Eles passaram em concurso público, mas, em vez de nomeados para seus cargos, acabaram contratados. Ou, ainda, vendo terceiros assumirem as vagas sob a batuta de uma efetivação temporária. Dezenas de aprovados em certame para dar aulas na Universidade Estadual de Minas Gerais (Uemg) travam uma queda de braço com o governo do estado e buscam na Justiça o direito de serem chamados para ocupar seus postos.
Apoiados por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que considera a prática inconstitucional, aprovados vão acionar o Ministério Público para denunciar, segundo professores, mais da metade do corpo docente trabalhando na condição de designados.
“O problema existe desde a criação da Uemg. Ação do Ministério Público (MP) apontou, em 2014, 90% dos professores trabalhando como designados e, na ocasião, o Tribunal de Justiça condenou a instituição a realizar concursos”, conta a advogada especialista em direitos sociais, Carol Matias Brasileiro, que representa 35 aprovados nos certames de 2014 e 2018 em ações que tramitam na primeira e na segunda instância.
Ela lembra que, apesar de em 2014 vários concursos terem sido abertos, editais tiveram de ser suspensos porque a universidade não tinha vagas aprovadas.
Em março de 2016, foram abertas 723 e, no fim de 2018, foram publicados outros 34 editais espalhados pelo estado, em diversas unidades e cursos. Os aprovados nos primeiros lugares assumiram ano passado.
“Na solenidade de posse, a reitora anunciou que, mesmo com a nomeação de todos os professores aprovados, ainda restavam abertas 448 vagas que não foram direcionadas para esses editais. Isso num contexto de cerca de 850 docentes (de um total de 1.511) trabalhando como designados”, afirma.
Em maio do ano passado, o STF julgou Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5267, que tratava da questão dos designados em Minas Gerais.
O ministro Luiz Fux, relator do processo, salientou que “a contratação excepcional de servidores públicos sem prévia aprovação em concurso público, em nome do princípio da continuidade do serviço público, encontra-se restrita às hipóteses constitucionais que a legitimam”, caso de licenças médica, maternidade ou, especificamente entre professores, afastamento motivado por pós-graduação e pesquisas, entre outras razões.
Fux salientou serem inconstitucionais “disposições de lei que não estabelecem prazo determinado para a contratação ou dispõem de forma genérica e abrangente, não especificando a contingência fática que evidencia a situação emergencial”.
Em seu relatório, ele acrescentou que a contração temporária em caso de cargos vagos “viola a regra constitucional do concurso público, porquanto se trata de contratação de servidores para atividades absolutamente previsíveis, permanentes e ordinárias do Estado”.
“Depois disso, em 31 de dezembro, o governo do estado publicou decreto substituindo o termo ‘designados’ por ‘convocados’ para driblar a ADI, relata Carol Brasileiro.
Representante de um grupo de professores que entrou na Justiça para fazer valer o direito da nomeação e que se municia para acionar o Ministério Público, a professora de botânica Fernanda Hurbath Pita Brandão, de 39 anos, fez o concurso de 2018 da Uemg. Na época, ocupava o cargo de substituta na Universidade Federal da Bahia.
Ela passou em segundo lugar em Minas, numa disputa por vaga única. Em meados de 2020, a surpresa: a universidade mineira convocava concursados para ocupar vagas de temporários e ministrar disciplinas da vaga para a qual tinha feito concurso. Ela conta que aceitou o desafio, na esperança de ficar mais próxima da nomeação.
“Só o primeiro lugar não dá conta da demanda de disciplinas. Quase metade delas está nas mãos de temporários”, relata a professora baiana. E não apenas a sala de aula, contratados assumem também funções de coordenação e colegiados, denunciam os professores.
“Meu concurso foi pra cargo efetivo e, se precisam dos meus serviços, devem me nomear”, ressalta Fernanda, destacando a corrida contra o tempo para a validade do concurso não expirar.
Com média de seis turmas de 40 alunos cada por semestre nos cursos de ciências biológicas e engenharia agronômica, ela conta que metade de suas 40 horas semanais passa em sala de aula.
“O ideal seriam 12, pois, além da aula, precisamos preparar, fazer pesquisa e projetos de extensão. Estou agora assumindo o Herbário (museu de plantas), e para quem vão as disciplinas que eu não puder assumir? Há áreas em que até o quarto ou quinto lugar estão sendo convocados”, diz.
Enquanto não sai a decisão da Justiça, docentes tentam nomeação por meio de mandados de segurança individuais. É o caso do professor de história Filipe Pinto Monteiro, de 39, que também prestou o concurso de 2018 e se prepara para entrar com a liminar.
