Capacidade de aprendizagem e produtividade. Há mercado para profissionais acima dos 50 anos. A oferta, neste momento de transição (país envelhecendo), é maior do que a demanda, mas como toda mudança é preciso tempo para ajustes e acomodação. Lara Castro, diretora da Rhumo Consultoria, mestre em administração e professora da Fundação Getulio Vargas (FGV), afirma que o mercado já contrata há alguns anos profissionais seniores. “Hoje, as empresas buscam, sim, talentos, que não têm idade. Dos 50 aos 25. A pessoa não perde talento porque adquire idade, não perde a capacidade de aprendizagem e conhecimento.”
Sem falar, destaca Lara Castro, do ganho para o empregador ao reter em seu quadro de colaboradores profissionais não só com experiência, mas com vivência nas suas funções. Há, ainda, a riqueza de novos papéis que esses funcionários podem adquirir, que é o de treinar os jovens, capacitá-los.
Lara Castro lembra que, nessa primeira fase de adaptação do mercado de trabalho, há segmentos que absorvem mais a mão de obra acima dos 50 anos. “Com o Brasil em crise na década de 1990, o setor da construção estava parado. Ao aquecer, ao perceber o número grande de jovens profissionais contratados, com o boom do crescimento de volta, as empresas precisaram da experiência e foram atrás de quem poderia gerenciar obras grandes, assumir construções e fazer intervenções de porte.”
O argumento de que os mais velhos custam mais caro já caiu por terra. Lara Castro enfatiza que depende do profissional, da sua trajetória, dos anseios. Há um grupo, por exemplo, de “quem se aposentou, e retornar ao mercado significa aceitar um salário menor para complementar a renda. O ganho já não é a maior prioridade porque a maioria tem reservas. Esse profissional não está na fase de construção da carreira, mas de consolidação, quer desfrutar do trabalho. Nesse momento, a percepção do trabalho é mais prazerosa, não é de obrigação ou dor (não que antes tenha sido!). É a busca da autoestima, o resgate da convivência e dos sonhos”. Ela avista que, para o trabalhador maduro, o recebimento não é só financeiro, mas social e de relacionamento.
NOVO CONCEITO Por outro lado, Lara Castro reconhece que ainda há preconceito empresarial diante do profissional sênior. A mudança ocorre lentamente, para cargos pontuais e específicos. Por isso, o empregador também está em processo de transformação de comportamento e tem “de aprender, enfrentar e criar um novo conceito. O momento é de transição. Não existe um final e não temos como quantificar em qual parte estamos.”
Outra questão apontada por Lara Castro é de responsabilidade dos jovens: cabe a eles aprenderem a lidar com os velhos. A interação, aliás, o convívio com a diversidade deve ser abraçado por todas as gerações: “Aos seniores, como na letra da música Resposta, do Skank, ‘Digo que eu sou /O antigo do que vai adiante’”.
Claro, para tudo há um preço. Benefícios e cobranças. O mercado está acordando e sabe o que pode ganhar com o profissional mais velho. Agora, esse trabalhador tem de estar preparado e entregar o que é necessário para se manter na ativa: “Ele também tem de saber que, ainda que sejam absorvidos em todas as áreas, existem setores que exigem conhecimentos técnicos que fazem a diferença. Por isso, há segmentos que vão deter um perfil de colaborador em que a experiência é característica fundamental (como a engenharia e a grande gestão que precisa de quem tem quilômetro rodado!), o que é diferente do setor de startup, TI, desenvolvimento de games, em que prevalece um público mais jovem. No entanto, tudo é muito particular”.
"Hoje, as empresas buscam, sim, talentos que não têm idade. Dos 50 aos 25. A pessoa não perde talento porque adquire idade, não perde capacidade de aprendizagem e conhecimento"
Lara Castro, diretora da Rhumo Consultoria
PROCESSO RÁPIDO
Pessoa idosa e Previdência Social: demografia, mercado de trabalho e proteção social/Brasília, outubro de 2017*
- O Brasil passa por um processo de envelhecimento populacional muito rápido e intenso
- A Europa demorou 50 anos (1950 a 2000) para passar do patamar de 11% para 20% da população com 60 anos ou mais
- A América Latina e o Caribe terão trajetória semelhante em 25 anos (2015 a 2040 – de 11% para 21%)
- O Brasil está nesse processo e demoraria cerca de 20 anos (2015 a 2035 – 11% para 21%) tanto pelas projeções da ONU como pela projeção do IBGE (2013 a 2033)
Aspectos do mercado de trabalho de pessoas com 60 anos e mais Pessoas ocupadas de 60 anos e mais por idade e sexo-2015:
- Do total de 7,7 milhões de pessoas idosas ocupadas, 4,2 milhões são aposentados/as, isto é, cerca de 23,9% das pessoas idosas aposentadas exercem alguma ocupação.
