Jornal Estado de Minas

Carreira

Habilidades interpessoais podem substituir a educação formal no trabalho do futuro?

(foto: geralt/Pixabay)


Cada vez mais, as empresas mudam drasticamente a forma como recrutam e contratam profissionais. Elas concentram esforços maiores e estão mais abertas para decifrar candidatos que se destacam pelas habilidades interpessoais, ou seja, as soft skills. A graduação formal em grandes universidades, pós-graduação ou MBA sempre vão ser cobradas, mas a capacidade subjetiva, atributos pessoais de difícil identificação e diretamente relacionados à inteligência emocional, são qualidades comportamentais valiosas dentro das organizações.



As empresas do futuro (e as atuais com visão) tenderão a valorizar aspectos como o traquejo que o candidato tem nos meios digitais, a receptividade e a disposição em lidar com desafios diferentes e a facilidade em aprender fazendo.

A transformação, que assusta muitos, é que os empregadores passaram a entender que o mais valioso em um profissional não são os cursos que ele fez ou os diplomas que adquiriu, mas as habilidades comportamentais, as soft skills. Habilidades relevantes para o cargo e para a cultura de toda empresa.
 
A questão é: se, de um lado, as empresas reduzem as exigências relacionadas à graduação, de outro, elas buscam identificar competências técnicas, comportamentais e analíticas que a vaga exige. E, uma vez contratados, os novos colaboradores são submetidos a treinamentos direcionados a complementar gaps de conhecimento prático.



Na realidade, essa mudança de direção não é uma novidade. O novo é que mais e mais empresas passam a adotar tal comportamento. O Google, por exemplo, foi uma das corporações pioneiras a aderir a essa tendência de recrutamento. Ou seja, não se exige graduação para vagas efetivas desde que o candidato tenha experiência prática na função. Na Stone, um dos unicórnios brasileiros, é a mesma coisa, e na PwC também, sendo que todas elas operam consistentes programas de desenvolvimento de profissionais.



Daniela Libâneo, gerente executiva da Afferolab, empresa de soluções digitais para aprendizagem e de treinamento presencial e blended para empresas, com mais de 20 anos de mercado, explica que há vários estudos importantes sendo feitos sobre as soft skills mais determinantes na hora da contratação. “Gosto do parecer do Fórum Econômico Mundial, que ressalta alguns comportamentos determinantes aos profissionais do futuro, hoje. Afinal, estamos em plena Era da Transformação Digital. Não podemos pensar que tais soft skills são para empresas do futuro. Eles são necessários justamente para impulsionar as organizações para a potencialização de necessidades que se apresentam já no mundo. São eles: inteligência emocional, pensamento analítico e inovador, criatividade, originalidade, iniciativa, pensamento crítico, capacidade de resolução de problemas complexos e skills de liderança e de influência social.” 

No mercado do futuro (para muitos analistas, exigências já cobradas atualmente!), há uma lista de habilidades que terão de ser comuns a todos os profissionais. Daniela Libâneo destaca que “as soft skills que já mencionei, seguramente, já são desejáveis. Além do mindset digital, que inclui a atuação por meio de metodologias ágeis, pensamento em rede, colaborativo, atuação conectada às tecnologias exponenciais ao mesmo tempo que com valores humanitários”.

Áreas com mais demandas no futuro


Nunca é fácil dizer para os jovens de hoje qual graduação devem escolher para que, dentro de pouco tempo, não tenham de lidar com uma profissão obsoleta, ou mesmo, extinta. Como lidar com a velocidade da tecnologia e demandas que surgem como num passe de mágica?

Para Daniela Libâneo, entre os cargos mais demandados até 2022 estarão, no lado da tecnologia, os especialistas em comércio eletrônico e mídias sociais, cientistas de dados, desenvolvedores de softwares, especialistas em inteligência artificial (IA), machine learning, big data, analistas de segurança e engenheiros em blockchain. “No outro lado estarão as áreas cujas habilidades humanas serão evidenciadas, como aquelas relacionadas ao atendimento direto ao público e áreas relacionadas à aprendizagem, como treinamento e desenvolvimento.”



O caminho para desenvolver as habilidades interpessoais não é dos mais fáceis. Daniela Libâneo aponta o autoconhecimento como fundamental, mas avisa que existem, atualmente, várias possibilidades para o seu desenvolvimento, entre assessments, coach, psicoterapia, além de empresas de consultoria, como a Afferolab, que desenvolvem soluções educacionais que podem potencializá-lo. “Contudo, aprimorar a comunicação, a empatia, a escuta ativa e a visão sistêmica são outros skills fundamentais para o desenvolvimento das habilidades interpessoais e que também são potencializados em ações para aprendizagem.”

Também é fundamental para esse novo profissional, conforme Daniela Libâneo, o equilíbrio técnico e emocional para a progressão na carreira. “Um não sobrevive sem o outro. Por isso, o conceito de lifelong learning (aprender por toda a vida) deve ser levado a sério. Estar pronto para aprender, sempre, curioso em relação aos conhecimentos técnicos para sua atuação, mas também em relação a si mesmo e ao mundo. De certa forma, o T-shaped professional, aquele capaz de expandir seus conhecimentos para diversas direções relevantes e, ao mesmo tempo, aprofundá-los para a execução imediata de sua atividade, é o que as empresas conectadas com a transformação digital desejam.”


Fazer ou não uma graduação?


