Varginha – Entre aplausos e selfies, protestos e vaias. Foi assim o primeiro dia de Bruno Fernandes das Dores de Souza, de 32 anos, como mais novo goleiro do Boa, time de Varginha, no Sul de Minas. Pela manhã, logo depois de assinar contrato de dois anos, foi recebido com festa por cerca de 20 torcedores que prestigiaram o primeiro treino do atleta. Mas nem tudo foram flores na sua volta ao gramado, onde teve o primeiro contato com o elenco do novo time comandado pelo técnico Julinho Camargo – que disse não ter sido consultado sobre a contratação.
Bruno não gosta de comentar o assunto. Ontem, na entrevista coletiva organizada pelo Boa para apresentá-lo oficialmente como novo reforço do clube, o jogador se recusou a responder às perguntas relacionadas ao crime, cometido em 2010, no auge da carreira do então capitão do Flamengo. A imprensa foi comunicada pelo presidente do clube, Rone Miraes, que o jogador não responderia às perguntas sobre o assassinato.
Mas a pergunta foi feita. “Queria saber sua opinião: por que você acha que merece vestir a camisa de um time de futebol novamente, depois de condenado por um crime tão bárbaro?”. “Não vou te responder essa pergunta”, limitou-se a dizer.
TEMAS PROIBIDOS Bruno entrou na sala de entrevistas por uma porta na qual se vê uma foto de Madre Tereza de Calcutá. Chegou vestido com a camisa oficial do Boa, ainda estampando as marcas dos ex-patrocinadores, que romperam com o clube depois da enxurrada de críticas nas redes sociais, diante da decisão da diretoria do time de bancar a contratação do atleta. Bruno também não se sentiu à vontade para comentar esse assunto.
Preferiu falar de Deus. Ele conta ter se convertido à religião no presídio. “Deus está abrindo as portas novamente para mim”, agradeceu. Disse mais: “O homem pode fazer planos, projetos, mas a última palavra vem de Deus”. Mas não deixou de cutucar ex-amigos: “Tudo o que aconteceu me fez perceber quem realmente estava ao meu lado e quem não estava”.
RISO E CHORO O apoio ao jogador continua dividido fora de seu círculo pessoal. Ontem, torcedores foram ao centro de treinamento do Boa aplaudir e tirar selfies com o novo goleiro, que fez testes na academia e foi apresentado ao elenco do time no gramado. Longe dali, porém, um grupo de mulheres deixou marcado seu protesto, no Centro de Varginha.
No CT do Boa, Renê, de 13, foi um dos que saíram felizes da vida. “É um goleirão. Vai ajudar o Boa a subir para Primeira Divisão do Brasileiro”, acredita. Um casal que levou o filho também ficou encantado com o arqueiro. “Sou Flamengo, amigo”, disse o pai. Ele chegou perto do jogador com o menino no colo e posou para foto. Com a presença de vários jornalistas, houve empurra-empurra e gritaria para registrar a cena. Assustada, a criança chorou. Mas o pai saiu feliz com a foto.
Porém, na tradicional concha acústica de Varginha, no Centro, o clima era bem outro. Foi o lugar que um grupo de mulheres escolheu para protestar contra a chegada do goleiro ao clube que manda seus jogos na cidade. Elas vestiam preto em sinal de luto, exibiam cartazes e se deitaram na calçada em sinal de protesto. Tamparam parte do rosto, por temer retaliações. “Tive de apagar meu Facebook. Fui xingada e ameaçada. Vou registrar um boletim de ocorrência. Sou torcedora do Boa e não irei mais ao campo”, disse uma delas.
ANÁLISE DA NOTÍCIA
Caso Eliza não é passado
André Garcia
Bruno se recusou a responder às perguntas sobre o caso Eliza Samudio ao ser apresentado ontem pelo Boa Esporte. Dirigentes do time avisaram, antes da entrevista, que não tolerariam questionamentos relacionados ao assassinato. Parecem descolados da realidade. Diferentemente do que sustenta o goleiro, o crime que chocou o país há quase sete anos não é parte do passado. Com a recente decisão do ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), o jogador se tornou, juridicamente, um condenado pelo Tribunal do Júri de Contagem que aguarda em liberdade a análise de um recurso contra a sentença. Assim, pode ter de voltar à cadeia se o recurso for negado ou se o plenário do STF discordar da avaliação de Marco Aurélio. É certo que, no momento, Bruno pode considerar legal e legítimo voltar a jogar. Mas o goleiro deve recordar que é igualmente legítimo que a torcida do Boa Esporte e a sociedade brasileira cobrem respostas sobre um processo criminal ainda em andamento na Justiça. Até hoje, por exemplo, não se sabe onde está o corpo de Eliza.
O cartola que bancou a contratação de risco
Mas Rone, que ganhava a vida no ramo de contabilidade antes de fundar o Boa, promete anunciar o novo patrocinador master em breve. “Nesta ou na próxima semana”, acredita ele. O dirigente garante que sempre pensa no lado social. “Fiz uma escolha que, em um futuro breve, ajudará o time e a cidade de Varginha. Tudo na vida passa. Tanto as coisas boas quanto as ruins”, filosofa.
Sobre a polêmica envolvendo o mais novo integrante do plantel, ele lembra que o Boa fez parceria com o Judiciário em 2016, e contratou presidiários para trabalhar na reforma de seu centro de treinamento, em serviço que já foi prestado. “Se eu contratasse o Bruno para ser pedreiro teria essa repercussão?”, questionou.
treinador Já o técnico do Boa, Julinho Camargo, informou não ter sido consultado sobre a contratação. “Desde o primeiro momento, fui contratado para treinar o time, não para contratar. O clube tem dono, e eu sou funcionário. O dono não tem que consultar quando contrata um funcionário”, afirmou ele. No entanto, o treinador afirma que receberá o novo atleta da melhor forma possível e disse que ele tem tudo para disputar a titularidade. “Vem de uma base no Atlético, passou por Corinthians, Flamengo. É um jogador de alto nível. Se vai conseguir retomar a performance, só o tempo dirá.” (Com João Vítor Marques)