Em 11 de setembro, ao se completarem 10 anos do maior ataque terrorista da história, quando dois aviões, sequestrados por extremistas da Al-Qaeda, se chocaram – e fizeram ruir, como se fossem de barro – contra as torres gêmeas do World Trade Center (WTC), no coração de Nova York, os nomes das vítimas estarão gravados num memorial que será inaugurado no lugar onde se deu a tragédia. Entre eles, os de quatro brasileiros que quis o destino estivessem nos prédios na hora dos ataques: os paulistas Ivan Kyrillos Fairbanks Barbosa, de 30 anos, e Anne Marie Sallerin Ferreira, de 29 anos, o capixaba Nilton Albuquerque Fernão Cunha, e a mineira Sandra Fajardo Smith, que na época tinha 37 anos.
Nascida em Belo Horizonte, em 1964, Sandra Fajardo, quando estava com 25 anos, optou, como milhares de outros jovens de todas as partes do mundo, em tentar viver o sonho americano. Nos Estados Unidos, num primeiro momento, trabalhou como garçonete, em alguns restaurantes da Ilha de Manhattan, nos quais fez muitos amigos. Concentrada e ciente do que queria alcançar, em seguida – com as economias guardadas – conseguiu cursar ciências econômicas. No dia 11 de setembro, quando o voo 11 da American Airlines se chocou, às 8h46, entre os andares 93 e 99, Sandra Fajardo Smith, que já havia se casado – e era divorciada de um americano, com o qual não teve filhos –, estava no 98º andar da Torre Norte do World Trade Center, onde trabalhava numa corretora de seguros, a Marsh & McLennan.
Consta que seus pais, Antônio Fajardo Filho e Selma Tavares Fajardo, tomaram conhecimento do ataque às torres, como milhões de outras pessoas, pela televisão. Além de Sandra, que quando morreu estava havia 13 anos nos Estados Unidos, onde já havia conseguido o visto de permanência, o casal teve dois outros filhos, Cláudia e Fernando. A missa de sétimo dia em sua intenção, que levou cerca de 250 pessoas à Igreja de Lourdes, em BH, foi celebrada em 18 de setembro de 2001, pelo padre Márcio Silva.
Ameaça de bomba
Em situações paralelas, que em nada se comparam à dor vivida pelos Fajardos, nem com a dos familiares das demais vítimas, três outros mineiros, com os quais o Estado de Minas conversou, estavam em Nova York ou nas imediações, em 11 de setembro de 2001, quando aconteceu a matança. Cada um deles testemunhou, a seu modo, aquela data fatídica, como o engenheiro José Augusto Figueiredo, de 58 anos, e seu irmão, Arnaldo Melo Figueiredo Júnior, que se encontravam em NY para uma reunião de negócios. Nascido em Belo Horizonte, onde vive, ele conta que, quando soube dos ataques, pela televisão, estava num quarto de hotel, na Rua 46, se preparando para sair. “Liguei a televisão para saber sobre o tempo e, de repente, interrompendo a programação normal, entrou uma chamada da CBN, mostrando fumaça saindo de um prédio. Em um primeiro momento, pensei em incêndio, mas quando vi um avião se chocando com outro edifício, ao lado, me dei conta que se tratava de ataque terrorista”, diz.
Nos minutos seguintes, para ver o que estava acontecendo, José Augusto e o irmão resolveram dar uma volta no quarteirão. Viram uma multidão nas ruas, todo mundo atônito, sem entender nada. Muitas pessoas choravam. “Algum tempo depois, quando tentamos voltar ao hotel, tudo estava isolado, com polícia por todo lado, e não nos deixaram entrar, pois havia uma ameaça de bomba nas imediações. Quase fui agredido por um soldado, que estava muito nervoso. Sem alternativa, como todo mundo vinha fazendo, seguimos para o Central Park, por ser uma área aberta”, conta o engenheiro.
