O psicólogo Luciano Melo, que atuou 23 anos como professor, coordenador e diretor escolar, avalia que crianças da educação infantil e das séries iniciais do ensino fundamental demandarão um tempo maior para uma adequação do planejamento de seu processo de ensino-aprendizagem, diante dos prejuízos com o ensino remoto.
Porém, ele avalia que a situação mais delicada é a dos que se encontram no ensino médio, prestes a enfrentar exames que dão acesso ao ensino superior.
“A distância que existia entre estudantes das redes pública e privada no que diz respeito à preparação para a faculdade foi transformada em um verdadeiro abismo, e as perdas podem ser irrecuperáveis.”
Ele é categórico: não se deve depositar apenas sobre os ombros de escolas e dos professores a responsabilidade pela recuperação do aprendizado. “Mais do que nunca, é preciso estar atento à importância da parceria entre escola, pais e estudantes.” Confira a entrevista:
Porém, ele avalia que a situação mais delicada é a dos que se encontram no ensino médio, prestes a enfrentar exames que dão acesso ao ensino superior.
“A distância que existia entre estudantes das redes pública e privada no que diz respeito à preparação para a faculdade foi transformada em um verdadeiro abismo, e as perdas podem ser irrecuperáveis.”
Ele é categórico: não se deve depositar apenas sobre os ombros de escolas e dos professores a responsabilidade pela recuperação do aprendizado. “Mais do que nunca, é preciso estar atento à importância da parceria entre escola, pais e estudantes.” Confira a entrevista:
"O espaço escolar e, em especial a sala de aula, apresenta uma configuração típica de estudo que o quarto ou a sala de casa não podem retratar"
Com a pandemia, as escolas e crianças tiveram de se adaptar rapidamente ao formato de aulas remotas. Quais os prejuízos desse processo, feito às pressas?
A implantação abrupta do sistema remoto trouxe dificuldades para o processo ensino-aprendizagem. O espaço escolar e, em especial a sala de aula, apresenta uma configuração típica de estudo que o quarto ou a sala de casa não podem retratar. Os móveis, decoração, variedade de recursos didático-pedagógicos, a proximidade entre alunos e desses com seus professores, o posicionamento das carteiras, a famosa hora do recreio são fatores que inserem o estudante no estudo. Além disso, por mais criativos que sejam, e ainda que contem com a diversidade de recursos das chamadas metodologias ativas, educadores se sentem atualmente podados quanto à possibilidade de usar recursos tradicionais, que sempre foram de grande valia para muitos estudantes.
"Preocupa-me o fato de os estudantes estarem recorrendo à ajuda de sites e de outras pessoas para tarefas avaliativas"
Qual o resultado prático disso para a realidade dos estudantes?
A alteração drástica da rotina exigiu dos estudantes capacidade de organização que muitos ainda não adquiriram, o que pode levar à procrastinação, fazê-los se perder no cumprimento das obrigações estudantis e trazer prejuízos à aprendizagem. Mas, em especial, não posso deixar de mencionar o distanciamento social como um dos mais importantes fatores a comprometer a aprendizagem, porque ela não existe
sem afetividade. Uma das principais características da adolescência é a chamada tendência grupal. Impedir um adolescente de se encontrar com os amigos é o mesmo que impedi-lo de se realizar como tal. Além disso, quantos não são os casos em que uma disciplina em que um estudante tinha sério bloqueio se torna a preferida por ele, devido à convivência com o professor? É preciso lembrar ainda os prejuízos para o estado emocional de crianças e adolescentes gerados não apenas pelo ensino remoto, mas por todas as medidas exigidas pela pandemia. Tem crescido o número dos que buscam terapia, e até mesmo a medicação, para se aliviarem de sintomas ansiosos e depressivos. Não há como isso não trazer prejuízos para o processo ensino-aprendizagem.Por que o formato de aulas remotas não é indicado para crianças?
A diversidade de recursos e estratégias didáticas e a afetividade são fatores imprescindíveis para a aprendizagem e podem ser mais facilmente vivenciados quando há contato presencial. Além disso, dependendo da faixa etária da criança, pode ser imprescindível o uso de recursos materiais, pela limitação de pensar abstratamente. A educação infantil tem entre seus objetivos despertar a criança para o desejo de aprender, para a curiosidade intelectual, a percepção da escola como um espaço de prazer, socialização e aprendizagem. O espaço contribui para seu desenvolvimento humano em todas as suas dimensões, e isso fica fortemente comprometido pelo ensino remoto.
"Muito contribuirá se o estudante perceber que tem acompanhamento dos pais, que devem não apenas cobrar, mas também incentivar, demonstrar interesse, oferecer ajuda"
O que os pais podem fazer para minimizar as perdas nesse contexto?
A participação dos pais é sempre essencial, sobretudo neste momento de pandemia. É preciso acompanhar de perto a postura e o desempenho de seus filhos: frequência, pontualidade, realização e entrega de tarefas e cronograma de atividades avaliativas são alguns dos pontos a serem observados. Acredito ser de fundamental importância que esse acompanhamento não ocorra apenas de forma a exercer autoridade. Muito contribuirá se o estudante perceber que tem acompanhamentos participativos de seus pais, que devem não apenas cobrar, mas também incentivar, demonstrar interesse pelo que está sendo ensinado e trabalhado pelos professores, oferecer ajuda. A motivação é outro aspecto para o qual a atuação dos pais pode ser decisiva.
