Reconquistar a confiança nele próprio, restaurar o nome perante a sociedade, conseguir o perdão da sogra, o amor do filho, voltar a praticar o futebol que tanto ama e ser novamente um exemplo para os jovens. Esses são desejos revelados pelo ex-goleiro do Flamengo, Bruno Fernandes, condenado a 22 anos de prisão pelo sumiço e assassinato da ex-amante Eliza Samudio, ao também goleiro Fábio, do Cruzeiro. O encontro dos dois foi numa sala reservada da Penitenciária Nelson Hungria, na Grande BH. O pastor Jorge Linhares, da Igreja Batista Getsêmani, levou Fábio ao presídio atendendo a pedido de Bruno, que teria conhecido o templo na juventude e sabia que hoje ele é frequentado pelo goleiro do clube celeste e a mulher dele, que é pastora.
Bruno, ex-Atlético, Corinthians e Flamengo, e Fábio, que já foram adversários em campo, abraçaram-se e se emocionaram. O preso ouviu atentamente as palavras do colega de profissão e aprendeu com ele “que é mais fácil reconstruir o nome perante Deus do que diante da sociedade, que Deus perdoa o homem que se arrepende, mas o ser humano não esquece jamais”. “Não fomos lá passar a mão na cabeça do Bruno, mas dar uma força a ele. É justificável que a sociedade não o perdoe. Foi um crime que abalou a nação”, disse o pastor. Eliza desapareceu em julho de 2010, depois de uma estada no sítio de Bruno, em Esmeraldas.
Mais do que voltar a jogar futebol, o maior sonho de Bruno, segundo o pastor, é conviver e ser amigo do filho Bruninho (hoje com 4 anos), que teve com Elisa Samudio. “Quer ser o pai que nunca foi, quando sair da prisão, ser amigo do filho. Ele disse que já conquistou a confiança em Deus e reconhece o erro. Sabe que tinha um mundo colorido, mas que deu um pulo no escuro. Era o capitão do Flamengo, com uma das maiores torcidas do mundo, e tinha a possibilidade de ser contratado pelo Milan (Itália)”, disse o pastor.
O encontro dos atletas, o pastor, um sobrinho do religioso e a mulher de Fábio durou 40 minutos, vigiados por cinco agentes penitenciários. Bruno chegou de botinas e com as mãos calejadas, “em carne viva”, segundo Jorge Linhares, de tanto trabalhar com a enxada na horta. “Fora isso, o único exercício físico que faz é levantamento de peso. Hoje, tenho notado um outro Bruno. A prisão quebra o homem. E o homem inteligente aprende com os erros. O homem sábio aprende com os erros alheios. Bruno teve que aprender com os seus próprios erros”, contou o religioso.
Feministas
Bruno sabe que há um movimento feminista em Montes Claros, Norte de Minas, contrário à sua ida para defender o time que tem o mesmo nome da cidade, na Segunda Divisão estadual, com o qual assinou contrato de cinco anos. “Ele tem consciência que essa marca negativa vai persegui-lo pelo resto da vida. Em qualquer lugar vai encontrar pessoas que vão apoiá-lo e outras que vão atirar pedras. Mas, está disposto a provar que aquilo foi uma fatalidade”, disse Jorge Linhares. Fábio, segundo o pastor, teria aconselhado Bruno a não se envolver com más companhias e o presenteou com uma Bíblia. “Os dois se abraçaram e choraram. Eu me afastei para deixá-los à vontade”, contou.
A relação de Bruno com outros presos é amistosa, segundo o religioso, mas mesmo assim foi também aconselhado por Fábio e o pastor de que a liberdade está nas mãos dele. “Bruno foi um menino pobre, que ganhou muito dinheiro e não estava preparado para o sucesso. Ele se envolveu com más companhias”, disse Jorge Linhares, para quem Fábio é um exemplo a ser seguido por Bruno. “São dois caminhos diferentes, um da perdição e outro do acerto. Dois goleiros, frequentando a mesma igreja, mas um seguiu o caminho do bem e o outro o do mal. Tiveram as mesmas lições, a mesma situação financeira e duas escolhas diferentes”, comparou Linhares.
