Em agosto completam-se 10 anos que a Lei de Cotas (Lei nº 12.771/12) foi sancionada no Brasil e se tornou obrigatória em toda Instituição Federal de ensino. Neste período, a “cara” das Universidades Federais mudou. De um espaço majoritariamente branco, a negritude começou a ter vez e voz.
E esse fenômeno não é apenas visual. É estatístico. A Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) divulgou um raio-x da entrada dos alunos antes e depois da aplicação da Lei de Cotas.
No primeiro semestre de 2012, ou seja, antes da sanção da Lei, a UFJF tinha 4.791 alunos matriculados. Destes, 1.613 (33,66%) eram cotistas e apenas 393 eram autodeclarados negros, pardos ou indígenas. Um total de 8,2% dos alunos da UFJF.
Dez anos depois, esse número mudou. De acordo com a universidade, dos estudantes que ingressaram, 46,9% são cotistas. Destes, 24,21% são autodeclarados negros, pardos ou indígenas. Ou seja, o número de estudantes negros triplicou no período.
“A política de ações afirmativas visa reduzir as desigualdades, mas é preciso compreender que a acumulação do capital que se deu entre os séculos XVI e XIX, da qual somos herdeiros, foi através da exploração da mão de obra do africano escravizado. Ou seja, a questão não é só econômica, como alguns ainda defendem, mas racial”, explicou o professor Julvan Moreira de Oliveira, diretor de Ações Afirmativas da UFJF.
“Um dos impactos dessa política na Universidade, ao longo do tempo, será uma maior presença, não só de estudantes negros e indígenas, mas também de docentes, de pesquisadores, de novas temáticas nas pesquisas científicas”, completou o diretor.
Na visão de Julvan, apesar do crescimento de estudantes negros na UFJF, esse número está aquém da realidade em Minas Gerais.
“[Esse número] aponta uma inclusão de grupos minoritários tendo acesso à universidade, embora ainda longe de refletir percentualmente esse grupo na sociedade brasileira, pois se temos 24,2% dos estudantes se autodeclarando negros, ou seja, pretos e pardos, esse número está longe dos 53,5% da população negra no estado de Minas Gerais”, refletiu o diretor.
Para o professor, ainda existem muitos desafios pela frente, principalmente por uma característica histórica da cidade. “Juiz de Fora é um exemplo dessa desigualdade, sendo a terceira cidade do Brasil em diferença de renda entre brancos e negros”, ressaltou Julvan.
Cortes orçamentários prejudicam cotistas
Um estudo feito pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) mostrou que, em todo o Brasil, 70% dos estudantes das Universidades Federais têm renda per capita familiar de até 1,5 salário mínimo.
Na UFJF, a maioria dos cotistas também tem essa renda. Por isso, as políticas de assistência estudantil são importantes. No entanto, os seguidos cortes orçamentários praticados pelo Governo Federal levam a uma diminuição nos benefícios concedidos aos alunos.
“[Os cortes] são uma forma de elitizar a Universidade. Não tem como oferecer bolsas, assistência estudantil e experiências acadêmicas. Isso vai deixando a Universidade minguada de sua função social. Só que os cortes prejudicam mais aqueles estudantes que estão em situação mais vulnerável”, explicou a professora Cristina Bezerra, pró-reitora de Assistência Estudantil.
“Para eles é extremamente necessário que a Universidade faça uma política de permanência e de assistência estudantil. Quando os cortes acontecem, essas políticas sofrem uma diminuição”, completou a professora.
A UFJF, atualmente, concede bolsas e benefícios para cerca de sete mil alunos de Graduação e Pós-Graduação. Segundo a pró-reitora, a Universidade evita ao máximo fazer cortes nesta área. “Na UFJF temos feito um grande esforço para que as políticas de ações afirmativas e permanência não sejam afetadas. Mas é importante estar atento que os cortes são preocupantes”, ressaltou Cristina.
Melhorias na política de cotas
Julvan e Cristina, dois professores negros, também refletiram, nesta entrevista para o Estado de Minas, sobre pontos onde a política de cotas pode melhorar.
Para Julvan é necessário fortalecer o processo de fiscalização, para evitar fraudes no sistema. “Alguns aperfeiçoamentos são necessários, especialmente ligados ao trabalho das comissões de heteroidentificação, que verificam a veracidade das autodeclarações, visando garantir que as reservas de vagas sejam garantidas a quem de direito, diante das tentativas de fraudes.
Particularmente eu defendo que as cotas deveriam ser garantidas também para estudantes de famílias pobres que estudam com bolsas em escolas particulares, considerando o recorte atual de 1,5 salário mínimo per capita”, explicou o diretor de Ações Afirmativas da UFJF.
Segundo Julvan, a Universidade Federal de Juiz de Fora criou, em 2022, uma comissão para avaliar a política de cotas dentro da instituição. “Somente com os primeiros relatórios avaliativos dessa implementação poderemos ter dados que nos permitirão avaliar com profundidade os impactos dessa política no ensino superior”, finalizou o professor.
Para Cristina, o aperfeiçoamento deve ser feito longe dos portões da Universidade. É preciso divulgar ainda mais a política de cotas entre os estudantes.
“O principal desafio é um trabalho a ser realizado com os estudantes do ensino médio, pois muitos não têm conhecimento sobre as cotas. Fazer um trabalho junto das escolas públicas sobre as cotas e incentivar os estudantes a colocar no horizonte deles a possibilidade de estudar em uma universidade pública”, finalizou a pró-reitora de Assistência Estudantil.