Jornal Estado de Minas

Nômades

Pode trabalhar no exterior? Se a resposta for sim, prepare o currículo e boa viagem



A possibilidade de mudar de cidades, ou trabalhar em outros países, conhecendo novas culturas e obtendo benefícios oferecidos pelas empresas criou o profissional nômade, aquele que está disponível para enfrentar desafios sem preocupações geográficas. As novas tecnologias também permitem que o indivíduo possa trabalhar quando e onde achar melhor.



O nômade é que aquele profissional que não trabalha necessariamente onde reside, explica Ana Cherubina, professora, mentora de carreira e coordenadora da Fundação Getulio Vargas (FGV). “São aqueles que se dispõem a mudar e com isso aumentar as perspectivas de crescimento profissional.” Algumas empresas oferecem auxílio-moradia, geralmente por períodos que não ultrapassam os dois anos, um 14º salário, escolas de melhor qualidade para os filhos, cidades com melhor infraestrutura. Por outro lado, algumas pessoas buscam qualidade de vida, nem sempre em grandes centros. Fogem da violência urbana, ou dos desgastes com deslocamentos longos e demorados. “São diferentes dos home office, aqueles que trabalham à distância”, sugere a professora.

Empresas de grande porte, com atendimento nacional ou global, faz do deslocamento de seus colaboradores um ponto positivo que pode levar ao crescimento profissional. A gerente regional de Gente e Gestão da Ambev em Minas Gerais, Mariana Holanda, diz que companhia busca pessoas que tenham disponibilidade de mobilidade, mas não é um fator determinante para contratação ou para evolução na carreira, “uma vez que levamos em conta também o conhecimento e as questões pessoais”, pondera. “Não adianta forçar um perfil se é importante para aquele indivíduo estar próxima da família ou de amigos.”

A empresa abre as portas também para quem já está inserido no mercado. Porém, uma das portas de entrada muito valorizada é o estágio. “É a forma de criar um profissional já na cultura e perfil da empresa e desde cedo vamos trabalhando questões como a mobilidade e suas consequências. Temos vagas específicas que necessitam desse perfil, entretanto não determina o crescimento. Em alguns casos, a falta de mobilidade pode atrasar um pouco o processo de avanços profissionais, mas não são determinantes, para tanto é necessário que haja equilíbrio”, conclui.



TABU QUEBRADO Segundo a gerente regional da Ambev, a questão “mobilidade” gerou um tabu na empresa que agora vem sendo quebrado. “Achava-se que era necessário ter 100% de mobilidade para alguma chance de crescimento. Entretanto há áreas específicas que nem sempre necessitam desse perfil”, pontua. Porém considera inegável que as mudanças de setores e de regiões favorecem o crescimento pessoal do trabalhador.

Mariana Holanda cita seu próprio exemplo. Começou no Rio de Janeiro como estagiária, formou-se no programa de trainee e sua capacitação passou por São Paulo e Bauru, retornou ao Rio de Janeiro e está há dois anos em Belo Horizonte como gerente regional: “Sou psicóloga, trabalhei na área comercial, ligada à venda de refrigerantes e da mesma forma temos pessoas formadas em turismo, engenharia, administração trabalhando em áreas que não são de sua formação. “Criamos profissionais para o mundo e são as pessoas que determinam seus próprios limites”, conclui.

 

Disponíveis para a estrada 

 

 

Bruno Laures, de 27 anos, é gerente da Ambev em Camaçari, na Bahia. Desde os 18 já não morava mais com a família, em Campinas, São Paulo. Sempre imaginou agregar sua carreira de engenheiro de produção à possibilidade de conhecer outras cidades e vivenciar novas culturas. A oportunidade veio quando se candidatou a uma vaga de trainee industrial na empresa em agosto de 2014. Passou os primeiros seis meses em treinamento rotativo nas áreas de vendas, corporativas e engenharia. Ficou por seis meses em Recife, capital de Pernambuco, e foi transferido para Sete Lagoas, na Região Central de Minas, onde permaneceu por dois anos. Trabalhou como supervisor de uma das linhas de cerveja em lata e posteriormente como engenheiro de produção de outras duas linhas de garrafas até que em julho de 2017 surgiu a oportunidade. Mudou-se para a Bahia onde trabalha como engenheiro de produção.



A dica, segundo Bruno Laures, é ter cabeça aberta, estar disponível para assimilar novas culturas e novos hábitos e enfrentar diferentes realidades: “A adaptação vem com o tempo, como engenheiro de produção trabalhamos em ambientes e com tecnologias diversas. Em Minas, a fábrica tinha em torno de oito anos, na Bahia, mais de 50. São realidades, estruturas e tecnologias diferentes que acabam influenciando nas funções. Em Minas era gestor de 60 pessoas, na Bahia são 250 pessoas, com 21 líderes”.

