A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou, em 17 de janeiro, o pedido brasileiro para o uso emergencial das vacinas CoronaVac, produzida pelo laboratório chinês Sinovac, e AstraZeneca, desenvolvida pela Universidade de Oxford.
Apesar de ainda não se saber ao certo quando a maior parcela da população terá acesso aos imunizantes, os debates sobre a obrigatoriedade de tomá-los já vêm à tona e, com eles, uma grande questão: as empresas podem obrigar seus funcionários a se vacinarem?
Apesar da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que decidiu que a União, estados e municípios podem determinar a vacinação obrigatória sob penas de multa e restrições à circulação - porém, não a vacinação forçada –, "até o momento, não há decisão concreta nesse sentido. Tudo vai depender da posição governamental em relação à obrigatoriedade e da produção suficiente de vacinas para oferecer a toda a população", explica José Carlos Wahle, sócio da área trabalhista do Veirano Advogados.
"À medida que outros grupos forem incluídos, as instituições podem realizar campanhas e ações para recomendar a imunização. Conscientizar os colaboradores é essencial para manter um ambiente de trabalho seguro", afirma Naiane Ribeiro.
Confira alguns esclarecimentos sobre a vacinação
• As empresas podem obrigar os funcionários a se vacinarem?
Segundo José Carlos Wahle, não há uma resposta uniforme e a resposta depende de eventos futuros. Na opinião do advogado, a decisão depende da existência de uma norma emitida pelo poder público.
"Há um conflito de interesse público e direitos individuais, como a inviolabilidade do corpo, por exemplo. É uma questão de saúde pública, que me parece estar fora do âmbito de decisão da empresa. O Supremo Tribunal Federal já decidiu que o governo pode determinar a vacinação obrigatória. O governo federal não me parece favorável à obrigatoriedade da vacina, mas, caso os estados optem por seguir por este caminho, a decisão poderá ser validada", explica.
"Há um conflito de interesse público e direitos individuais, como a inviolabilidade do corpo, por exemplo. É uma questão de saúde pública, que me parece estar fora do âmbito de decisão da empresa. O Supremo Tribunal Federal já decidiu que o governo pode determinar a vacinação obrigatória. O governo federal não me parece favorável à obrigatoriedade da vacina, mas, caso os estados optem por seguir por este caminho, a decisão poderá ser validada", explica.
Segundo Wahle, os empregadores na área de saúde terão maior poder argumentativo para exigir dos seus empregados que cumpram a obrigatoriedade porventura determinada pelo governo, porque têm sua responsabilidade pela proteção à saúde dos seus empregados aumentada em razão da natureza da atividade.
Nesses casos, enquanto não houver uma ordem governamental e a vacinação estiver apenas no âmbito das políticas do empregador, dois caminhos serão possíveis: afastá-lo ou demiti-lo sem justa causa em benefício da coletividade de empegados, ou, se houver possibilidade razoável de isolamento ou distanciamento, ao menos exigir um termo de responsabilidade pela sua decisão de não se vacinar.
Nesses casos, enquanto não houver uma ordem governamental e a vacinação estiver apenas no âmbito das políticas do empregador, dois caminhos serão possíveis: afastá-lo ou demiti-lo sem justa causa em benefício da coletividade de empegados, ou, se houver possibilidade razoável de isolamento ou distanciamento, ao menos exigir um termo de responsabilidade pela sua decisão de não se vacinar.
• Conforme os funcionários forem sendo vacinados, as empresas podem exigir o retorno imediato? É seguro?
Para Wahle, a vacinação não exime as pessoas de cumprirem outros procedimentos de segurança, como continuar usando máscara, seguir rotinas de sanitização, evitar aglomerações e manter o ambiente ventilado. "Todos os protocolos que as empresas devem cumprir para garantir um funcionamento seguro, permanecem com a vacina. É apenas uma camada extra de proteção, que não exclui as demais. Precisamos lembrar que tudo tem sido feito de forma emergencial, à medida do que é possível. O mais recomendado é que, as empresas que puderem, mantenham o trabalho remoto ou híbrido", afirma.
Já de acordo com Naiane Ribeiro, o retorno às atividades não está vinculado à extensão da população vacinada, mas a critérios relacionados ao controle de casos na região, reserva de serviço de saúde e presença de comorbidades.
A infectologista reforça que as orientações de manutenção das medidas de distanciamento e proteção seguem mantidas, independentemente do status vacinal. "O imunizante apresenta alta chance de redução de complicações mas, eventualmente, pode não evitar a infecção em si. Então, a transmissão do vírus ainda será possível", diz.
A infectologista reforça que as orientações de manutenção das medidas de distanciamento e proteção seguem mantidas, independentemente do status vacinal. "O imunizante apresenta alta chance de redução de complicações mas, eventualmente, pode não evitar a infecção em si. Então, a transmissão do vírus ainda será possível", diz.
• Se um funcionário se negar a tomar a vacina, pode ser demitido por justa causa?
Em um cenário de obrigatoriedade da vacina, também deve haver a regulamentação das exceções, ou seja, uma descrição de casos para os quais, por alguma condição médica ou comorbidade, o imunizante se torna desaconselhado. Se o empregado se enquadrar em alguma das exceções, a recusa será legítima. Mas, se a motivação for particular, nada o impede de entrar na Justiça com uma liminar que a justifique.
Neste caso, as empresas que não são de serviços essenciais, que podem funcionar remotamente, não podem punir as pessoas, já que o trabalho remoto é viável. Se não for uma opção, a escalada de punições é possível. "Primeiro, pode advertir, depois, suspender. No limite, havendo uma resistência, pode sim haver uma justa causa", diz Wahle.