Classificado para duas vagas, ele conta que recebeu telefonema da Uemg propondo contrato de temporário de três meses, mas recusou. “Assim como tantos outros que declinaram, entendo que é uma forma de precarização do trabalho docente contra a qual estamos lutando muito”, diz o pesquisador natural de Petrópolis (RJ), classificado em quarto lugar entre cinco aprovados. “Na minha frente, tem apenas um para ser chamado.”
“Há um oceano de temporários em situação precária e concursados aguardando na lista. Inúmeros professores da Uemg fizeram concurso, não passaram e continuam dando aula, com contratos renovados há muito tempo”, diz.
Bolsista de pós-doutorado na Universidade Federal do Pará, Filipe fez concurso para dar aulas no Sul de Minas. “Estou pagando até hoje a dívida para ir a Passos. Foram dois aviões, dois ônibus e muito esforço. Dói muito passar e estar nesta situação”, afirma. “Conheço pessoas de 2014 chamadas para atuar como temporário, em câmpus diferente daquele para o qual prestou concurso”, conta.
Para Filipe, perdem com a situação professores, alunos e a comunidade local, lembrando que a Uemg é uma das universidades mais interiorizadas do país (20 unidades em 16 cidades). “Os gestores públicos não enxergam que, ao fortalecer o corpo docente, você constrói pessoas comprometidas com a universidade. Isso eleva o nível dos cursos de graduação e pós, atrai alunos e essa cadeia ajuda a alavancar a economia das cidades.”
Procurada, a Uemg não se posicionou até o fechamento desta edição. A Secretaria de Estado de Planejamento (Seplag) garante que todos os editais de concurso público foram cumpridos, com todos os candidatos classificados dentro do número de vagas previstas em edital já nomeados. Informou, por meio de nota, que todos os docentes aprovados nos concursos de 2018 e 2019 foram nomeados pela atual gestão, a partir de fevereiro do ano passado.
A pasta acrescentou que o Comitê de Orçamento e Finanças vai avaliar a possibilidade de novas nomeações a partir das avaliações da área jurídica do estado. E confirmou a mudança na legislação. “Atualmente, a contratação de docente da Uemg para suprir a demanda necessária nos quadros das unidades acadêmicas tem como base legal o decreto de convocação (nº 48.109/2020), tendo em vista o julgamento de inconstitucionalidade da Lei 10.254, que previa a designação”.
Apoiados por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que considera a prática inconstitucional, aprovados vão acionar o Ministério Público para denunciar, segundo professores, mais da metade do corpo docente trabalhando na condição de designados.
“O problema existe desde a criação da Uemg. Ação do Ministério Público (MP) apontou, em 2014, 90% dos professores trabalhando como designados e, na ocasião, o Tribunal de Justiça condenou a instituição a realizar concursos”, conta a advogada especialista em direitos sociais, Carol Matias Brasileiro, que representa 35 aprovados nos certames de 2014 e 2018 em ações que tramitam na primeira e na segunda instância.
Ela lembra que, apesar de em 2014 vários concursos terem sido abertos, editais tiveram de ser suspensos porque a universidade não tinha vagas aprovadas.
Em março de 2016, foram abertas 723 e, no fim de 2018, foram publicados outros 34 editais espalhados pelo estado, em diversas unidades e cursos. Os aprovados nos primeiros lugares assumiram ano passado.
“Na solenidade de posse, a reitora anunciou que, mesmo com a nomeação de todos os professores aprovados, ainda restavam abertas 448 vagas que não foram direcionadas para esses editais. Isso num contexto de cerca de 850 docentes (de um total de 1.511) trabalhando como designados”, afirma.
Em maio do ano passado, o STF julgou Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5267, que tratava da questão dos designados em Minas Gerais.
O ministro Luiz Fux, relator do processo, salientou que “a contratação excepcional de servidores públicos sem prévia aprovação em concurso público, em nome do princípio da continuidade do serviço público, encontra-se restrita às hipóteses constitucionais que a legitimam”, caso de licenças médica, maternidade ou, especificamente entre professores, afastamento motivado por pós-graduação e pesquisas, entre outras razões.
Fux salientou serem inconstitucionais “disposições de lei que não estabelecem prazo determinado para a contratação ou dispõem de forma genérica e abrangente, não especificando a contingência fática que evidencia a situação emergencial”.
Em seu relatório, ele acrescentou que a contração temporária em caso de cargos vagos “viola a regra constitucional do concurso público, porquanto se trata de contratação de servidores para atividades absolutamente previsíveis, permanentes e ordinárias do Estado”.