Pessoas ocupadas de 60 anos e mais por posição na ocupação – 2015
1 – Conta própria 40%
2 – Trabalhador na produção para o próprio consumo 16%
3 – Carteira de trabalho assinada 13,5%
4 – Sem carteira de trabalho assinada 8,2%
5 – Empregador 6,4%
* Fonte: IBGE/PNAD-2015
Visão estragégica
Presente em 157 países e com mais de 223 mil funcionários prestadores de serviço nas áreas de auditoria e asseguração, consultoria tributária e societária e consultoria de negócios e assessoria em transações, no Brasil, a PwC é exemplo de organização com visão global e estratégica. A empresa acaba de criar o programa de contratação de profissionais com mais de 50 anos, o “Sênior Citizens”. Erika Braga, diretora de RH da PwC Brasil, explica que a ideia do projeto nasceu há cinco anos a partir de estudo de megatendências de naturezas diversas que vão impactar não só o negócio, mas o mundo. “A mudança demográfica e social, em todas as regiões do planeta, exceto a África, vai envelhecer. No Brasil não é diferente, já temos 47 milhões de pessoas, mais ou menos um quarto da população, acima dos 50 anos.”
O Brasil está envelhecendo, é uma realidade, e o mercado de trabalho tem de absorver a mão de obra sênior que está disposta e apta a continuar atuando. Conforme Erika Braga, essa mudança na faixa etária da mão de obra disponível é uma oportunidade. “Nós vemos a organização disputando talentos. É estratégico. Percebemos que há uma mão de obra talentosa sendo desperdiçada, um mercado não explorado, e queremos fazer parte, estar inseridos, porque é o que diferencia a PwC, e está alinhado com o nosso propósito, que é como resolver problemas.”
Se num primeiro momento o “Sênior Citizens” contemplou apenas uma área, a de consultoria tributária, Erika Braga garante que o programa vai abarcar todos os setores da organização. “As ações de atrações vão atingir todas as áreas da PwC Brasil para sairmos na frente da concorrência. E esses profissionais acima de 50 anos podem ou não estar em cargos de liderança. O propósito é ser flexível e alocá-lo no melhor local tanto para eles quanto para a empresa.”
Além da competência, conhecimento e potencial técnico, Erika Braga chama a atenção para outras expertises e vantagens desse público, em especial: “Ele tem mais equilíbrio emocional, é supercomprometido, trabalha de maneira engajada e exerce uma liderança natural. Ele faz o papel de mentor. Sem falar que esse profissional ganha em autoestima. Já contratamos cinco em fevereiro e o sexto se junta a nós ainda neste mês”. Vale registrar que nessa primeira ação foram 60 candidatos, 20 finalistas e seis selecionados.
DIVERSIDADE Outra meta do programa da PwC Brasil é atender à diversidade, que é importante para a empresa. “É nossa identidade. Nossos profissionais têm viés consciente de aceitar a diversidade de gerações, conviver com as diferenças de forma complementar. Esse posicionamento fica claro durante o processo de seleção e todos que contratamos sabem dos valores que se adequam aos da PwC. Portanto, a adaptação é tranquila, não há atritos ou ruídos”, destaca a diretora de RH. O segredo dessa harmonia, avisa Erika Braga, é falar sobre, ser transparente, mostrar a beleza de todas as diferenças, seja da idade, do pensamento e da formação.
Para Erika Braga, de maneira geral, inserir o profissional acima de 50 anos no mercado depende “de uma mudança cultural importante, que leva tempo, não é fácil. No caso da PwC Brasil, vemos como nossa responsabilidade corporativa. É uma realidade, há mão de obra qualificada e tê-la no mercado só nos traz vantagens. Há desafios, mas como outros quaisquer. Eles são avaliados pela performance como todo profissional e, no início, nossa preocupação e cuidado na hora da integração é acompanhá-los de perto. Temos um coach para cada um deles para correção de rumo, quando necessário”.