Em relação às avaliações, o que elas devem medir neste formato?
Toda atividade avaliativa deve ser rigorosamente coerente com o trabalho realizado, não apenas em relação ao conteúdo (avaliar o que foi ensinado), mas também no que diz respeito ao nível de profundidade com que os conteúdos foram trabalhados, a metodologia usada e o nível acadêmico da turma. O fato de as aulas estarem sendo realizadas remotamente deve ser levado em consideração, mas é preciso cautela: eventuais avaliações com baixo nível de exigência podem levar ao descrédito total em relação ao próprio mecanismo e a uma diminuição da seriedade com que os estudos deveriam ser tratados. Sabemos que muitos de nós, seres humanos, somos movidos pela cobrança. Isso é ainda mais nítido e perceptível em relação às crianças e aos adolescentes, devido ao estágio de amadurecimento em que se encontram.
"Preocupa-me o fato de os estudantes estarem recorrendo à ajuda de sites e de outras pessoas para tarefas avaliativas"
Como os pais devem proceder ao perceber que filho cometeu um erro em uma avaliação no formato remoto?
Não devem interferir, a menos que sua participação seja devidamente autorizada pela escola. Preocupa-me o fato de os estudantes estarem recorrendo à ajuda de sites e de outras pessoas, inclusive os próprios pais, para tarefas avaliativas, e tenho alertado os adolescentes que atendo em terapia em relação a isso. O objetivo maior de uma avaliação é verificar a aprendizagem. Notas altas significam sucesso do processo e autorizam sua sequência. Se os estudantes aprenderam muito menos do que suas notas dão a entender, mais cedo ou mais tarde eles terão que arcar com as consequências dessa falta de compromisso. Além disso, uma intervenção indevida dos pais em uma avaliação retira dos filhos a responsabilidade e o protagonismo que lhes cabem nos estudos. É o mesmo que dizer: não se preocupem, nem se dediquem, porque na hora em que precisarem, nós faremos por vocês. Definitivamente, isso não é educativo, nem formará seres humanos responsáveis e autônomos.
"Tenho acompanhado adolescentes extremamente dedicados e comprometidos. Certamente, terão perdas menores que, com a escola, poderão ser contornadas"
É possível recuperar o aprendizado perdido?
Acredito que dependendo do nível da perda, sim. Mas, é preciso lembrar que é preferível prevenir a remediar.Tenho acompanhado adolescentes extremamente dedicados e comprometidos com seus estudos, que têm procurado fazer o melhor que podem. Certamente, terão perdas menores que, em parceria com a escola, poderão ser contornadas. Por outro lado, há estudantes que têm dito que definitivamente não se adaptam ao novo formato e se limitam a realizar as atividades que precisam ser entregues. Esses terão muito mais trabalho para recuperar o que não desenvolveram até aqui.
“Mutirão” na volta das aulas presenciais
Professores, pedagogos, pais e crianças devem ajudar a construir a retomada do aprendizado quando as aulas voltarem a ser presenciais. Para tanto, é preciso fazer um diagnóstico do ensino no período da pandemia. Um dos problemas apontados é a atenção que é possível dar a cada aluno nas aulas remotas, avalia a pesquisadora Isabel de Oliveira e Silva, da Faculdade de Educação da UFMG, que coordenou pesquisa sobre o ensino remoto, no ano passado, com estudantes da Grande BH.
Um dos problemas do modelo on-line é ser direcionado a todas as crianças da classe, sem considerar as individualidades.
“A sugestão é que reorganizem o tempo, que não seja o mesmo que o presencial. Sugerir atividades fora da tela e interações com pequenos grupos, de maneira que possa ser mais efetiva. No pequeno grupo, é mais fácil para a criança se manifestar”, afirma Isabel de Oliveira e Silva.
Outra recomendação dela é fazer observações e relatórios de modo a abordar o conteúdo escolar, mas de forma que não seja tão pesada.
“Os estudantes falaram que estavam vivendo mais ansiedade e mais estresse, que tinham mudado o horário de dormir. Uma série de coisas que são da regulação do nosso cotidiano estavam profundamente alteradas e têm repercussões importantes sobre o emocional e sobre a aprendizagem das crianças”, afirma.
Em relação às aulas de reposição ou reforço, a pesquisadora alerta para o risco de uma overdose de conteúdo.
“Há o risco muito grande de o professor querer correr atrás do tempo perdido e esquecer da criança. Pegar o que a escola avalia que teria que ter sido dado no ano passado e tentar somar ao bloco deste ano e fazer tudo. Não vai funcionar. O risco é de ter uma sensação de fracasso para todos, pois é impossível que as crianças absorvam esse conjunto de coisas condensadas para tentar suprir essa defasagem”, adverte Isabel de Oliveira.
Para a pesquisadora, as escolas têm que observar em que ponto do aprendizado as crianças estão, o que ganharam ou não nesse período.
“As crianças aprenderam e viveram outras coisas. É preciso que a escola conheça isso para reorganizar métodos, conteúdos e espaços”, aconselha.