A reunião, àquela altura, já estava cancelada. Todo o comércio havia fechado as portas, e o caos tinha tomado conta da cidade, onde ninguém conseguia comprar nada, nem uma garrafa de água mineral. José Augusto e Arnaldo só conseguiram retornar ao Brasil quatro dias depois, quando os aeroportos foram reabertos. “Percebi, ali em Nova York, que alguma coisa, definitiva, havia acontecido, e que o mundo, depois daquele episódio, já não seria o mesmo”, diz José Augusto, 10 anos depois, ao se recordar.
Olho por olho
Mineiro de Guanhães, no Vale do Rio Doce, Ivan Iedo da Silva, de 39 anos, se lembra que no dia dos atentados estava trabalhando no acabamento de uma casa no Sul de Nova Jersey, a 40 minutos de Nova York, quando ouviu um grito da dona do imóvel. Como se encontrava no segundo piso, desceu correndo as escadas, para ver o que havia acontecido. Ao chegar à sala, onde a televisão ficava ligada, a senhora continuava aos berros, dizendo que a América tinha sido atacada e que todos iriam morrer. Nos momentos seguintes, sem querer acreditar, ele viu quando o outro avião, de repente, se chocou com a segunda torre, explodindo tudo. “Algum tempo depois, ainda sem conseguir conter o choro, a mulher disse que podíamos ir embora, pois aquilo era uma guerra. Ainda não eram 10h, e só conseguimos chegar em casa às 4h da tarde, num trajeto que fazíamos em pouco mais de 30 minutos”, se lembra.
Ainda de acordo com Ivan Iedo, que há três anos voltou a viver em Guanhães, onde é dono de uma loja de conveniência, a Lan do Ivan, tudo estava um caos. A polícia havia fechado todas as rotas, e todo mundo estava desesperado, com as rádios só falando no ataque, os radialistas pedindo vingança, dizendo que tinha de ser olho por olho, dente por dente, e que os americanos precisavam revidar. “O único barulho que se ouvia, apesar daquela bagunça, era o ruído dos caças, cruzando os céus. Eu também fiquei muito revoltado, porque aquilo foi uma covardia. Sempre fui bem tratado nos Estados Unidos, apesar de ser ilegal. Mas, depois daquele dia, comecei a querer voltar para casa”, diz Iedo. Casado com Keila Amorim, também nascida em Guanhães, o único filho do casal, Kayk, de 7 anos, nasceu nos Estados Unidos.
Já Ieda Pimenta Sette, mineira de São João Evangelista, também no Vale do Rio Doce, se recorda que, naquela data, ela e seu marido, Geraldo Sette, estavam fazendo a limpeza de um apartamento, no nono andar, na cidade de Edgewater, na margem oposta da Ilha de Manhattan, quando viram fumaça saindo do topo de um prédio em Nova York. Logo em seguida, notaram mais fumaça, no prédio ao lado. “Paramos um pouco para ver o que estava acontecendo e, de repente, só ouvimos um grito da dona da casa, que estava na sala, com a televisão ligada. Fomos olhar o que era e quase não acreditamos quando vimos aquela cena toda: o outro avião se chocando com a torre, as pessoas pulando, uma tristeza.”
Logo em seguida, se recorda Ieda Sette, que há três anos voltou a viver no Brasil, os moradores do prédio começaram a subir para o último andar, de onde se tinha uma vista melhor de Nova York, que fica a poucos quilômetro de onde estavam, na margem esquerda do Rio Hudson. Todo mundo estava chorando, alguns à beira da histeria, ainda sem saber direito o que tinha acontecido. “Quando terminamos nosso trabalho e estávamos voltando para casa, algumas horas depois, o que mais me marcou, e disso nunca vou me esquecer, foi o silêncio, profundo, que começou a pairar em meio àquele caos, apesar da loucura do trânsito”, diz Ieda. Talvez um silêncio bastante parecido com o que, a partir daquele dia, também foi se instalando no coração de Antônio Fajardo Filho. Para ele a morte da filha Sandra – embora 10 anos já tenham se passado – ainda é um fato muito recente, sobre o qual não consegue falar.