Jornal Estado de Minas

EDUCAÇÃO

Escola estadual, gestão particular: estado testa nova forma de parceria


O governo de Minas aposta em nova fórmula para tentar reduzir a evasão escolar, melhorar os índices de aprovação, avançar nas avaliações externas de desempenho de estudantes e na qualidade no ensino médio nas escolas estaduais. No modelo, o poder público cede lugar da gestão administrativa e pedagógica a parceiro encarregado de “oxigenar” metodologias e abrir portas a experiências criativas e inovadoras. Com inspiração em modelo internacional, a Secretaria de Estado de Educação (SEE) lança hoje os editais do Somar, projeto-piloto para gestão compartilhada de três escolas de Belo Horizonte e região metropolitana que vai atender a aproximadamente 2,2 mil alunos. 





As bases do programa estão publicadas na edição desta quarta (28/4) do Minas Gerais, o diário oficial do estado. São três editais de chamamento público (um por escola) voltados a organizações da sociedade civil sem fins lucrativos. Elas terão autonomia na condução das instituições, que atendem exclusivamente ao ensino médio e continuarão sob o guarda-chuva institucional do estado.  

Na capital, farão parte desse piloto as escolas estaduais Maria Andrade Resende, no Bairro Enseada das Garças, e Francisco Menezes Filho, no Ouro Preto, ambas na Região da Pampulha. Na Grande BH, a escolhida é a Escola Estadual Coronel Adelino Castelo Branco, no Centro de Sabará.

No plano pedagógico, as organizações têm flexibilidade para apresentar propostas de formação, uma das bases do currículo do novo ensino médio – o currículo, aliás, é obrigatoriamente o de referência no estado, homologado pelo Conselho Estadual de Educação para todas as redes de ensino em Minas. 

No campo administrativo, a primeira mudança remonta à composição do corpo docente. Professores não serão mais servidores do estado ou designados, mas contratados em regime de CLT pelas organizações aprovadas no processo.



Os integrantes do quadro efetivo do estado serão remanejados para escolas do entorno. Diretores, vice e secretários escolares serão os únicos servidores públicos a atuar nas três escolas, mas, embora na folha de pagamento da secretaria, ficará a cargo das organizações a escolha deles.  

Pelo edital, as organizações têm até 16 de junho para apresentar propostas de indicadores de qualidade de educação. A expectativa é que a parceria seja assinada no fim de julho, para que, já no segundo semestre, as escolhidas comecem a atuar.

Para garantir o fim do ano letivo e a transição ao modelo, as alterações no corpo docente só ocorrerão no início de 2022. Até o fim do ano, serão mantidas as lotações de concursados e designados e a folha de pagamento será ainda de responsabilidade do estado. 

A escolha das organizações levará em conta suas experiências na área de educação, tempo de atuação, qualificação da equipe e experiência no manejo de recursos dessa monta. Contará ainda a possibilidade de trazer inovações e parceiros e, o mais importante, a proposta pedagógica. “Vamos analisar as metas de redução de abandono e repetência, aumento de aprovação, indicadores de aprendizagem a partir das metas que temos e também o âmbito da inovação”, afirma a secretária de Estado de Educação, Júlia Sant’Anna.  

O projeto Somar tem como inspiração as escolas charter, nos Estados Unidos: instituições mantidas com recurso estatal ou federal, mas com contrato para gestão privada feita por comunidades ou organizações sociais. Embora caminhem como colégios privados, continuam sendo públicos. Júlia Sant’Anna ressalta que não há terceirização no modelo mineiro: continuam sendo escolas do estado, seguindo calendário da secretaria e com obrigação das avaliações externas de níveis de desempenho, como a Avaliação da Rede Pública de Educação Básica (Proeb), de âmbito estadual, e o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), aplicado em nível nacional.  

