Uma portaria do Instituto Estadual de Florestas (IEF), autarquia ligada à Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais (Semad), liberou a pesca de algumas espécies, como o mandi e a tilápia, na bacia do Rio Doce. A atividade estava vetada desde 1º novembro de 2016, exceto para a prática amadora na modalidade de pesque e solte.
A decisão do IEF é da última sexta-feira (12) e vale para a porção da bacia localizada em Minas Gerais. No Espírito Santo, continua proibida por decisão da Justiça Federal a pesca na foz do Rio Doce, nos municípios de Aracruz e Linhares. No restante do estado capixaba, não há veto.
A proibição da pesca teve como objetivo permitir a recuperação da fauna após a tragédia de Mariana (MG), que ocorreu em novembro de 2015, em decorrência do rompimento de uma barragem da mineradora Samarco. Foram liberados no ambiente mais de 60 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração, que devastou a vegetação nativa, poluiu a bacia do Rio Doce e provocou a morte de 19 pessoas. O episódio é considerado a maior tragédia ambiental do país.
Outro fator levado em conta para a proibição foram os possíveis riscos que o consumo dos peixes da bacia contaminada poderia trazer para a saúde humana. Na época, o IEF informou que a decisão poderia ser revista a partir de novos estudos técnicos e científicos que comprovassem a recuperação populacional e a saúde das espécies.
Com a nova portaria, está permitida a pesca de espécies cuja origem ou ocorrência natural é de outra bacia, como o tucanaré, o mandi e o cará-amazonas, e também de espécies exóticas, isto é, aquelas que são provenientes de outros países e foram introduzidas nos rios brasileiros, como a tilápia. Foi liberada ainda a captura dos peixes híbridos, que são resultantes do cruzamento entre diferentes espécies. Por outro lado, continua proibida a pesca dos peixes de ocorrência natural na bacia do Rio Doce, como o acará-camaleão,a curimbamand e a corvina.
Limitações
Apesar da liberação, a portaria impõe algumas limitações para os pescadores amadores. Eles só podem capturar até dez quilos, acrescido de um exemplar de qualquer tamanho acima do mínimo estabelecido pela legislação. Para eles, é permitido o uso de embarcação e instrumentos como armas de pressão para pesca subaquática, arbalete, fisga, anzol, linha de mão, vara ou caniço e iscas artificiais ou naturais.
Para os pescadores profissionais, não há limites na quantidade de peixes. Eles poderão exercer sua atividade usando embarcações, tarrafa, anzol simples ou múltiplo, linha de mão, vara ou caniço, máquinas de pesca, espinhel, caçador, anzol de galha, joão bobo, galão ou cavalinha.
A portaria não se aplica à pesca para subsistência, sem embarcação, que pode ser praticada sem limitações. A pesca científica também é permitida, mas depende de autorização formal dos órgãos ambientais.
Benefício
Após a tragédia, a Samarco chegou a um acordo com o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) para conceder um benefício a todos aqueles que tiveram impactos em sua fonte de renda. Foi entregue um cartão a essas pessoas, que recebem mensalmente um salário mínimo mais 20% para cada dependente, além do valor de uma cesta básica calculado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
De acordo com a Fundação Renova, que é financiada pela Samarco e foi criada para gerir as ações de reparação dos danos da tragédia, o benefício atende atualmente cerca de 8,1 mil pessoas em Minas Gerais e no Espírito Santo, das quais aproximadamente 70% são pescadores. Trata-se de um auxílio assistencial aos atingidos e não configura indenização.
No fim do ano passado, a Fundação Renova e o MPMG chegaram a um acordo que garante o benefício pelo menos até dezembro de 2018. As partes alegam que ele deve existir até que sejam restabelecidas as condições econômicas e produtivas de cada atingido.
Mesmo com a liberação da pesca na porção mineira da bacia do Rio Doce, a Fundação Renova diz que, no momento, não há nenhuma orientação no sentido de retirar os auxílios. Em relação às indenizações finais, as conversas com os impactados já estão em andamento em diversas cidades e a expectativa é de que a definição dos valores ocorra ainda este ano.
De acordo com a fundação, há negociações em curso nos municípios de Barra Longa (MG), Rio Doce (MG), Governador Valadares (MG), Galileia (MG), Resplendor (MG), Periquito (MG), Baixo Guandu (ES) e Linhares (ES). Ainda este mês, os procedimentos para a indenização também devem ter início em São José do Goiabal (MG), Ipatinga (MG) e Colatina (ES).
Segundo Rodolfo Zulske, presidente da Colônia de Pescadores Z19 do Leste Mineiro, o benefício mensal concedido pela Fundação Renova é irrisório e bem aquém da renda média dos pescadores da região. Ele diz ainda que a nova portaria do IEF atendeu a uma demanda da categoria, mas que não resolve a questão financeira. "O pescador que fica um ano sem nenhuma atividade, conforme a legislação federal, perde diversos direitos sociais e trabalhistas. Isso traz dificuldades para obter aposentadoria, auxílio-doença e outros benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social [INSS]. Até a carteira de pesca poderia ser suspensa", diz.
Zulske explica que a portaria permite que o pescador tenha uma atividade mínima para manter seus direitos, ainda que os peixes liberados para a captura não deem retorno financeiro significativo. Para Rodolfo, a medida também não coloca em risco a biodiversidade da bacia. "As espécies nativas sofreram um grande impacto e elas realmente precisam ser preservadas, mas as demais espécies muitas vezes são consideradas prejudiciais para a bacia. O mandi e a tilápia, por exemplo, se propagam de forma muito rápida. São peixes que tem muita facilidade para entrar em pequenas tocas ou ir para os afluentes, escapando dos impactos da lama".