Daniela Libâneo alerta que a graduação permanece importante para o profissional, ainda que muitos a questionem e até mesmo a descartem. “Entendo que não se pode afirmar que a graduação não será importante no futuro, de maneira generalista. Temos que ser cuidadosos com essa afirmação. Contudo, é inegável que, muitas vezes, a distância entre a academia e o dito 'mundo real' afasta os jovens, e os valores das novas gerações os impulsionam para resolução de problemas globais nos quais governos e instituições privadas não estão atuando como deveriam. Então, eles vão fundar startups, buscar financiamentos coletivos, criar e aprender com tecnologias exponenciais para solucionar os problemas da humanidade. Conheço muitos desses meninos e meninas que abandonaram a faculdade (ou nem começaram) e buscaram inúmeras outras fontes de aprendizagem. Eles têm o entendimento genuíno de que ação/reflexão/ação, lifelong learning é que os levarão aonde querem. Sem essa de 'só prática'. São estudiosos e profundos no que lhes interessa.”



Para Daniela Libâneo, com a mudança de posicionamento do mercado, a educação, a formação acadêmica, também precisa mudar. “Acredito que pouco a pouco vai se adaptando. Tem que se adaptar. Meus filhos nunca tinham ouvido falar de startups ou empreendedorismo social no colégio até o ano passado. Hoje, as escolas oferecem incubadoras ao lado de aulas de robótica, teatro, música, biotecnologia, sustentabilidade, ecologia. Contudo, essa é a realidade de escolas particulares. O problema da educação brasileira é muito mais embaixo. Enquanto tivermos a desvalorização da escola pública como temos, esses jovens que estão fazendo a diferença como empreendedores e agentes de mudança continuarão sendo casos de exceção nesse Brasil enorme. Quanto às formações acadêmicas... ficam como assunto para uma próxima conversa. Há muito que ser feito.”

Capacidade de adaptação e agilidade para reagir às mudanças


Carla Costa, gerente de desenvolvimento organizacional e de recrutamento e seleção da Boehringer Ingelheim, afirma que a empresa valoriza muito as soft skills na hora de contratar. “Somos movidos pelas nossas pessoas e para elas investimos em um ambiente diversificado, colaborativo e aberto, tratando uns aos outros com respeito, confiança e empatia. Em nossas contratações, consideramos que os atributos pessoais são tão ou mais importantes quanto as capacidades técnicas na rotina de trabalho. As entrevistas baseiam-se na seleção por competências, considerando os comportamentos essenciais para consolidar o presente e construir o futuro. Buscamos profissionais com alinhamento ao propósito de levar mais saúde às pessoas e aos animais, além de paixão por desafios e por atuar por meio da colaboração. Outro skill essencial é a capacidade de adaptação e agilidade para reagir às constantes mudanças do mercado e da sociedade.”

Para Carla Costa, gerente de desenvolvimento organizacional e recrutamento e seleção da Boehringer Ingelheim, valorizar as soft skills sustenta um ambiente de alta performance, criatividade e inovação (foto: Arquivo Pessoal)
Para Carla Costa, há muitos benefícios na valorização das soft skills. “Acreditamos que cada indivíduo traz consigo um potencial único de contribuição, para além das habilidades técnicas. Nesse sentido, buscamos por profissionais que possam criar relações saudáveis e contribuir para o ambiente e para a cultura por meio de skills, como abertura ao diálogo, à diversidade de ideias e pensamentos e capacidade de adaptação e aprendizado. Valorizando comportamentos como esses, sustentamos um ambiente de alta performance, criatividade e inovação, com vistas ao nosso propósito.” 

Carla Costa, assim como Daniela Libâneo, ressalta que o amplo papel que as soft skills têm ganhado na hora da seleção de profissionais não significa que a formação técnica perdeu espaço. “A capacidade técnica de um candidato também é importante, mas não é tudo, pois pode ser complementada pela diversidade do time e pela habilidade de aprender rápido. Temos exemplos de profissionais que fizeram transições de carreira bem-sucedidas, sem ter os skills técnicos tradicionais para a posição. Particularmente, sinto-me orgulhosa em trabalhar numa empresa que oferece essas oportunidades e poder experimentar o que isso significa. Sou jornalista por formação, trabalhei por 10 anos na área de comunicação corporativa e, na Boehringer, tive a oportunidade e a confiança da empresa de assumir uma área de recursos humanos sem a experiência de uma carreira tradicional em RH.”



Como contratar com base na soft skills


Conforme Carla Costa, todas as áreas devem considerar a contratação com base em soft skills. “Elas são essenciais para a sustentar a performance e o crescimento do profissional. Por outro lado, é preciso ponderar quais áreas exigem claramente um conhecimento técnico à função, garantindo complementaridade de skills técnicos e softs na diversidade do time.” 

Para que não haja um gap técnico, com eventuais falhas de aprendizado técnico dos colaboradores, Carla Costa revela que, no caso da Boehringer Ingelheim, acredita-se que todo indivíduo é capaz de aprender e se desenvolver e valorizam-se aqueles que apresentam agilidade na adaptação a novos cenários e colocam-se como protagonistas do seu desenvolvimento. “Para suportar esse crescimento, não somente em relação a skills técnicos, mas também competências comportamentais, temos uma plataforma que se baseia na teoria de que 70% do aprendizado ocorre a partir dos desafios do próprio trabalho. Nesse contexto, é essencial o constante feedback, a exposição a projetos desafiadores cross-funcionais e job rotation, por exemplo. Outros 20% constroem-se por meio do aprendizado social. Por isso, oferecemos o mentoring, coaching, feedback 360 graus e oportunidades de networking interno. Os 10% que completam o aprendizado vêm de cursos técnicos. Além de treinamentos de estagiários para liderança, facilitamos e incentivamos a atualização em cursos técnicos, de pós-graduação, de extensão e de línguas.”

Necessidades que as organizações procuram nos profissionais:

– Inteligência emocional
– Pensamento analítico e inovador
– Criatividade
– Originalidade
– Iniciativa
– Pensamento crítico
– Capacidade de resolução de problemas complexos
– Skills de liderança e de influência social

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