É oficial. O Novo Ensino Médio, previsto na Lei nº 13.415/2017, começará a ser implementado em todas as séries de 1º ano no Brasil a partir do ano que vem. O modelo inédito transforma, quase que completamente, o estilo aplicado até aqui, o que traz apreensão a pais, alunos e gestores educacionais.
Uma grade de formação básica enxuta, o poder de escolha de estudantes sobre os assuntos em que desejam se aprofundar e o aumento da carga horária são pontos que impactarão não apenas o jovem, mas todos os envolvidos na vida dele.
“É uma reforma necessária. O ensino médio vinha, há um tempo, sendo o redentor da educação básica, ou seja, o aluno tinha, ali, três anos apenas para tentar resgatar e aprender o que não conseguiu até então”, lembra.
“Percebemos, depois de mais de 20 anos, que isso não funcionava, não havia redenção alguma. Pelo contrário, era muito mais segregador para quem não aprendeu antes.”
Eny Muniz, diretora acadêmica do grupo educacional Santillana, concorda com Júlio e lembra que a mudança foi fruto de anos de discussão e permitiu uma modernização no currículo escolar. “Essa é uma excelente oportunidade de trazer o que há de novo na educação para o Brasil, olhando muito para o que dá certo no mundo”, pontua. “Os pais podem ficar despreocupados, porque essa discussão vem desde 2014, com o Plano Nacional da Educação, no qual se fez necessário revisar o currículo. Foi quando veio a Base Nacional Comum Curricular (BNCC).”
Para os especialistas, com o currículo enxuto e a oportunidade de oferecer apenas algumas matérias de real interesse para o aluno, aliando teoria e prática, o Novo Ensino Médio não é menos conteudista, mas, sim, mais assertivo.
“Alguns pais podem considerar um atraso, uma perda ou achar que o modelo antigo era mais acadêmico, mas isso não é verdade. É importante ressaltar que, embora possa parecer que o Novo Ensino Médio é menos denso, ele é muito mais adaptado e customizado, vai preencher as necessidades do aluno e ajudá-lo muito mais na formação dele”, ressalta Júlio.
Uma das grandes vantagens apontadas pelos especialistas é que, com o direcionamento da BNCC, os alunos terão a oportunidade de compreender o conhecimento de forma integrada, sem a divisão em caixinhas. “Talvez os pais tenham dificuldade porque a proposta é diferente do modelo de escolas em que viveram, mas está tudo aqui, continua com conteúdo e com conceito”, pontua o doutor. “Nosso adolescente continua tendo acesso à língua portuguesa, matemática, história, filosofia, química, biologia, todo cabedal de disciplinas, mas com um ‘como’ diferente”, frisa a diretora.
O ‘como’ é um dos carros-chefe da proposta: em vez de matérias separadas, os alunos passarão por grandes áreas de conhecimento — linguagens e suas tecnologias; matemáticas; ciências da natureza e ciências humanas e sociais aplicadas — e poderão escolher em quais delas querem se aprofundar.
A formação geral básica, composta por 1,8 mil horas, engloba as disciplinas tradicionais. “Língua portuguesa e matemática fazem parte dessa formação nos três anos. As demais serão estudadas de maneira mais aprofundada ou vistas em grandes projetos junto a outras disciplinas”, detalha Júlio. Assim, pode ser que a escola não ofereça, necessariamente, as disciplinas como matérias separadas, mas ocorrerá uma interdisciplinaridade entre os objetos de conhecimento.
Poder de escolha
A segunda parte do currículo do novo ensino médio é composta pelos itinerários formativos, que são conjuntos de aulas e atividades, oferecidos pela escola, referentes às áreas de conhecimento da BNCC. Dessa forma, o aluno terá mais tempo para se dedicar ao que gosta e ao que pretende fazer no futuro.
“O aluno terá estudado o básico e vai parar e analisar o que quer fazer. Digamos que ele diga que quer ser jornalista, então poderá escolher um itinerário com língua portuguesa, história, arte, entre outros temas”, conta Julio. “Ele não precisa, necessariamente, já saber a profissão que quer, mas ter uma área de interesse, como humanas ou exatas, é um ponto positivo.”
