Arinos – Sob a mira de fuzis, a professora Geralda de Brito Oliveira contava seus passos ao longo da pista de avião da Fazenda Menino, onde uma década antes desembarcavam investidores e engenheiros, munidos de mapas e planos de ocupação do Vale do Urucuia. Desta vez, cercada por militares do Exército em busca de seu ex-patrão, acusado de apoiar a luta armada contra a ditadura, a então administradora da propriedade rural recebia ordem de entrar no meio do capinzal e se ajoelhar. Proibida de olhar para trás, ouviu rajadas ensurdecedoras de tiros, seguidas de uma densa fumaça.
Apesar da ameaça, Geralda conta que não se abalou e negou que a fazenda encobria ações contra o regime militar. “Falei com os policiais: ‘eu nem sei o que é comunista’”, lembra. Ao longo da década de 1960, Geralda, hoje com 76 anos, e Adão Machado, outro responsável na época pela Fazenda Menino, ambos funcionários de confiança do antigo proprietário, Max Hermann, conviveram com a presença e as ameaças de agentes do Exército na área rural de Arinos, no Noroeste de Minas. Ela vive hoje na antiga sede da propriedade, presenteada pelo ex-patrão. Ele, em Igrejinha, distrito de Arinos, distante 18 quilômetros de onde seria erguida a Cidade Marina.
Machado conta que, entre 1968 e 1972, no auge da repressão, policiais e militares estiveram na antiga Fazenda Menino, pois acreditavam que ali seria depósito de armas destinadas à luta contra o regime. “Respondi para eles que a denúncia era falsa. O único carro que eu tinha visto chegar na fazenda foi um jipe, que nunca trouxe arma nenhuma”, relata. Ainda em relação ao ex-patrão, o aposentado lembra que Hermann se dizia “amigo de Juscelino (Kubitschek) e o Oscar (Niemeyer)”. Assim como Geralda, Machado afirma não ter dúvida de que os projetos não foram adiante por causa da saída de Juscelino do poder e devido ao regime militar.
PRESSÃO E AMEAÇA
Geralda vive cercada de visitas e não se priva de relatar as torturas psicológicas que sofreu no fim da década de 1960. “Um dia veio o major Rubens dizendo que eu estava denunciada de ser comunista no Brasil e que iria pagar caro por isso. Aí, começou a perseguição a mim. O Max Hermann tinha ido embora e eu fiquei no lugar dele para eles perseguirem”, lembra Geralda.
A repressão continuou até por volta de 1972, com o Exército permanecendo por dias na casa de Geralda. Numa das ocasiões, os militares deram o ultimato: “Você pode tomar banho e, quando for quatro da tarde, você se arruma que vai morrer. Pra morrer tem que se arrumar, porque quem morre desarrumado vai para o inferno”.
Embora tenha escapado dos repressores, a denúncia de que ela era comunista prejudicou Geralda. Foi afastada do emprego de professora rural e até hoje tenta, na Justiça, a reparação pelos quase 10 anos que foi obrigada a viver longe da fazenda, quando se mudou para Brasília fugindo da repressão.
Durante o período em Brasília, recebeu a visita de Hermann, que repassou a ela uma procuração para ocupar a sede da fazenda. Ele também teria relatado a Geralda as torturas sofridas no Rio. “Ele contou que esteve dentro de uma ‘geladeira’ durante 24 horas.” Geladeira era uma das formas de tortura na qual os torturadores alternavam drasticamente o sistema de refrigeração das celas entre extremo frio e calor intenso, enquanto alto-falantes emitiam sons estridentes.