Brasília – Cento e trinta anos se passaram desde a abolição da escravidão e continua a haver no Brasil relações raciais desequilibradas, com negros condenados à exclusão social. Depois da libertação, poucas medidas para inserir a população negra na sociedade foram implementadas. Logo, essa parcela da população ficou condenada a uma realidade socioeconômica que perpetuou a escravidão com uma roupagem diferente: a desigualdade social. A abolição da escravidão, no entanto, foi o desfecho de um processo longo. Antes da promulgação da Lei Áurea, no domingo de 13 de maio de 1888, outras três normas começaram a dificultar e a encarecer a manutenção do trabalho escravo no país.
Os anos que mais tiveram resgate são 2003, 2007 e 2008. Todos com mais de 5 mil trabalhadores resgatados. Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), foram libertados no Brasil no ano passado 540 pessoas em situação de trabalho escravo. As unidades da Federação que mais registraram casos são Mato Grosso (90), Minas (86) e Pará (73), segundo o coordenador da campanha contra o trabalho escravo na CPT, Xavier Plassat. O setor com mais ocorrências foi a pecuária, seguido de lavouras temporárias (entressafra), lavouras permanentes e o extrativismo vegetal.
A Comissão Pastoral da Terra, de acordo com Xavier Plassat, chega aos números com base nos resultados oficiais do Ministério do Trabalho, do Ministério Público Federal e de resgates realizados pela CPT e por outras organizações de ativismo. O governo, por sua vez, só notifica as operações que foram realizadas com um auditor de fiscalização oficial. Para Plassat, o trabalho escravo contemporâneo não ocorre por acaso, mas como o resultado de uma discriminação histórica estrutural. Ele critica a falta de políticas públicas para reinserir os negros na população no período após a Lei de Abolição à Escravatura. “Não é porque teve a abolição, que a vida do negro mudou no Brasil. O Estado não criou condições para que os trabalhadores vulneráveis tivessem acesso às terras ou ao mínimo de recurso para terem uma vida digna. Os trabalhadores continuam trabalhando nas mesmas condições, mas sem ter o nome ‘escravo’ nas costas.”
PREVENÇÃO Questionado sobre a falta de campanhas de conscientização sobre o trabalho escravo contemporâneo, Plassat ressalta que faltam recursos financeiros para investir nessas ações, por causa de cortes no orçamento. “Houve um tempo que tentavam fazer a prevenção, mas não adianta. O problema central é a vulnerabilidade da classe, que não tem acesso à qualificação, à educação e à liberdade profissional para ter autonomia e entender o que vai topar fazer.”
O combate ao trabalho escravo é feito por grupos móveis desde 1995, quando o Brasil assumiu a existência dessa exploração. Contudo, o número de fiscais é o menor em 20 anos. Atualmente, 2.350 fazem o combate. O quadro já chegou a 3,6 mil. Um estudo de 2015, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), sugere como ideal o total de 8 mil servidores no setor. “Há uma carência generalizada na inspeção do trabalho. Nossa ideia é ter cada vez mais ações preventivas do que repressivas como é hoje. O resgate da dignidade humana é o mais importante. Isso muda a vida de uma pessoa”, explica Maurício Krepsky Fagundes, chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo do Ministério do Trabalho.
A igualdade racial no mercado de trabalho ainda é subdesenvolvida no país. “A inserção, a preparação e a ascensão do negro é excludente e exercitada todos os dias. Nossa função é monitorar e exigir oportunidades iguais. Isso deve fazer parte do projeto de governo para o país. Tratar o negro como minoria é uma violência”, critica Jacira da Silva, militante do Movimento Unificado Negro.