As escolas continuarão sendo acompanhadas pelos supervisores escolares – inclusive na busca ativa de estudantes que tenham abandonado as salas de aula. “Há sinalização de resultados muito positivos internacionais, mas não foi testado aqui. Temos experiência na terceirização do serviço de infraestrutura e na parceria fluida com creches conveniadas, mas nada parecido com o que estamos fazendo, que é muito novo”, afirma. 





Custos 


As despesas com o Somar vão girar em torno de R$ 5 mil por aluno ao ano. Embora se aproximem dos valores do repasse do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), a secretária garante que não se toca nessa rubrica. “O projeto será custeado com recursos do Tesouro estadual, já assegurados. Não é dinheiro do Fundeb e não queremos economizar, mas manter padrões de despesas e promover aproximação com os investimentos atuais”, explica Júlia. 

Os repasses às organizações selecionadas serão feitos considerando as propostas de indicadores de qualidade. O primeiro se dará no segundo semestre, referente à manutenção de infraestrutura – 20% do valor total, uma vez que a folha de pagamento de funcionários estará ainda com o estado. 

O segundo repasse será feito em dezembro, depois da conclusão do processo pedagógico e contratação de profissionais.

Em 2022, entram avaliações das metas de aprendizagem. A expectativa é de redução de evasão, aumento da permanência e melhoria pedagógica já nos primeiros bimestres. Júlia Sant’Anna avisa que qualquer expansão do projeto depende dos resultados dessa etapa inicial. 





Escolhidas terão de melhorar qualidade


O modelo é inédito em Minas, mas há algumas pistas do que pode se tornar ou onde poderá chegar. Em termos de avanços pedagógicos e de desempenho, a expectativa é de que a novidade de gestão compartilhada gere resultados próximos à experiência da Escola Estadual Cidade dos Meninos. Ela é mantida pelo governo, dentro da Cidade dos Meninos São Vicente de Paulo, em Ribeirão das Neves (Grande BH), mas sob a tutela do Sistema Divina Providência. Com um programa que privilegia arte, cultura, esporte e ensino profissionalizante, passou de 4,2 no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de 2017 para 4,9 na avaliação de 2019 – 0,7 a mais que a média do estado.  

Mas, para chegar lá os desafios são grandes. As escolas, escolhidas a dedo, têm em comum resultados negativos em pontos-chave do processo de ensino e aprendizagem.

A Estadual Coronel Adelino Castelo Branco, em Sabará, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, tem 497 estudantes no ensino médio e teve queda no Ideb entre 2019 e 2017 – passou de 3,6 para 3,5. “Em um cenário de ascensão de Minas, quando temos nosso melhor Ideb como rede, o da escola caiu”, comenta Júlia. A taxa de abandono também chama a atenção: 10,6%, o dobro da média estadual (5,6%), em 2019.  

A Escola Estadual Maria Andrade Resende, no Bairro Enseada das Garças, na Região da Pampulha, em BH, teve uma taxa de reprovação superior à média estadual (15,6%, contra 11,9%). E nem registrou Ideb nesses dois últimos anos da avaliação. Isso quer dizer que menos de 80% de seus 778 alunos fizeram as provas do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), indo na contramão do estado, que registrou alta de 23% na participação. A nota do Ideb, que entre outros itens avalia a proficiência em português e matemática, é calculada a partir dos dados sobre aprovação escolar, obtidos no Censo Escolar, e das médias no Saeb.  

No Bairro Ouro Preto, também na Pampulha, a Francisco Menezes Filho teve nota 3,4 no Ideb em 2017 (mesma pontuação da rede estadual em 2005). Impressionam os índices de reprovação do colégio de 946 estudantes do ensino médio: 22,8%, além de taxa de abandono na casa de 7%. “Tivemos o cuidado de verificar cenários em que se precisava de ganhos expressivos. É muito difícil pensar que podemos ficar satisfeitos com a qualidade que está sendo oferecida”, destaca a secretária de Estado de Educação, Júlia Sant’Anna. 

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