Em 13 de maio de 1888, a princesa Isabel (1846-1921) assinou o documento que oficialmente acabou com o regime de escravidão que perdurou por 300 anos no Brasil. A Lei Áurea entrou para a história e passou a ser reconhecida pelos brasileiros como a responsável pela libertação da população escrava do país. Essa ainda é a versão ensinada na maioria das escolas e universidades, mas revisões e pesquisas conduzidas nos últimos anos revelaram que um movimento nacional, gradativo, e com grande contribuição de Minas Gerais, antecipou e até mesmo forçou a queda da escravidão oficial no Brasil.
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Um dos pontos importantes para entender os bastidores da sociedade brasileira durante o Império é a compreensão da representatividade dos escravos dentro da população do Brasil na época. Na primeira metade do século 18, o total das pessoas escravas correspondia a 50% dos habitantes. No começo de 1888, quando a Lei Áurea foi assinada pela princesa Isabel, essa mesma população não representava mais que 10% das pessoas escravas no Brasil.
As leis do Ventre Livre, promulgada em 1871 para garantir a liberdade aos filhos de mulheres escravizadas a partir daquele momento, e a dos Sexagenários, instituída em 1885 para libertar escravizados com mais de 65 anos, tiveram contribuições tímidas nesse processo. A primeira, devido ao curto período que a separava do 13 de maio de 1888. A outra, na prática também teve pouco impacto na redução numérica de escravos pelo fato de poucos conseguirem atingir essa idade.
O historiador Eduardo França, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), dedicou parte de sua vida acadêmica estudando o período pré-abolição. O resultado de seu trabalho mostra que a história de liberdade no Brasil foi, na verdade, escrita por escravos que alcançaram sua libertação. A alforria, para a maioria dos negros, foi uma árdua conquista e não um presente. “Esse processo de libertação é longo, rico e complexo”, afirma.
Nele, segundo o historiador, Minas Gerais foi fundamental. “Além de ter a maior população geral, a maior população escrava e a maior população de libertos, foi uma sociedade que se urbanizou muito profundamente no século 18”, explica França. Em 1780, havia cerca de 310 mil moradores em Minas, sendo 110 mil escravos, outros 100 mil ex-escravos, e 100 mil nascidos livres, entre brancos e não brancos. Ou seja, dois terços da população era formada por escravos e ex-escravos.
E foi nesse cenário urbano das vilas e arraiais de Minas Gerais que homens e mulheres escravas se inseriram na economia e iniciaram a história de liberdade de gerações, muito antes do gesto da princesa Isabel oficializar o fim do regime. “Eles desenvolviam diversas atividades, desde o pequeno comércio, à mineração do ouro em pó, aos serviços de limpeza, à prostituição. Com isso, eles acumularam pecúlios. Tudo isso se revertia em bens com os quais eles pagavam as alforrias”, detalha o historiador.
Os estudos conduzidos pelo historiador mostram que a abolição oficial da escravidão no Brasil, na realidade, acabou com um regime que vinha perdendo força há anos e estava completamente deteriorado. E um dos motivos do declínio foi justamente a maneira que os próprios escravos desenvolveram para alcançar a liberdade.
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Um dos pontos importantes para entender os bastidores da sociedade brasileira durante o Império é a compreensão da representatividade dos escravos dentro da população do Brasil na época. Na primeira metade do século 18, o total das pessoas escravas correspondia a 50% dos habitantes. No começo de 1888, quando a Lei Áurea foi assinada pela princesa Isabel, essa mesma população não representava mais que 10% das pessoas escravas no Brasil.
As leis do Ventre Livre, promulgada em 1871 para garantir a liberdade aos filhos de mulheres escravizadas a partir daquele momento, e a dos Sexagenários, instituída em 1885 para libertar escravizados com mais de 65 anos, tiveram contribuições tímidas nesse processo. A primeira, devido ao curto período que a separava do 13 de maio de 1888. A outra, na prática também teve pouco impacto na redução numérica de escravos pelo fato de poucos conseguirem atingir essa idade.
O historiador Eduardo França, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), dedicou parte de sua vida acadêmica estudando o período pré-abolição. O resultado de seu trabalho mostra que a história de liberdade no Brasil foi, na verdade, escrita por escravos que alcançaram sua libertação. A alforria, para a maioria dos negros, foi uma árdua conquista e não um presente. “Esse processo de libertação é longo, rico e complexo”, afirma.
Nele, segundo o historiador, Minas Gerais foi fundamental. “Além de ter a maior população geral, a maior população escrava e a maior população de libertos, foi uma sociedade que se urbanizou muito profundamente no século 18”, explica França. Em 1780, havia cerca de 310 mil moradores em Minas, sendo 110 mil escravos, outros 100 mil ex-escravos, e 100 mil nascidos livres, entre brancos e não brancos. Ou seja, dois terços da população era formada por escravos e ex-escravos.
E foi nesse cenário urbano das vilas e arraiais de Minas Gerais que homens e mulheres escravas se inseriram na economia e iniciaram a história de liberdade de gerações, muito antes do gesto da princesa Isabel oficializar o fim do regime. “Eles desenvolviam diversas atividades, desde o pequeno comércio, à mineração do ouro em pó, aos serviços de limpeza, à prostituição. Com isso, eles acumularam pecúlios. Tudo isso se revertia em bens com os quais eles pagavam as alforrias”, detalha o historiador.
Crediário da alforria
As formas de pagamento aos donos de escravos também eram variadas. Além do acerto em dinheiro ou ouro em pó, os acordos de libertação envolviam a entrega de animais. As negociações incluíam ainda um sistema que se assemelha a um crediário de liberdade, com pagamentos parcelados. “Geralmente as pessoas nem sonham que existia isso, mas foi muito frequente esse crediário da alforria. O pagamento era feito à prestação, que era chamado de quartação”, explica França.Os estudos conduzidos pelo historiador mostram que a abolição oficial da escravidão no Brasil, na realidade, acabou com um regime que vinha perdendo força há anos e estava completamente deteriorado. E um dos motivos do declínio foi justamente a maneira que os próprios escravos desenvolveram para alcançar a liberdade.
Poder feminino
Em todo esse processo de transformação pré-Lei Áurea, as mulheres foram fundamentais no processo de liberdade do regime escravista. Segundo a pesquisa conduzida pelo historiador da UFMG, entre a população escrava no Brasil Império a proporção era de dois a três homens para cada mulher. Entre os alforriados era o inverso. “Isso indica como essas mulheres ex-escravas, sejam africanas, filhas de africanas nascidas no Brasil, mulatas ou pardas, foram importantes no processo inicial de liberdade”, explica França.O destaque feminino na população liberta daquela época é atribuída às formas desenvolvidas pelas mulheres negras de se inserir na economia. “Elas dominaram, por exemplo, o pequeno comércio de alimentos na rua. Com o pecúlio acumulado dessas atividades, pagavam pela alforria”, comenta o historiador. Segundo ele, era comum, inclusive, que as mulheres alforriadas comprassem a liberdade dos maridos.