O trabalho de Bruno é basicamente organizar agenda e fazê-la acontecer, acompanhar as rotinas, treinar e cobrar resultados. Ele participa de reuniões de apresentação de indicadores, pilares de avaliação, monitora e apoia áreas que apresentam dificuldades.

OPORTUNIDADES A engenheira Paula Mundim não pensou duas vezes quando surgiu a oportunidade de se tornar gerente-regional da construtora AP Ponto, em Uberlândia. Ela começou como estagiária em outra empresa do grupo, passou a auxiliar de engenharia, engenheira e coordenadora de setores de obras, projetos e orçamentos. “Não tinha mais como crescer na matriz, foi quando surgiu a oportunidade de gerente regional. Tudo o que eu queria, não importava onde seria”, lembra.



Casada, a família não a acompanhou. O marido, que vive na capital, reveza os fins de semana com ela entre BH e a cidade do triângulo. “É uma questão de adaptação”, define. Em Uberlândia há mais de dois anos, Paula sonha em subir mais um degrau. A empresa estuda a abertura de nova sede regional. O local ainda não está definido, mas Paula já se dispõe a mudar.

Trabalho com qualidade de vida


Unir trabalho com qualidade de vida foi a opção que fez o empresário José Maria de Souza Filho, Juca, ao mudar por completo seu ramo de negócios. A busca por um trabalho que não exigisse um escritório ou um ponto e horários fixos levou-o ao mercado financeiro e ao e-commerce (lojas virtuais). Em sociedade com um de seus três filhos, José Maria viu sua vida se transformar. “Não tenho a mesma renda de antes, mas moro com meus filhos em uma casa com quintal, tenho cachorro e tempo para me dedicar a tudo isso e ainda trabalhar, até mesmo no meio da noite.”

O e-commerce permite vender de tudo sem a preocupação de movimentação física, como embalar ou despachar. As consultas chegam a qualquer momento e ele responde de qualquer lugar. O mesmo ocorre com as movimentações financeiras na bolsa de valores: “Posso estar no meio do mato e ainda assim trabalhar com apenas um computador, se houver sinal, é claro”, brinca.



Juca começou como comerciante, em 1979, aos 17 anos, quando abriu seu primeiro negócio de assistência técnica de eletroeletrônicos de uma marca nacional, em Conselheiro Lafaiete, na Região Central de Minas. Três anos depois comprou uma loja em Belo Horizonte. Em 2003 agregou o comércio em seus negócios. “O Código de Defesa do Consumidor causou grande revolução nas indústrias. As empresas passaram a acumular produtos com defeitos e não sabiam como dar um destino a esses estoques”, revela. Como já trabalhava com manutenção, José Maria decidiu comprar um lote desses produtos (um montante de sete mil eletrônicos e eletrodomésticos), consertá-los e revendê-los a preços mais acessíveis. Eram equipamentos saídos de fábrica e que necessitavam de pequenos reparos. Alugou um galpão e passou a negociar com várias marcas. “Hoje, isso é conhecido como saldão.”

CRESCIMENTO A parte comercial cresceu mais que a assistência técnica e então abriu uma loja com oito funcionários. “Cheguei a ter 20 colaboradores na assistência técnica, mas o comércio ficou mais forte. A receita era 10 vezes maior”. Mas passou enfrentar muitos problemas, com burocracia, impostos, segurança, legislação e resolveu mudar.

“Já operava um pouco com bolsa de valores e fui me consolidando nesse ramo. Meu filho que é da área de TI domina bem as tecnologias, sugeriu o e-commerce e passamos a investir nesses dois ramos. Hoje, trabalho muito menos, com menos preocupações, tenho tempo livre, faço meu horário e trabalho de onde quiser e puder.” O faturamento é bem menor que nos outros ramos. “Mas não há preço para se ter uma vida tranquila e poder me dedicar às coisas que me dão prazer e à minha família”, sentencia.



Juca conta que tentou trabalhar com o e-commerce no ano 2000, quando esse mercado estava surgindo. Mas era uma área ainda insegura, sem legislação específica que desse segurança ao investidor e ao comprador. Hoje, reconhece Juca, a confiabilidade é muito maior, com mecanismos mais eficientes de proteção ao crédito, de garantia de recebimento do produto adquirido e no que se refere à solução de problemas em decorrência da transação. “De 2010 para cá foi marcante a evolução do processo tecnológico que vem marcando a transição para esse tipo de comércio.”