Enquanto não consegue a liberdade, Bruno acompanha o futebol pela TV aberta, segundo o pastor, e sonha com o futuro do filho, que acredita ter o esporte no sangue.
CONFRONTOS EM CAMPO
Fábio e Bruno foram adversários em campo por cinco temporadas consecutivas, de 2005 a 2009. Os primeiros quatro duelos foram no clássico Atlético x Cruzeiro. Pelo returno do Campeonato Brasileiro de 2005, Fábio levou a melhor, com o Cruzeiro vencendo por 1 a 0, em 16 de outubro, no Mineirão. Em 2006, foram três jogos pelo Campeonato Mineiro. Na primeira fase, empate em 1 a 1. Na semifinal, a primeira partida terminou em 2 a 2, e o Cruzeiro ganhou a segunda por 2 a 0. Bruno trocou o Atlético pelo Corinthians, mas não chegou a jogar pelo clube paulista. Transferiu-se para o Flamengo. Foram mais seis duelos com Fábio pelo Brasileiro. Bruno venceu apenas o primeiro, por 3 a 1, no Maracanã, em 12 de setembro de 2007. Com Fábio no gol, a Raposa ganhou as outras cinco partidas, até 2009. O ex-goleiro do rubro-negro carioca foi preso em julho do ano seguinte. (Eugênio Moreira)
Não era para virar notícia
Paulo Galvão
Visitar Bruno Fernandes na penitenciária Nelson Hungria, em Contagem, era um antigo desejo do goleiro Fábio, concretizada depois de convite do pastor da igreja que frequenta. Mas isso não tem a ver com o fato de o detento ser colega de profissão, mas, sim, pela conduta adotada pelo cruzeirense, que, inicialmente, nem queria que a iniciativa se tornasse pública, mas decidiu falar sobre o assunto. Isso porque algumas pessoas começaram a questioná-lo sobre o encontro com o ex-atleticano.
“Foi apenas uma visita, uma coisa particular, que fiz a convite do pastor da minha igreja (Batista Getsêmani), Jorge (Linhares), a gente foi fazer uma oração e rapidamente voltou”, explicou Fábio, que destaca a importância de ajudar os necessitados. “Acho que é primordial cada ser humano ajudar o próximo. ´É muito fácil olhar apenas para a nossa vida e fechar os olhos ao que acontece fora do nosso ambiente. Por onde passei, não só no Cruzeiro, mas desde a minha infância, convivi com pessoas que precisavam de ajuda, o que me fez bem. Tento levar isso para a minha vida, minha família, meus filhos.”
Um tema não tratado no rápido encontro foi o futebol. Mesmo que o tenham em comum, pelo qual se enfrentaram algumas vezes, eles preferiram não recordar as disputas nos gramados. “O Bruno não era meu rival dentro de campo, a gente jogava em equipes que se enfrentavam, mas cada um sabendo respeitar o oponente, como fazemos até hoje. Para mim, não mudou nada, tenho a convicção de que todo mundo deve ter a oportunidade de buscar Deus. Fui naquele momento e acho que foi válido”, justifica o cruzeirense.
Sem julgamento
Por seguir os ensinamentos da Bíblia, Fábio evita julgar as atitudes que levaram Bruno ao cárcere. Para ele, todos merecem perdão. “O ser humano tem essa mania de julgar as pessoas e se esquecer dos próprios pecados. Temos que levar a palavra de Deus, que diz o que é perdoar, andar no caminho certo, mostrar o que é Jesus (aos próximos). Para mim, o importante foi passar aquele momento com ele, passar a palavra de Deus. Uma coisa fora do futebol e que pode ajudá-lo.”