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Polícia tenta esclarecer circunstâncias da morte de Dandara
Travesti foi brutalmente assassinada em Fortaleza, em fevereiro. Preconceito está entre as motivações do crime, que pode estar relacionado à vingança
Flávia Ayer, Fred Bottrel - Enviados Especiais
Apesar de documentado em vídeo de 1 minuto e 20 segundos, o martírio da travesti Dandara Kataryne, de 42 anos, durou mais de uma hora, entre chutes e pauladas, até ela ser levada, num carrinho de mão, para ser executada com um tiro e uma pedrada. Durante esse mesmo tempo, há registro de denúncias no 190 da Polícia Militar sobre o espancamento. A viatura chegou somente quando Dandara já estava morta. A Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará não se pronunciou a respeito da demora. A motivação para o crime ainda não foi esclarecida.
“A discriminação está clara no vídeo. É notório que há transfobia”, afirma a chefe de investigação da 12ª Delegacia de Polícia, Vitória Holanda, amiga de Dandara e integrante da equipe que apura o caso. Há pelo menos duas linhas de investigação. Uma trabalha com a hipótese de Dandara ter sido levada para fazer um programa nas proximidades e ter sido confundida com uma pessoa da gangue rival à dos traficantes do local. Outra seria de que o motoqueiro que a abordou teria contraído o vírus HIV ao se relacionar com a travesti e estivesse se vingando.
Sete pessoas foram detidas por envolvimento na morte da travesti: Rafael Alves da Silva Paiva, de 18 anos, Júlio César Braga da Costa, de 19 e Isaías da Silva Camurça, de 25, que já responde por homicídio. Quatro adolescentes foram apreendidos – um deles comandou o linchamento. Três pessoas estão foragidas, entre elas o motoqueiro. Ele mora no bairro vizinho e trabalha como vigilante. “Isso acontece em Fortaleza diariamente. Graças a Deus, esses infelizes filmaram a própria sentença”, afirma um dos irmãos de Dandara, Ricardo Vasconcelos, de 38, que cobra justiça. “Infelizmente, não tem Justiça para menor de 18 anos no Brasil”, diz.
Embora o crime tenha ocorrido em 15 de fevereiro, ganhou repercussão nacional apenas em 3 de março, quando foi divulgado em redes sociais. Segundo a investigadora, as imagens já eram de conhecimento da Polícia Civil, que também tinha em mãos um segundo vídeo. Nele, Dandara está sozinha, ensanguentada no meio da rua. Ela não tem forças para fugir, pede água e fala, já delirando, que o pai – que é separado da mãe dela e não mora na mesma casa – vai buscá-la.