Neste caso, as empresas que não são de serviços essenciais, que podem funcionar remotamente, não podem punir as pessoas, já que o trabalho remoto é viável. Se não for uma opção, a escalada de punições é possível. "Primeiro, pode advertir, depois, suspender. No limite, havendo uma resistência, pode sim haver uma justa causa", diz Wahle.
Caso não haja a obrigatoriedade, há a possibilidade de a empresa demitir sem justa causa, alegando a preservação da saúde de outros colaboradores. Neste caso, a medida não é punitiva, já que o profissional será indenizado. Também não se enquadra em ato discriminatório, porque há uma motivação justa e legítima.
• Se houver um surto de COVID-19 dentro da empresa, o trabalhador que contrair o vírus pode ser indenizado? Como pode provar que contraiu no ambiente de trabalho?
De acordo com Wahle, é difícil conseguir provar, de modo concreto, a contração do vírus em um local determinado. "Não é possível garantir. Estes casos serão julgados com base em probabilidades. A empresa que enfrentar este tipo de processo precisa demonstrar que fez tudo o que foi possível para minimizar riscos de infecção no ambiente de trabalho", explica.
Existe uma outra questão, relacionada ao contágio em transportes públicos. Se o contágio do profissional ocorrer por conta da necessidade de deslocamento, pode haver a interpretação do caso como acidente de percurso. No entanto, desde a reforma trabalhista, a modalidade não se enquadra mais como acidente de trabalho. Depende da interpretação de cada juiz, portanto, pode ser uma questão bastante complexa e circunstancial.
• Caso os funcionários não se vacinem, como a empresa se certifica de que está oferecendo um ambiente de trabalho seguro? Os profissionais precisam ser testados?
O advogado afirma que as empresas precisam tomar cuidado para conduzir os dados de seus colaboradores. Com a LGPD, a coleta das informações de quem é ou não vacinado, por exemplo, exige cuidados. É permitida a coleta de dados necessários para cumprir obrigações legais, mas apenas na medida exata da necessidade.
Então, as empresas têm que tomar algumas precauções no âmbito da medicina ocupacional. "O serviço médico deve continuar monitorando sintomas e pode aplicar questionários de vacinação, se desejar. Assim, podem ter um controle e estabelecer que quem não se vacinou, trabalhe de casa, por exemplo."
Então, as empresas têm que tomar algumas precauções no âmbito da medicina ocupacional. "O serviço médico deve continuar monitorando sintomas e pode aplicar questionários de vacinação, se desejar. Assim, podem ter um controle e estabelecer que quem não se vacinou, trabalhe de casa, por exemplo."
A médica Naiane Ribeiro relembra que a Organização Mundial da Saúde (OMS) disponibilizou um manual com sugestões de adaptações do ambiente de trabalho, visando à redução do contágio.
"Em paralelo às recomendações, equipes podem ser designadas para monitorar a aplicação destas medidas, bem como reforçar práticas seguras, como o uso de máscaras, a redução da circulação de pessoas etc. Caso o colaborador não seja capaz de cooperar com as medidas, a troca para um setor de menor contato pessoal ou o início do home office podem ser opções viáveis", diz a médica.
"Em paralelo às recomendações, equipes podem ser designadas para monitorar a aplicação destas medidas, bem como reforçar práticas seguras, como o uso de máscaras, a redução da circulação de pessoas etc. Caso o colaborador não seja capaz de cooperar com as medidas, a troca para um setor de menor contato pessoal ou o início do home office podem ser opções viáveis", diz a médica.
• É recomendado algum tipo de mobilização empresarial, como campanha de vacinação, para conscientizar os funcionários?
Segundo a Lei 13.979, que regulamenta as medidas de combate à pandemia, as empresas têm o dever de promover campanhas de conscientização e orientação aos seus empregados. Portanto, ainda que o governo não torne a vacinação obrigatória, as empresas podem e devem inclui-la nos seus materiais informativos, facilitando, apoiando e promovendo a imunização.
Wahle explica que houve alguns casos curiosos de incentivo ao redor do mundo. "Ativistas norte-americanos oferecem maconha legalizada a quem se vacinar. Já algumas empresas optam por algo mais convencional e oferecem o pagamento de bônus. As ações estão indo para além da ordem informativa."
Wahle explica que houve alguns casos curiosos de incentivo ao redor do mundo. "Ativistas norte-americanos oferecem maconha legalizada a quem se vacinar. Já algumas empresas optam por algo mais convencional e oferecem o pagamento de bônus. As ações estão indo para além da ordem informativa."
• Há a possibilidade de haver punições, mesmo que indiretas, para quem não se vacinar, como a proibição de viajar e frequentar determinados estabelecimentos, por exemplo?
Entre a vacina obrigatória e a facultativa, existe uma terceira modalidade: a facultativa com obstáculos. A empresa precisa tentar acomodar seus colaboradores. Se o problema for uma viagem de negócios internacional, por exemplo, deve procurar outro profissional que esteja vacinado e, portanto, apto a viajar.
Vai depender da peculiaridade de cada negócio e dos níveis de riscos de contaminação. "Caso a empresa perceba que a recusa de tomar a vacina está impossibilitando o colaborador de exercer suas funções, poderá demitir, mas justa causa, já que não foi motivada por falta grave, mas por impedimentos governamentais", diz o advogado, que acrescenta "a justa causa pressupõe o descumprimento de um dever, legal ou contratual, de forma grave".
Vai depender da peculiaridade de cada negócio e dos níveis de riscos de contaminação. "Caso a empresa perceba que a recusa de tomar a vacina está impossibilitando o colaborador de exercer suas funções, poderá demitir, mas justa causa, já que não foi motivada por falta grave, mas por impedimentos governamentais", diz o advogado, que acrescenta "a justa causa pressupõe o descumprimento de um dever, legal ou contratual, de forma grave".