Alisson* poderia ser um adolescente como outro qualquer da sua idade. Vai às aulas de segunda a sexta-feira, mas confessa que, em alguns dias, preferiria ficar tirando um cochilo depois do almoço. Sabe que é importante estudar, e sua mãe, “como toda mãe”, sempre diz que ele precisa se dedicar aos livros para ser alguém na vida. E como outros 4 milhões de estudantes, fará parte da lista final do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) em 2011. Alisson poderia ser como qualquer garoto da sua idade, se não fosse um detalhe: há um ano e quatro meses, ele cumpre medida socioeducativa no Centro de Atendimento Juvenil Especializado (Caje). Aos 17 anos, o jovem é apontado como o responsável por um latrocínio, assalto seguido de morte.
Nesta segunda e terça-feira, 14 mil detentos e jovens sob medida socioeducativa farão a prova do Enem em todo o país. Além da data, o exame apresentado ao sistema prisional tem outras diferenças em relação ao que é aplicado aos demais estudantes, justificadas como “questão de segurança” pelo Instituto Nacional de Pesquisas em Educação (Inep). Não é o aluno que decide se prestará o exame ou não. As secretarias de justiça ou órgãos de administração penitenciária estaduais determinam em quais unidades as provas serão aplicadas. E, dentro do presídio, um coordenador pedagógico faz a inscrição pelo aluno.
Os estudantes também não podem ter acesso ao gabarito, já que nem todas as unidades prisionais têm estrutura para que cada um possa conferir o resultado em um computador. Fica a cargo do coordenador dar o retorno ao candidato. O profissional também é o responsável por solicitar a validação do exame, caso seja usado para garantir o certificado de conclusão do Ensino Médio, e por pedir atendimento especial, se o aluno precisar. O estudante só poderá ver o seu resultado quando sair da unidade prisional, em um prazo máximo de dois anos, período em que o Inep mantém os dados disponíveis.
Por conta de problemas logísticos, até o prazo para inscrição teve de ser alterado este ano. Previsto inicialmente para 17 de outubro, o período teve de ser estendido até o dia 21. Mesmo com um prazo maior, o Caje teve problemas. Como o coordenador havia sido trocado há pouco tempo, a atual teve dificuldades para usar a senha que dá acesso ao sistema de inscrição. Só conseguiu garantir a aplicação aos 47 jovens que cursam o ensino médio na instituição porque foi até o prédio do Inep. Saiu de lá às 22h do penúltimo dia para inscrição. Os alunos só ficaram sabendo que fariam a prova três semanas antes do exame.
Planos universitários
Os alunos do Caje se sentiram prejudicados com o atraso na notificação. Felipe, de 17 anos, já planejou o que quer fazer quando sair, e conta com o Enem para concretizar seus planos. “Às vezes acham que, só porque a gente tá aqui, a gente não quer nada. Pode ser que alguns não queiram, mas sempre tem alguns que querem. Eu quero. Eu quero terminar o ensino médio primeiro, e cursar uma faculdade depois. Caso eu não consiga entrar numa faculdade quando terminar o ensino médio, vou fazer um concurso e, já trabalhando, vou fazendo uma faculdade”, sonha.
Para esses jovens, o Enem é importante porque pode abrir portas. Uma boa nota pode ser usada para garantir o certificado de conclusão do ensino médio. Pode ser usado também para se pleitear uma bolsa pelo Programa Universidade para Todos (Prouni) ou para tentar uma vaga em uma universidade federal por meio do Sistema de Seleção Unificada (Sisu) do MEC. Mesmo assim, o número dos que acreditam nessa opção ainda é baixo. Em 2010, dos 14.473 inscritos, 99 tentaram o Sisu e 81 o Prouni. Garantiram vaga em universidades federais seis candidatos privados de liberdade, mas somente um efetuou a matrícula na instituição. No Prouni, foram 13 pré-selecionados.
Apesar dos números, Felipe tem esperanças. “É a última que morre, né”, brinca o garoto, que em seguida completa: “Mas estou estudando. Tenho perspectiva para isso”. Felipe ainda não decidiu entre administração ou engenharia civil. Gosta muito da matemática. “Eu gosto de calcular a coisa certinha, saber que fui eu que calculei. Deve ser bom saber que aquele prédio fui eu que botei de pé”, diz. Já na administração, o que o atrai é poder ficar mais “sossegado”, só no computador. “Mas não é porque eu quero moleza não. Vou ter que ralar bastante para chegar lá”, fala o jovem, com a consciência de quem sabe que enfrentará também a batalha do preconceito para conquistar a carreira que deseja.
* Todos os nomes dos menores infratores são fictícios
Direito negligenciado
Apesar de ser um direito previsto pela Constituição e regulamentado pelas Diretrizes Nacionais de Educação no Sistema Prisional, o Ministério da Educação ainda tem dificuldade de garantir que todas as unidades prisionais tenham escolas. Não há números de quantas oferecem educação, mas de acordo com levantamento feito pelo Ministério da Justiça em 2010, somente 8,1% dos detentos estavam em algum tipo de atividade educacional. “A situação da educação em prisões não é fácil de lidar porque ainda existe muito preconceito. As pessoas enxergam o direito de aprender como um privilégio para os que estão privados de liberdade. Como se fosse uma regalia, como se não fosse cabível para eles”, explica o diretor de Políticas de Alfabetização de Jovens e Adultos do Ministério da Educação (MEC), Mauro José.
