A fim de evitar a rotatividade que pode advir disso, um processo também oneroso, firmas têm apostado em processos seletivos que vão além da mera entrevista. Teste de integridade, análise de personalidade, etapas digitais e gamificação são algumas das ferramentas adotadas para identificar o perfil dos candidatos, mapear competências e habilidades técnicas e comportamentais e, então, definir quem se encaixa melhor na vaga.
Luiz Wever, presidente da Odgers Berndtson do Brasil, empresa internacional de seleção de executivos, é um entusiasta de novos métodos de busca de pessoal e acredita que eles podem trazer resultados muito positivos. “A empresa que inova em termos de procurar melhores ferramentas ou pessoas para contratação diminui as chances de errar numa área tão sensível. Afinal, um erro de admissão pode gerar meses e meses de reparo”, avalia o administrador pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e especialista em negócios pela Fundação Dom Cabral/Institut Européen d’Administration des Affaires (Insead). Para candidatos em busca de emprego, participar de fases diferenciadas pode ser um desafio. Contudo, o jeito é se adaptar e estar pronto para etapas que fogem do comum.
De acordo com Andréa Medina, especialista em gestão empresarial pela FGV com MBA em liderança colaborativa e docência empresarial pelo BI International, é importante que as organizações estejam abertas para adotar formatos inovadores de processos seletivos, mas sem deixar as modalidades consolidadas de lado.
Para que as técnicas modernas surtam efeito, é preciso adotar alguns cuidados, por exemplo, preparando bem os responsáveis pela execução do processo seletivo. “No caso de um jogo, quem está aplicando ou observando deve estar atento para não expor os participantes ao ridículo ou a condições que vão além do limite”, pondera. “Por exemplo, fazer um cara tímido falar por muito tempo não faz sentido porque ele não é assim e isso vai constrangê-lo. Aquele candidato pode não ter o perfil ideal para determinado cargo, mas ter habilidades fantásticas para outra área”, diz.
TESTE DE INTEGRIDADE Num país em que fraudes e corrupções dominam os noticiários, é de se imaginar que esses problemas não se restrinjam ao cenário político. Falcatruas também sujam o ambiente corporativo e atrapalham o crescimento de empresas. Para evitar problemas decorrentes de desonestidade, há companhias que aplicam testes de integridade durante o processo seletivo.
Tecnologia a favor do RH
Em tempos em que a internet se integra cada vez mais à vida pessoal e profissional das pessoas, por que não usar a web para melhorar e agilizar processos seletivos? Foi no que apostou a WIZ, antiga PAR Corretora, que passou a adotar recrutamento e seleção quase totalmente digitais, concentrados na matriz, em Brasília. Desde a mudança, em 2016, a plataforma de triagem foi usada para escolher, com sucesso, 160 empregados de diversas áreas. A divulgação (em redes sociais) e a interação com candidatos são feitas pela internet. As únicas etapas presenciais são as do fim do processo. O objetivo da empresa, que tem mais de 1.700 funcionários em todas as unidades da Federação e figura na lista das 35 melhores empresas para se trabalhar no Centro-Oeste (Great Place to Work), é ganhar agilidade e efetividade. “O processo seletivo, que antigamente levava semanas para ocorrer, hoje pode ser feito em um dia, dependendo da disponibilidade do participante”, aponta Marcela Dario El-moor, de 34 anos, diretora de Gente e Gestão da WIZ.
“Conseguimos reduzir em 60% a rotatividade na empresa nos meses de teste. Agora, gastamos 40% menos de tempo fechando vagas do que gastávamos antes”, comemora a administradora. A partir de uma base de dados, os analistas de RH da empresa fazem a triagem de currículos e análise quantitativa.
Segundo Marcela, o formato trouxe muitos benefícios e ainda proporciona comodidade aos candidatos. “Fizemos uma pesquisa de satisfação com quem usou a plataforma e 98% aprovaram o formato”, afirma ela, que tem MBA em gestão de pessoas pela FGV. A conclusão é de que a modalidade on-line ajuda a preencher os postos com assertividade mais rapidamente. “Isso potencializa o alcance das vagas, pois consigo fazer buscas mais assertivas. Se a firma quer, por exemplo, alguém de 25 a 30 anos e que more perto do local de trabalho, é possível achar.”
JOGOS PRESENCIAIS Você entra em uma sala ambientada na Guerra Fria e, lá dentro, junto de um time, terá de desvendar um plano soviético para o desenvolvimento de uma arma superpoderosa. Os participantes recebem pistas em áudio e são monitorados por câmeras. Apenas as equipes que descobrirem o esquema poderão sair da sala e o objetivo é deixar o espaço antes do limite de tempo, de meia hora ou uma hora.
Gêneros como aventura, terror, suspense e investigação, com diversos níveis de dificuldade, dominam as atividades. Comunicação, trabalho em equipe, iniciativa, gestão de tempo, administração de conflitos, liderança, persuasão, resiliência, controle emocional, raciocínio lógico, planejamento e organização são as 12 competências avaliadas em parceria com a Crinova, consultoria de soluções estratégicas. Após o game, os presentes preenchem o teste de análise comportamental Disc. No fim, um relatório completo é entregue à instituição que recrutará os candidatos.
“O documento é baseado em uma avaliação psicológica, associada ao registro de eventos comportamentais e à própria observação do monitor”, afirma Igor Barros, consultor organizacional da Crinova. O trunfo é o fator surpresa, pois força o candidato a revelar a verdadeira identidade. “As entrevistas convencionais fazem com que as pessoas se preparem bem para fazê-las e, muitas vezes, o relato não representa o que elas são realmente. Quando colocamos os candidatos em situações que os tiram da zona de conforto, demonstram toda essa parte de comportamento que, muitas vezes, não é perceptível apenas em conversa”, comenta Igor Barros, psicólogo pela UnB. “O indivíduo pode até chegar disposto a ajudar todos e ganhar pontos em trabalho em equipe, mas, assim que entra na sala de interação, se apresenta da forma que realmente é”, afirma Wagner Tomaz, diretor de Operações do 60 Minutos Escape Game.
COMPORTAMENTO A ideia de oferecer esse serviço surgiu quando ele e três sócios notaram que os games não servem só para entretenimento. “Percebemos que as pessoas mudavam de comportamento de um jogo para outro com grupos diferentes. Por exemplo, alguém agia de modo mais reservado com a família, mas, com os colegas, tomava a frente das decisões”, conta. Igor Barros pondera, no entanto, que os resultados do processo devem ser analisados com cuidado, pois não são suficientes para rotular o que uma pessoa é: o jogo apenas ajuda a apontar pontos fortes e fracos demonstrados no desafio.
“Vamos supor que o candidato bateu o carro naquele dia ou brigou com o cônjuge e veio fazer a seleção. É natural que não se concentre tão bem ali. Então, não posso tachá-lo como desconcentrado ou desinteressado”, observa. “A gente faz com que as pessoas esqueçam o mundo externo para ser o mais naturais possível. Nós, avaliadores, conseguimos ter um grau de percepção melhor delas naquele momento”, conclui. Renata Gadelha de Sá, de 35, consultora de recursos humanos da consultoria Dynargie, conheceu o método, chamado de Escape Analisys, e gostou do que viu. “O retorno vale a pena”, diz. “O jogo traz para nós, de maneira mais clara e assertiva, o que a pessoa tem para oferecer e o que pode ser melhorado. Não é só olhar o que é bom, mas também o que não é tão legal e que pode ser trabalhado a partir de feedback.”
* Estagiária sob supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa
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