre quando poderão receber seus alunos presencialmente. As particulares – que voltam às aulas semana que vem – continuam sem seus alvarás de funcionamento e, apesar da pressão de pais e instituições, não havia nenhuma sinalização do poder público até ontem sobre a retomada. Ao contrário do início do ano passado, quando foram pegas de surpresa pela pandemia, desta vez, já sabem como fazer e, por isso, aprimoraram processos de ensino e aprendizagem e já deixam preparados os protocolos para a instauração de um eventual modelo híbrido.
O ano de 2020 terminou no Colégio Nossa Senhora das Dores (CNSD), na Região Leste de BH, com avaliação diagnóstica do aprendizado dos alunos e recomeçará 2021 com a mesma estratégia. “Ano passado, reformulamos o planejamento para centrar nas prioridades de cada série, porque sabíamos que não seria possível trabalhar todo o conteúdo programático on-line. Era preciso saber o que de fato os alunos tinham aprendido, porque, embora sejam de uma geração digital, é diferente quando estão na tela para brincar ou jogar e quando devem ter concentração e organização”, explica a coordenadora pedagógica da escola, Maria Eugênia Moreira Gomes de Freitas.
Passadas as férias, uma nova avaliação será feita para ver se os conteúdos foram realmente assimilados. Serão dois focos: reforço pedagógico e retomada de conteúdos para possibilitar as aprendizagens esperadas para este ano. “Isso é fundamental para 2021 em diante. Se não consegui ver tudo em 2020, tenho que jogar uma parte para 2021, e de 2021 para 2022 e assim por diante. É uma reformulação de longo prazo e flexível, que só ocorre de fato quando a escola prioriza aprendizado e qualidade”, diz.
O tempo de aula de 40 minutos por disciplina, em vez de 50min, também será mantido. A mudança ocorreu um mês depois do início do ensino remoto, diante da percepção do cansaço dos alunos. Para casas foram limitados a dois por área. As aulas começam às 8h e terminam até as 12h20. “Começamos com prova formal e foi um desastre, pois bastava o aluno jogar no Google e colar. Reformulamos a maneira de avaliar, trazendo dinamismo e o protagonismo do aluno. Em inglês, por exemplo, por que fazer um teste tradicional se o aluno podia gravar um vídeo falando?”
E se em vez de presencial, a opção das autoridades de Belo Horizonte for pelo modelo híbrido, novas reformulações já estão prontas, com parte da classe em sala e parte em casa, assistindo ao vivo. “Estamos entendendo que pelo menos no primeiro momento será on-line. E que o híbrido será um novo aprendizado para todos. As famílias precisam entender que não vai voltar como era antes, será outro formato”, avisa. “A pandemia acelerou um processo que estava por vir, de educação mais híbrida, usando mais a tecnologia. Precisa se adaptar ao novo mundo porque será o caminho. Não sei se será o melhor, porque ainda o vivenciaremos, mas é o novo caminho”, afirma. “A primeira vez que pedi para alunos digitarem uma redação, houve enorme revolta dos pais. Dez anos depois, temos Enem em formato digital.”
A professora Maria da Conceição de Oliveira, de 47 anos, não esconde a frustração com a volta às aulas em modo remoto. Mãe dos trigêmeos Lara, Eduardo e Davi Franco, de 9, ela se prepara para uma rotina insana a partir de terça-feira. Conceição trabalha pela manhã como professora de língua portuguesa de 6º e 7º anos do fundamental do CNSD e, à tarde, dá lugar ao posto de mãe, correndo de um lado ao outro para ajudar as crianças a acompanhar as aulas. Eles também são estudantes do Nossa Senhora das Dores, de três turmas diferentes. “Tudo era novo, pois nunca os havíamos deixado usar o computador antes. A dificuldade foi tanto na questão mecânica, quanto na concentração. E, como estudam em quartos diferentes, em época de prova fico doida. E vai recomeçar tudo da mesma forma”, lamenta.
Dois computadores, um notebook, um tablet e, às vezes, celular para dar conta da demanda. “No fim estavam um pouco mais familiarizados, mas tivemos outro problema, que é o da dispersão, quando começaram a descobrir joguinhos. Confesso que houve aprendizado, mas muito aquém daquilo que almejávamos”, diz. “A escola disponibilizou os melhores recursos, as professoras fizeram um trabalho incrível com dinâmicas e provas superagradáveis justamente para tentar atrair a atenção das crianças, mas sinto que eles regrediram. Não estavam seguros com as respostas que poderiam dar, por exemplo. Nessa idade são ainda muito imaturos.”
Apesar de se preparar para reviver a “loucura”, Conceição se diz tranquila, por causa do início da vacinação, que lhe dá alento de que “tudo chegará ao fim muito em breve”. Ela aposta num segundo semestre presencial. “É preciso paciência e coragem.”
Ajuste tecnológico e novos protocolos
Recomeçar no modo remoto, mas com tudo preparado para mesclar aulas virtuais e presenciais. Convencidas de que as escolas reabrirão as portas com capacidade reduzida de estudantes, os estabelecimentos de ensino já pensam nas estratégias que possibilitarão receber parte da turma, enquanto a outra participa também, instantaneamente, mas de casa. Câmeras e equipamentos já estão a postos esperando apenas o sinal verde.
“Já estamos com todos os protocolos prontos: sanitários, pedagógicos e emocional, o primeiro que executaremos quando voltar, seja remoto ou híbrido”, afirma a diretora do Colégio Arnaldo Unidade Funcionários, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte, Karla Vignoli. Aguardando orientações dos órgãos reguladores, o Arnaldo acredita que elas tenderão para o chamado sistema de bolhas, com parte do grupo presencial e parte virtual. “É o melhor sistema para detecção de aluno infectado e que permite isolar um grupo, sem afetar os demais.”