Para professor da Cátedra Unesco de Educação de Jovens e Adultos, Timothy Ireland, é fundamental que a educação seja garantida, inclusive a profissionalizante, para que seja possível a ressocialização dos presos. “Sem essas ferramentas, eles dificilmente se inserem na cadeia produtiva e voltam a cometer crimes. É urgente que tenha incrementos na educação formal e na profissionalizante”, defende.
Nesta segunda e terça-feira, 14 mil detentos e jovens sob medida socioeducativa farão a prova do Enem em todo o país. Além da data, o exame apresentado ao sistema prisional tem outras diferenças em relação ao que é aplicado aos demais estudantes, justificadas como “questão de segurança” pelo Instituto Nacional de Pesquisas em Educação (Inep). Não é o aluno que decide se prestará o exame ou não. As secretarias de justiça ou órgãos de administração penitenciária estaduais determinam em quais unidades as provas serão aplicadas. E, dentro do presídio, um coordenador pedagógico faz a inscrição pelo aluno.
Os estudantes também não podem ter acesso ao gabarito, já que nem todas as unidades prisionais têm estrutura para que cada um possa conferir o resultado em um computador. Fica a cargo do coordenador dar o retorno ao candidato. O profissional também é o responsável por solicitar a validação do exame, caso seja usado para garantir o certificado de conclusão do Ensino Médio, e por pedir atendimento especial, se o aluno precisar. O estudante só poderá ver o seu resultado quando sair da unidade prisional, em um prazo máximo de dois anos, período em que o Inep mantém os dados disponíveis.
Por conta de problemas logísticos, até o prazo para inscrição teve de ser alterado este ano. Previsto inicialmente para 17 de outubro, o período teve de ser estendido até o dia 21. Mesmo com um prazo maior, o Caje teve problemas. Como o coordenador havia sido trocado há pouco tempo, a atual teve dificuldades para usar a senha que dá acesso ao sistema de inscrição. Só conseguiu garantir a aplicação aos 47 jovens que cursam o ensino médio na instituição porque foi até o prédio do Inep. Saiu de lá às 22h do penúltimo dia para inscrição. Os alunos só ficaram sabendo que fariam a prova três semanas antes do exame.
Planos universitários
Os alunos do Caje se sentiram prejudicados com o atraso na notificação. Felipe, de 17 anos, já planejou o que quer fazer quando sair, e conta com o Enem para concretizar seus planos. “Às vezes acham que, só porque a gente tá aqui, a gente não quer nada. Pode ser que alguns não queiram, mas sempre tem alguns que querem. Eu quero. Eu quero terminar o ensino médio primeiro, e cursar uma faculdade depois. Caso eu não consiga entrar numa faculdade quando terminar o ensino médio, vou fazer um concurso e, já trabalhando, vou fazendo uma faculdade”, sonha.
Para esses jovens, o Enem é importante porque pode abrir portas. Uma boa nota pode ser usada para garantir o certificado de conclusão do ensino médio. Pode ser usado também para se pleitear uma bolsa pelo Programa Universidade para Todos (Prouni) ou para tentar uma vaga em uma universidade federal por meio do Sistema de Seleção Unificada (Sisu) do MEC. Mesmo assim, o número dos que acreditam nessa opção ainda é baixo. Em 2010, dos 14.473 inscritos, 99 tentaram o Sisu e 81 o Prouni. Garantiram vaga em universidades federais seis candidatos privados de liberdade, mas somente um efetuou a matrícula na instituição. No Prouni, foram 13 pré-selecionados.
Apesar dos números, Felipe tem esperanças. “É a última que morre, né”, brinca o garoto, que em seguida completa: “Mas estou estudando. Tenho perspectiva para isso”. Felipe ainda não decidiu entre administração ou engenharia civil. Gosta muito da matemática. “Eu gosto de calcular a coisa certinha, saber que fui eu que calculei. Deve ser bom saber que aquele prédio fui eu que botei de pé”, diz. Já na administração, o que o atrai é poder ficar mais “sossegado”, só no computador. “Mas não é porque eu quero moleza não. Vou ter que ralar bastante para chegar lá”, fala o jovem, com a consciência de quem sabe que enfrentará também a batalha do preconceito para conquistar a carreira que deseja.
* Todos os nomes dos menores infratores são fictícios
Direito negligenciado
Apesar de ser um direito previsto pela Constituição e regulamentado pelas Diretrizes Nacionais de Educação no Sistema Prisional, o Ministério da Educação ainda tem dificuldade de garantir que todas as unidades prisionais tenham escolas. Não há números de quantas oferecem educação, mas de acordo com levantamento feito pelo Ministério da Justiça em 2010, somente 8,1% dos detentos estavam em algum tipo de atividade educacional. “A situação da educação em prisões não é fácil de lidar porque ainda existe muito preconceito. As pessoas enxergam o direito de aprender como um privilégio para os que estão privados de liberdade. Como se fosse uma regalia, como se não fosse cabível para eles”, explica o diretor de Políticas de Alfabetização de Jovens e Adultos do Ministério da Educação (MEC), Mauro José.
Para professor da Cátedra Unesco de Educação de Jovens e Adultos, Timothy Ireland, é fundamental que a educação seja garantida, inclusive a profissionalizante, para que seja possível a ressocialização dos presos. “Sem essas ferramentas, eles dificilmente se inserem na cadeia produtiva e voltam a cometer crimes. É urgente que tenha incrementos na educação formal e na profissionalizante”, defende.