Na casa de Ana Paula Alves Silva, no Bairro Santo André, na Região Noroeste de Belo Horizonte, a mudança de rotina foi radical. A garota quer disputar uma vaga em direito na Universidade Federal de Minas Gerais, mas antes tem pela frente o Enem. Para não deixar o sonho da filha cair por terra, a mãe, a empregada doméstica Cleuza Maria Silva, de 44 anos, está se desdobrando em trabalho extra. O dinheiro das roupas que ela passa fora do horário de trabalho é o complemento para pagar, além das despesas habituais, os R$ 153 de cursinho particular e R$ 115 de passagem para a menina.
“Ela sempre foi uma ótima aluna e agora estou com medo até de ela tomar bomba no colégio. Nem todos os pais têm condições de arcar com esse tipo de gasto, como é o meu caso. Ela fará inscrição na UFMG e ninguém me dará de volta o dinheiro, caso o ano letivo seja anulado. Estou tendo que tirar de uma coisa para pagar outra”, afirma Cleuza. Ela diz que se a greve se arrastar mais está disposta a formar uma comissão de pais para cobrar providências dos grevistas e do governo.
A matrícula no cursinho foi resolvida de última hora, quando mãe e filha perceberam que o tempo de preparação para o Enem estava acabando. Ana Paula entrou num intensivo e começou as aulas no início deste mês. “Eu não pensava nessa possibilidade, pois a escola (Instituto de Educação) estava boa. Mas foi a única que encontrei para recuperar. O ritmo está muito pesado e frequento aulas em plantões à noite e aos sábados, pois há matérias que não estudei no colégio”, relata.
A colega dela, Lorena Anita da Silva, moradora do Bairro Bom Jesus, também na Região Noroeste, pensou até mesmo em mudar de escola. O problema é que nenhum colégio aceita os alunos das escolas em greve, que só concluíram o primeiro bimestre. “Estou de pés e mãos atadas, pois tenho medo de fazer cursinho e não me formar. Nem sei se farei a inscrição da UFMG, porque acho que será à toa”, diz a candidata a uma vaga em relações internacionais. O sonho de se tornar uma diplomata, por enquanto, está congelado: “Não tenho mais o que fazer, a não ser esperar. Tudo o que eu poderia começar no ano que vem terei de adiar para 2013. No fim, os únicos prejudicados somos nós, alunos”.
Indigesto
Marcelle Sabrine Alves Diniz, candidata a medicina ou direito, passa o dia em casa, com a irmã Ana Paula, de 10 anos, que também está sem aulas. Como a família não pode pagar um cursinho, o jeito é estudar por conta própria, pegando firme em matemática e história. “Até hoje não fiz a inscrição na UFMG. Estou pensando em adiar para o ano que vem, pois, mesmo estudando 24 horas, preciso de uma base escolar”, diz. Adiar o sonho ainda soa algo indigesto para a adolescente: “A gente pagará o prejuízo, pois eles (os professores) já são formados e nós estamos apenas começando”.
Os professores decidiram na terça-feira manter a greve. A próxima reunião da categoria está marcada para quarta-feira. A Secretaria de Estado de Educação (SEE) nega que haja possibilidade de anular o ano letivo e afirma que, na pior das hipóteses, o calendário de reposição, apresentado por cada escola, vai se estender 2012 adentro. Ainda de acordo com a SEE, 87 escolas estaduais aderiram ao movimento e 628 estão parcialmente paralisadas. O total de instituições é de 3.778.
Salários
O ministro da Educação, Fernando Haddad, foi incisivo sobre o salário base: “Não há mais o que discutir, o STF considerou constitucional o piso de R$ 1.187,14. Estados e municípios devem cumprir a Constituição”. Os professores de Minas reivindicam piso de R$ 1.597,87, mas o Sind-UTE sinalizou que está disposto a negociar com base no valor proposto pelo MEC. A categoria informou que recorrerá da decisão que derrubou o mandado de segurança que impedia a contratação de professores substitutos.