“Depois disso, em 31 de dezembro, o governo do estado publicou decreto substituindo o termo ‘designados’ por ‘convocados’ para driblar a ADI, relata Carol Brasileiro.
Contratações temporárias surpreendem
Representante de um grupo de professores que entrou na Justiça para fazer valer o direito da nomeação e que se municia para acionar o Ministério Público, a professora de botânica Fernanda Hurbath Pita Brandão, de 39 anos, fez o concurso de 2018 da Uemg. Na época, ocupava o cargo de substituta na Universidade Federal da Bahia.
Ela passou em segundo lugar em Minas, numa disputa por vaga única. Em meados de 2020, a surpresa: a universidade mineira convocava concursados para ocupar vagas de temporários e ministrar disciplinas da vaga para a qual tinha feito concurso. Ela conta que aceitou o desafio, na esperança de ficar mais próxima da nomeação.
“Só o primeiro lugar não dá conta da demanda de disciplinas. Quase metade delas está nas mãos de temporários”, relata a professora baiana. E não apenas a sala de aula, contratados assumem também funções de coordenação e colegiados, denunciam os professores.
“Meu concurso foi pra cargo efetivo e, se precisam dos meus serviços, devem me nomear”, ressalta Fernanda, destacando a corrida contra o tempo para a validade do concurso não expirar.
Com média de seis turmas de 40 alunos cada por semestre nos cursos de ciências biológicas e engenharia agronômica, ela conta que metade de suas 40 horas semanais passa em sala de aula.
“O ideal seriam 12, pois, além da aula, precisamos preparar, fazer pesquisa e projetos de extensão. Estou agora assumindo o Herbário (museu de plantas), e para quem vão as disciplinas que eu não puder assumir? Há áreas em que até o quarto ou quinto lugar estão sendo convocados”, diz.
Mandados de segurança individuais
Enquanto não sai a decisão da Justiça, docentes tentam nomeação por meio de mandados de segurança individuais. É o caso do professor de história Filipe Pinto Monteiro, de 39, que também prestou o concurso de 2018 e se prepara para entrar com a liminar.
Classificado para duas vagas, ele conta que recebeu telefonema da Uemg propondo contrato de temporário de três meses, mas recusou. “Assim como tantos outros que declinaram, entendo que é uma forma de precarização do trabalho docente contra a qual estamos lutando muito”, diz o pesquisador natural de Petrópolis (RJ), classificado em quarto lugar entre cinco aprovados. “Na minha frente, tem apenas um para ser chamado.”
“Há um oceano de temporários em situação precária e concursados aguardando na lista. Inúmeros professores da Uemg fizeram concurso, não passaram e continuam dando aula, com contratos renovados há muito tempo”, diz.
Bolsista de pós-doutorado na Universidade Federal do Pará, Filipe fez concurso para dar aulas no Sul de Minas. “Estou pagando até hoje a dívida para ir a Passos. Foram dois aviões, dois ônibus e muito esforço. Dói muito passar e estar nesta situação”, afirma. “Conheço pessoas de 2014 chamadas para atuar como temporário, em câmpus diferente daquele para o qual prestou concurso”, conta.
Para Filipe, perdem com a situação professores, alunos e a comunidade local, lembrando que a Uemg é uma das universidades mais interiorizadas do país (20 unidades em 16 cidades). “Os gestores públicos não enxergam que, ao fortalecer o corpo docente, você constrói pessoas comprometidas com a universidade. Isso eleva o nível dos cursos de graduação e pós, atrai alunos e essa cadeia ajuda a alavancar a economia das cidades.”
Seplag diz que editais foram cumpridos
Procurada, a Uemg não se posicionou até o fechamento desta edição. A Secretaria de Estado de Planejamento (Seplag) garante que todos os editais de concurso público foram cumpridos, com todos os candidatos classificados dentro do número de vagas previstas em edital já nomeados. Informou, por meio de nota, que todos os docentes aprovados nos concursos de 2018 e 2019 foram nomeados pela atual gestão, a partir de fevereiro do ano passado.
A pasta acrescentou que o Comitê de Orçamento e Finanças vai avaliar a possibilidade de novas nomeações a partir das avaliações da área jurídica do estado. E confirmou a mudança na legislação. “Atualmente, a contratação de docente da Uemg para suprir a demanda necessária nos quadros das unidades acadêmicas tem como base legal o decreto de convocação (nº 48.109/2020), tendo em vista o julgamento de inconstitucionalidade da Lei 10.254, que previa a designação”.