Depois da anulação de 13 questões do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), determinada pela Justiça Federal do Ceará, o desafio que agora ocupa a cabeça dos estudantes é a tentativa de entender o impacto da medida na nota de cada um. Como a correção da prova é feita com base na Teoria de Resposta ao Item (TRI), um complexo modelo estatístico, o cálculo do resultado final vai depender do grau de dificuldade das perguntas canceladas e também do nível de conhecimento dos candidatos.
Segundo o professor Dalton, o cancelamento de questões seria um problema ainda mais grave caso os 13 itens estivessem concentrados em uma única prova. De acordo com a decisão da Justiça Federal, foram anuladas três perguntas de ciências humanas (32, 33 e 34), cinco de ciências da natureza (46, 50, 57, 74 e 87), uma de linguagens (113) e quatro de matemática (141, 154, 173 e 180). Os números referem-se ao caderno de provas de cor amarela, mas há correspondentes nos demais cadernos (branco, azul e rosa). Com a anulação, o número de questões válidas diminui de 180 para 167. Cada pergunta é definida como fácil, média ou difícil, de acordo com calibragem feita pelo MEC no pré-teste do Enem, e o professor Dalton afirma que só o ministério pode informar o peso de cada questão.
“O impacto é diferente de acordo com a dificuldade da questão cancelada. Se os itens anulados forem de alto grau de complexidade, vai ter pouco impacto no cálculo da nota do candidato que tem baixo nível de conhecimento, pois era previsível que ele não acertaria essa pergunta. E se o aluno tem grande conhecimento e as questões anuladas são fáceis, a anulação não afeta tanto o resultado final. Como o Enem é usado como processo seletivo nas universidades que têm grande concorrência, os candidatos com chances de conquistar vagas têm nível alto de conhecimento. Por isso, se os itens anulados forem fáceis ou médios, o impacto na nota final deles é pequeno”, explica Dalton Francisco.
O Ministério da Educação também tenta tranquilizar os estudantes, com a alegação de que o programa estatístico da TRI é capaz de reavaliar o peso das questões e distribuir o valor global da prova entre as 167 que a compõem. Por essa razão, o MEC informou que seria “confortável” acatar a decisão judicial e que ela não afetaria a pontuação final do Enem. Apesar desses argumentos, o ministério declarou ontem, em nota, que vai recorrer da decisão e defender o cancelamento das provas unicamente para alunos do Colégio Christus, de Fortaleza (CE), que tiveram acesso antecipado a algumas questões cobradas no exame. Os itens estavam em apostila distribuída pela escola semanas antes da aplicação do Enem e vazaram na fase de pré-testes do exame, aplicada com a finalidade de medir o grau de dificuldade das perguntas e da qual a escola cearense participou em outubro de 2010.
PREOCUPAÇÃO Nos colégios e cursinhos preparatórios de Belo Horizonte, o clima é de revolta com a anulação das questões e a sucessão de erros no Enem nos últimos anos Candidatos ao vestibular da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que usa a nota do exame nacional para substituir a primeira etapa do concurso, se sentem injustiçados com a decisão judicial. “O cancelamento prejudica quem acertou as perguntas e beneficia os que erraram. No meu caso, acertei todas as questões de matemática e vou perder esses pontos, que podem ser preciosos na disputa por vaga na UFMG. Falta credibilidade e confiança no Enem e estou apreensiva com o desfecho dessa história na Justiça”, diz Laura Sá Fortes Leite, candidata ao curso de engenharia civil.
De olho em uma vaga em medicina, Guilherme Vieira Peixoto, de 18, lamentou ter sido prejudicado pela medida, mas aplaudiu a intervenção judicial. “Estamos cansados de não ver respostas para fraudes, vazamentos e corrupção. Alguma providência tinha de ser tomada e acho que o juiz agiu certo. Fui prejudicado, mas é melhor isso do que o cancelamento de toda a prova.”
Cronologia do impasse
Dias 22 E 23
As provas do Enem são aplicadas em todo o Brasil para cerca de 4 milhões de candidatos. Em Minas, 441 mil fazem os testes.
Dia 26
Circula nas redes sociais informação de que 14 questões do exame eram idênticas ou semelhantes às aplicadas em simulado do Colégio Christus, de Fortaleza (CE).
O MEC confirma o vazamento de questões do pré-teste do Enem e determina o cancelamento das provas para os 639 alunos do colégio cearense que tiveram acesso antecipado ao material.
Dia 27
O Ministério Público Federal do Ceará pede a anulação dos testes para candidatos de todo o Brasil e a Polícia Federal é acionada para investigar o caso.
A Defensoria Pública da União recomenda ao Ministério da Educação o cancelamento do Enem para os 4 milhões de candidatos no país. O Sindicato das Escolas Particulares de Minas Gerais (Sinep-MG) entra com representação no Ministério Público Federal pedindo anulação geral.
Dia 31
Representantes do MEC se reúnem com o juiz federal do Ceará Luís Praxedes Vieira da Silva para defender o cancelamento do exame apenas para os 639 alunos do Colégio Christus. Os candidatos teriam direito a refazer as provas no fim do mês, quando o teste será aplicado para presidiários.
À noite, o juiz determina a anulação de 13 questões do Enem para todo o Brasil.
O MEC afirma que a medida foi “desproporcional” e informa que vai recorrer da decisão no Tribunal Regional Federal da 5ª Região, em Recife.
Dia 1º
O Ministério Público Federal do Ceará informa que vai pedir a anulação da 14ª questão do Enem. Dessa vez, o alvo será o item 25 do caderno de prova amarelo.
ANOS ANTERIORES
Em 2009, os cadernos de prova foram furtados na gráfica e divulgados na imprensa, às vésperas do teste. O vazamento provocou prejuízos de mais de R$ 30 milhões, com a impressão de novos cadernos para a avaliação, reaplicada cerca de dois meses depois. Em 2010, houve problemas nas provas e nos gabaritos e o Enem teve nova edição para 2,8 mil candidatos prejudicados.