Nesta volta às aulas, os estudantes começarão no remoto com carga horária máxima, incluindo o 1º ano do fundamental, que teve em 2020 tempo reduzido de aula. “Vamos manter o mesmo ritmo, aprendemos o quê funciona e o quê não funciona e seguiremos com aquilo que vale a pena”, afirma a diretora. Todas as ações tradicionais do colégio, a exemplo do Anjo, quando um aluno veterano “adota” um novato, estão sendo repensadas. “Nosso cuidado no acolhimento será dobrado, porque esses alunos que estão chegando o farão de maneira virtual. Depois, teremos de acompanhá-los novamente quando chegarem fisicamente à escola, pois, caso contrário, a adaptação será muito difícil”, preocupa-se Karla.
Diretora pedagógica da Stella Escola, no bairro Castelo, na Região da Pampulha, Renata de Faria Dias Corrêa acredita na instauração do ensino híbrido em breve. Com várias formas desse modelo em avaliação, ela diz ter uma certeza: “Quanto mais tempo tivermos as crianças na escola, mais emocionalmente saudável elas estarão”. A escola encerrou as atividades do nível fundamental em 23 do mês passado, e as do infantil no último dia 14.
Em 2021, haverá aumento da carga horária para meninos a partir do 3º ano do fundamental e intensificação de momentos on-line com pequenos grupos para as turmas do 1º e 2º anos. Renata conta que o tempo de aula das crianças sempre levou em consideração a exposição à tela. As aulas de 50 minutos têm intervalos de 15min entre uma e outra, intercalando com música, educação física e robótica e, no máximo, quatro horários por dia.
Infantil
Se as aulas virtuais durante a pandemia passaram a barreira do “feito de um dia ao outro” para alçar a modelo oficial da volta às aulas, resta um grande desafio e, esse sim, ainda sem solução que o contemple. A grande prejudicada pelo fechamento das escolas, a educação infantil, começa 2021 do mesmo modo que terminou o ano anterior: sem horizontes promissores. Com uma adaptação complexa e sem garantia de êxito no ambiente virtual, as matrículas andam a passos lentos, com os pais ainda primando pela cautela antes de assinar contratos com as escolas.
A perda de alunos, principalmente até os 3 anos, foi realidade em todas os estabelecimentos. “Os momentos on-line não tiveram validação, mas os usávamos para manter o vínculo com nossas crianças”, conta a diretora pedagógica da Stella Escola, Renata de Faria Dias Corrêa. Os roteiros semanais com sugestão de atividades lúdicas não foram suficientes para convencer parte dos pais dos pequeninos – por lei, a escola é obrigatória a partir dos 4 anos.
No Colégio Nossa Senhora das Dores, a opção foi fechar essas turmas em 2020. As matrículas estão abertas, mas, segundo a coordenadora pedagógica, Maria Eugênia Moreira Gomes de Freitas, as famílias estão ainda inseguras, uma vez que o cenário não mudou. A alfabetização é outro desafio. “Os prejuízos foram muito grandes nesse aspecto. Quanto mais novas, maior é o prejuízo para as crianças.”
No Colégio Arnaldo, o momento também é de cautela. A diretora da unidade Funcionários, Karla Vignoli, conta que alguns pais já rematricularam, outros aguardam a liberação da volta, mesmo aqueles com filhos em faixa etária obrigatória de escolarização. “Há crianças que conseguiram acompanhar as atividades remotas propostas, outras nem quiseram saber ou não têm capacidade de concentração”, diz. O colégio vai continuar oferecendo as aulas como no ano passado: duas a três vezes por semana, com uma hora e meia no máximo de duração. “Isso ajudou a manter o elo com a escola. Entre as crianças de 5 anos houve avanço pedagógico em relação à alfabetização, porque os pais acompanharam muito. Não é o ideal, mas é o que podemos fazer agora.”
Decisão cabe aos prefeitos
Na rede pública estadual de Minas, o ano letivo de 2021 terá início em 4 de março, mas o modelo a ser adotado ainda não foi definido. A Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais (SEE) encerrou no dia 15 consulta pública para ouvir a comunidade escolar e colher contribuições sobre o assunto. A pasta destaca que “a decisão sobre a abertura de quaisquer escolas da educação básica do estado, seja pública ou privada, é de responsabilidade e autonomia de cada prefeitura”. O governo do estado autorizou a retomada das atividades presenciais desde 2 de outubro em municípios que estejam na onda verde do plano Minas Consciente. No âmbito das escolas estaduais, liminar obtida na Justiça pelo Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE/MG) impede o retorno das atividades escolares.
Na rede municipal de Belo Horizonte, o ano iniciado em 10 de fevereiro de 2020 só terminará no fim deste 2021, conforme a Secretaria Municipal de Educação (Smed), mesmo com portaria publicada na terça-feira no Diário Oficial do Município dando como 1º de fevereiro o começo do ano escolar e definindo o calendário da rede. Isso porque os conteúdos desses dois períodos serão dados de maneira conjugada – a Prefeitura de BH não adotou o ensino on-line em sua rede. A Prefeitura de BH também mira no ensino híbrido, quando a reabertura das escolas for autorizada. “Cada grupo de alunos terá mais ou menos tempo presencial ou mais ou menos acesso digital conforme suas possibilidades socioeducacionais”, afirma a Smed.
A recomendação das entidades que representam as escolas particulares é que as instituições encaminhem às famílias o calendário com o início do ano letivo, independentemente da modalidade presencial ou remota. “Não podemos atrasar o início do ano letivo”, afirma a presidente do Sindicato das Escolas Particulares de Minas Gerais (Sinep-MG), Zuleica Reis.