Cada escola poderá oferecer o itinerário formativo que desejar; no entanto, todos são aprovados pelo Conselho de Educação do estado em que a instituição se encontra. Os alunos poderão fazer a mudança de itinerário quando quiserem. Há, ainda, algumas escolas que planejam oferecer, no 1º ano, de maneira obrigatória, itinerários diferentes, para que os estudantes vivenciem todos em um mesmo ano e se decidam sobre qual área seguir.
Para auxiliar os alunos a serem protagonistas do ensino deles, a proposta prevê o Projeto de Vida. O componente curricular oferece a todos os estudantes atividades, testes vocacionais e atendimento especializado para que eles entendam a área de conhecimento que buscam. “É como um GPS, que levará o estudante a algum lugar. O Projeto de Vida sempre vai passar pelo autoconhecimento, para que esse jovem conheça a si mesmo, tenha autocuidado, saiba o que não quer fazer e o que quer, e, assim, fazer escolhas, entendendo que as escolhas terão impacto”, destrincha Eny.
O Projeto de vida será tocado por um tutor, que pode ser um professor da escola ou um pedagogo contratado somente para a atividade. Ele aplicará testes, entrevistas e auxiliará o estudante a encontrar o que ele quer. “Quanto mais ele se conhece, melhores escolhas ele é capaz de fazer. Não apenas sobre os itinerários, mas sobre a vida em si. Por isso, o Novo Ensino Médio é importante.
Ele veio para consolidar e aprofundar conhecimentos necessários para a vida adulta”, frisa a diretora.
Pais e responsáveis também podem auxiliar os filhos na escolha, desde que não influenciem, de maneira autoritária ou emocional, o desejo do aluno. “Pais devem se destradicionalizar e entender que novos caminhos profissionais são válidos e até mesmo desejáveis. O mundo está mudando”, aconselha Júlio. “A gente abandona um pouco as aulas expositivas e passa a ter o aluno participando de experiências educativas. Passa de uma aprendizagem passiva para uma ativa. Prepara os jovens como seres sociais e os ajuda a encontrar o seu espaço, sua voz e sua vez dentro e a partir da escola.”
Uma nova forma
O Colégio Sigma tem se preparado ao longo de 2021 para implementar o Novo Ensino Médio. Além das intensas reuniões com os docentes, a gestão da escola apresentou o novo currículo para pais e alunos. Para 2022, a escola optou por ofertar 75% da carga horária de formação geral básica e 25% para os itinerários formativos, o que totaliza em 22 aulas das disciplinas tradicionais e oito encontros mais aprofundados sobre a área de formação escolhida para o aluno.
Os itinerários serão ofertados pela manhã, na grade curricular normal. No entanto, há a possibilidade de os alunos ampliarem o conjunto de disciplinas com matérias eletivas a serem estudadas no período vespertino. “Se o aluno tiver, por exemplo, fazendo um itinerário de matemática, poderá também fazer algumas matérias dos itinerários de ciências humanas ou da natureza”, detalha o diretor da unidade de Águas Claras, Eli Carlos Guimarães. O estudante poderá, também, mudar de itinerário semestralmente para testar outros e saber qual área quer seguir.
Os itinerários não serão mensurados por notas normais, mas, sim, por menções acompanhadas de observações dos professores sobre o desenvolvimento da habilidade do aluno. “No Sigma, nossa ideia é o aluno participar das oficinas, práticas, discussões e leituras que oferecemos. A ideia é que ele desenvolva projetos e apresente trabalhos, se desenvolva como pessoa e, com isso, não tem como dar nota”, diz.
Para garantir a efetividade do método, Eli conta que a escola apostará no Projeto de Vida para que nenhum aluno se encontre desamparado na hora da decisão. “Temos a convicção de que a possibilidade de escolha é a melhor novidade, mas ele deve ser orientado para a melhor decisão”, frisa.
O colégio tornou o acompanhamento vocacional em uma disciplina curricular, na qual os alunos aprenderão a se conhecer, organizar os estudos, saber do mercado de trabalho, as profissões existentes. “No primeiro ano, estaremos muito focados no autoconhecimento, no aluno se entender como pessoas, quais habilidades e fortalezas tem, o que gosta de fazer e o que não gosta.”