SONHO REALIZADO O administrador de empresa José Gaspar, de 52 anos, técnico de operações da PwC Brasil, teve assinada a carteira de trabalho pela primeira vez. “Nunca trabalhei com carteira assinada, sempre fui empreendedor. Mas desde os 17 sonhava em trabalhar em uma organização global. Mas a vida me levou para outro caminho, casei-me cedo, nasceram os filhos e, quando dei por mim, o sonho estava lá atrás. Sempre quis fazer parte de uma grande corporação, tanto que meus três filhos trabalham em multinacionais. Acho que, até então, vivi meu sonho por meio deles.”
Há dois meses José Gaspar vivencia o seu sonho. E ele garante que a realidade é tão perfeita como imaginou: “O ganho financeiro é importante, mas conquistar o trabalho almejado desde adolescente é melhor. Sinto-me valorizado, enfim, estou feliz”.
Como esperado, não pensem que foi fácil. José Gaspar conta que, com os filhos encaminhados, viu que tinha chegado a sua hora. Ele revela que a crise também o impulsionou a buscar novamente o seu sonho. Como sempre foi empreendedor, ele tinha uma loja de perfumaria e cosmético que não resistiu à recessão. Distribuiu vários currículos e foi quando constatou (até então não imaginava o quanto complicado era) o funil para ter uma oportunidade. “Não tive resposta de ninguém. Vi que há diferença entre teoria e prática, que o mercado é fechado e não tinha vivenciado isso. Até que vi a vaga, a oportunidade da PwC Brasil, uma iniciativa bacana e me candidatei. Ao me deparar com tantos candidatos na minha faixa etária foi chocante. No fim, passei no processo seletivo, consegui.”
Hoje, José Gaspar se divide entre a vida de corretor de imóveis meio horário e a PwC Brasil. “Apesar do pouco tempo, me dou bem com todos na empresa. Como fui empregador, tenho facilidade em lidar com pessoas, independentemente da idade, e sei que aprendemos com todos. É impossível o sonho de muitos em ter aos 18 anos a bagagem dos 52. A experiência é só com a vivência. No Brasil, tudo anda tão desgostoso, é difícil pensar em mudança radical de cenário. Mas incentivo todos a batalhar pelo que desejam, de forma ética e honesta, porque colhemos o que plantamos.”
Capital intelectual atualizado
A percepção no mercado nacional é que existe a tendência de colocação ou recolocação de profissionais acima dos 50 anos. David Braga, presidente, board advisor e headhunter da Prime Talent, desenha um cenário que justifica essa transformação no cenário. Para ele, os jovens profissionais, que nunca tinham enfrentado uma crise e estavam na liderança de empresas e de gestão de pessoas, não apresentaram repertório para lidar com a recessão. Muitos entraram em aflição, angústia, não sabiam lidar com as demissões. “Daí o mercado acordou e viu a necessidade de ter no quadro profissionais acima dos 50 anos, já tarimbados, com momentos turbulentos e complicados, e, principalmente, com maturidade emocional, não só de idade. São colaboradores que não entram no jogo corporativo, têm astúcia para criar relacionamentos e estabelecer conexões. Eles são fundamentais, e não só na crise.”
David Braga alerta que não é por ter mais de 50 anos que falta a esse profissional conhecimento técnico, comportamental e do setor. No entanto, o especialista avisa que cabe a esse candidato entregar o que requisita o mercado. Ou seja, ele necessita de “vigor, energia, manter-se atualizado com conhecimento, tecnologia e com as boas práticas do mercado, que significam, gestão de pessoas, processos e projetos”. Para ele, como em qualquer faixa etária, a seleção é minuciosa. Portanto, se o profissional for obsoleto, em qualquer idade estará fora. Não terá chance alguma.
INTERINO Do lado do empregador, David Braga alerta que a organização “tem de ter abertura mental para começar de forma estratégica essa reinserção ou trazer profissionais que migrem de outra empresa pensando no conhecimento acumulado. Cabe às empresas contemplar essa composição de times com a mescla de gerações que é enriquecedora. De um lado, o sênior com a experiência; a vivência; do outro, o jovem com a agilidade e a versatilidade. É mais inteligente adotar esse posicionamento e para todas as áreas”.
No entanto, na visão de David Braga, o espaço de vagas para profissionais acima dos 50 anos é maior para quem é interino, autônomo, ou seja, contratados por períodos ou projetos. Mas o fundamental é que todos com seu capital intelectual “se mantenham atualizados e com empenho, intensidade, são as palavras-chave.”