Quando o tio folheava um velho livro de mapas, os olhos atentos da criança acompanhavam o contorno dos continentes, o relevo dos países e as curvas dos rios. O encanto que o garoto sentia, contudo, parecia um desejo impossível de ser concretizado devido às suas condições humildes, numa casa pobre em Venda Nova, em Belo Horizonte. “Os amigos e a própria família não apoiam muito a gente a tentar uma vaga na universidade”, conta Alisson Alves das Graças, de 22 anos, que cresceu e seguiu seu sonho, estudou e se sentiu ainda mais encorajado a tentar o vestibular para a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) por causa do incentivo da política de bônus a minorias e egressos do ensino público. Aluno da primeira turma beneficiada por essa política afirmativa, que entrou em vigor em 2009, ele se forma este ano no curso de geografia.
A reportagem do Estado de Minas encontrou os primeiros candidatos que usaram bônus no vestibular 2008 da UFMG, para mostrar a trajetória desses estudantes. São jovens como Alisson. De acordo com levantamentos preliminares da UFMG, o desempenho desses alunos é ligeiramente superior à média dos cursos, chegando a três ou quatro no universo de um a cinco do Rendimento Semestral Global (RSG), e que varia de curso para curso. O rendimento de quatro pontos é considerado médio em cursos de humanas, por exemplo, enquanto o de três pontos é muito bom para exatas. As mulheres têm desempenho melhor do que os homens.
O resultado é similar ao evidenciado por um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) sobre o aproveitamento de cotistas na Universidade de Campinas (Unicamp), Universidade Federal da Bahia (UFBA), Universidade de Brasília (UnB) e Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Entre 2005 e 2006, os cotistas obtiveram maior média de rendimento em 31 dos 55 cursos (Unicamp) e desempenho igual ou superior aos de não cotistas em 11 dos 16 cursos da UFBa. Na UnB os não cotistas tiveram maior índice de aprovação, de 92,98%, contra 88,90%, e média geral levemente maior, de 3,79%, contra 3,57%, 1,76% trancou a matrícula, contra 1,73% dos cotistas.
A persistência, de acordo com os dados dos alunos beneficiados pelo bônus da UFMG, é outra marca desses alunos. O índice de invasão da Federal entre 2009 e 2011 chegou a 6,7%, segundo a universidade. Entre os estudantes não beneficiados pelo bônus, esse percentual chega a 7,4% e fica em 5,3% entre os que receberam incentivo. “Eles podem ter um patamar maior de dificuldades financeiras e sociais, com as quais teremos de saber lidar, mas não abandonam a universidade. Agarram o osso e seguram”, considera a pró-reitora de graduação da instituição, Antônia Vitória Aranha.
ORGULHO E LUTA
A entrada na universidade foi motivo de orgulho para a família de Alisson, mas também representou muita luta. Para conciliar aulas e laboratórios no câmpus Pampulha, ele teve de aceitar qualquer oportunidade que surgisse. “Fiz de tudo um pouco”, lembra. Alisson começou a tentar ganhar a vida como pesquisador. “Recebia muito mal. Era maltratado e não tinha condições de trabalho.” Depois, entrou numa firma terceirizada que prestava serviço aos Correios, mas que fechou um mês depois. De lá, foi vender publicações técnicas, até que conseguiu uma vaga de monitoria na UFMG. “Demorou, mas consegui um incentivo aqui. Não acho que temos muito apoio para crescer. A fila do bandejão tem um quilômetro. É difícil ter bolsa”, reclama.
Algumas dificuldades enfrentadas pelos beneficiários do bônus têm sido identificadas e combatidas, afirma a pró-reitora. “A barreira da língua estrangeira é uma das maiores, porque eles não têm condições de fazer cursos desde crianças. Por isso, intensificamos o ensino de inglês. Há cursos de metodologia científica. Se você oferece eles procuram.”
As bolsas de monitoria têm aumentado, de acordo com a universidade, mas são um incentivo tímido. Para se ter uma ideia, elas valem menos que o salário mínimo, R$ 622. Uma bolsa regular é de R$ 360 e a pró-noturno de R$ 450. “Essas atividades, além de ajudar monetariamente, ainda contribuem para melhorar o desempenho dos alunos, pois eles precisam escrever relatórios, monografias, têm produção acadêmica”, exemplifica Aranha.