A retomada das aulas presenciais deixou para trás o ensino remoto para dar espaço a outro tipo de aprendizagem: a híbrida. Bola da vez, está sendo desenhada como grande aposta de um novo modelo de educação, que ainda precisa de regulamentação no Brasil. Mas é preciso cuidado para não limitar a modalidade ao uso de tecnologias pura e simplesmente, sob o risco de se “reempacotar” velhos instrumentos de trabalho com novos termos. O alerta parte de pesquisa de estudiosos brasileiros em colaboração com organismos internacionais, que destaca ainda a necessidade de planejamento, estrutura, formação e apoio a professores para não aumentar ainda mais as desigualdades na educação básica do país.
O relatório “Aprendizagem Híbrida? Orientações para regulamentação e adoção com qualidade, equidade e inclusão” tem como proposta refletir e colaborar com a discussão sobre o tema e pensar sobre “quando” e “como” fazer uso da abordagem híbrida. Ele aponta que quatro dimensões devem ser consideradas. A temporalidade marca o tipo de aula – síncrona (professor interagindo remota e simultaneamente com os alunos) ou assíncrona (aulas e conteúdos gravados para serem acessados posteriormente). A espacialidade tem a ver com o local da aprendizagem. As metodologias remetem às práticas pedagógicas implementadas com o uso da tecnologia para o desenvolvimento de habilidades e competências. A última abordagem joga luz sobre quem fará a mediação do uso da tecnologia.
“Os quatro aspectos podem ter diferentes formas. Defendemos no processo do uso da tecnologia na aprendizagem híbrida a abordagem ‘mão na massa’, ou seja, vivenciar, experimentar, fazer atividades focadas no estudante e permitir que participem de experimentos, projetos e vivências. É o uso da tecnologia em diferentes contextos a serviço do aprendizado”, afirma o diretor-executivo do Dados para um Debate Democrático na Educação (D3e), Antônio Bara Bresolin.
O que preocupa os especialistas, no entanto, é a falta de evidências e avaliação robusta sobre o que funciona ou não, visto que todo dado concreto se apoia num contexto de pandemia. “Ou o impacto é nulo ou muito frágil. Precisamos, a partir de uma definição mais ampla, avaliar para pôr em escala nas escolas públicas”, diz.
Mesmo a experiência internacional se mostra insuficiente. “Em outros países, há falta de evidências robustas sobre educação remota, sendo majoritariamente negativas na educação básica. No Brasil, dadas as desigualdades sociais e regionais, assim como a falta de infraestrutura de conectividade, é perigoso adotar em larga escala políticas que envolvam um componente remoto sem antes testá-las e avaliar seus resultados em um projeto-piloto”, ressalta o texto do relatório.
O documento mostra os exemplos do Uruguai e União Europeia, que têm políticas nacionais robustas, prévias à pandemia. Por lá, a educação contava com estratégias de tecnologias educacionais bem definidas e suporte governamental. Na Austrália, antes da pandemia, também já havia desenho e implementação de estratégias nacionais de fomento a metodologias de ensino e aprendizagem mais “mão na massa”. A China, além da mobilização nacional, adotou estratégias descentralizadas e delegou às escolas decisões para que os educadores pudessem definir as melhores abordagens.
ACESSO Antônio Bresolin reforça que, dependendo de como a educação híbrida é implementada, ela pode aumentar desigualdades, pois pode privilegiar e dar mais condições de uso de tecnologia a estudantes com condição socioeconômica mais favorável. “Sem cuidado, os mais vulneráveis e com menos acesso vão continuar sendo excluídos do uso dessa tecnologia. É preciso olhar para a questão da equidade e prevenir uma precarização”.
A implementação passa ainda pela formação de professores para conhecerem e escolherem as melhores tecnologias de acordo com a proposta pedagógica. “A aprendizagem híbrida deve ser usada para ampliar possibilidades de aprendizado dos estudantes, nunca substituir o professor, que tem papel ativo na mediação do uso das tecnologias. Carga horária das atividades presenciais nas escolas não pode e não deve ser reduzida”, diz.
Outra questão importante tem a ver com o currículo: “A estrutura curricular, o projeto político-pedagógico e objetivos devem estar muito claros para que a tecnologia esteja a favor e não paute o que o estudante vai aprender”. Apesar de iniciativas em curso, a questão ainda não foi regulamentada no Brasil. Para o diretor-executivo do D3e, sem coordenação do governo federal, o risco de as discussões se arrastarem é ainda maior.
O documento é resultado de uma colaboração entre várias organizações: Dados para um Debate Democrático na Educação (D3e); Transformative Learning Technologies Lab (TLTL), da Universidade de Columbia (Estados Unidos); Fundação Telefônica Vivo; e Lemann Center for Entrepreneurship and Educational Innovation in Brazil, da Universidade de Stanford (Estados Unidos).