A decisão do Congresso Nacional de aprovar reserva de metade das vagas nas universidades federais para estudantes que cursaram todo o ensino médio em escolas públicas ainda será enviada à sanção da presidente Dilma Rousseff, mas já divide opiniões e sinaliza com uma modificação muito clara: o acirramento na briga pelas vagas de livre concorrência, que tendem a tornar-se duas vezes mais disputadas. O vestibular ainda mais afunilado dobra as exigências para alunos que não se enquadram no perfil beneficiado. Do outro lado da conta estão os alunos de baixa renda e da cota racial, com expectativa de ver facilitado o até então distante sonho de ingressar em uma universidade pública.
A expectativa é de que o Projeto de Lei 180/2008 ganhe a assinatura presidencial sem muitas ressalvas, já que é defendido pelo Executivo. As universidades terão quatro anos para se adequar depois que as novas regras forem publicadas. Em 10 anos o sistema deve ser reavaliado. A Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) informou que não pretende mudar seu processo de seleção no vestibular deste ano, cujas inscrições começam dia 13.
Em Minas, o projeto atinge 11 universidades federais, que oferecem 606 cursos com 30.003 vagas, de acordo com o Censo da Educação Superior de 2011, do Ministério da Educação (MEC). A medida também se aplica aos cinco Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia do estado e ao Centro Federal de Educação Tecnológica (Cefet/MG). O projeto garante metade das vagas para os candidatos que cursaram integralmente o ensino médio na rede pública, o que, em território mineiro, representaria 15 mil cadeiras. O segundo critério define 50% dessas vagas, em cada curso e turno, para quem vem de família cuja renda seja de até um salário mínimo e meio por pessoa. A outra metade desse universo se destina a candidatos vindos de escolas públicas, com qualquer renda. As instituições também terão o desafio de fazer com que essa parcela retrate as proporções raciais da população. Para isso, a proporção de estudantes que se autodeclaram pretos, pardos ou indígenas deve ser no mínimo igual à porcentagem desses grupos verificada no Censo de cada estado. No caso de Minas, o mínimo é de 53,6%, dado observado para a população mineira pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2010.
O presidente do Sindicato das Escolas Particulares de Minas Gerais (Sinep-MG), Emiro Barbini, prevê aumento em 100% na dificuldade para alunos de escolas particulares serem aprovados nas universidades públicas, o que vai exigir ainda mais preparo dos estudantes. Embora reconheça o cunho social da medida, Barbini a considera paliativa. “O problema de candidatos da rede pública ingressarem no ensino superior em instituições federais deveria ser atacado na melhoria da qualidade de ensino das escolas. As cotas ocultam a defasagem que tem que ser sanada na base. Os alunos deveriam concorrer de igual para igual”, afirma. Barbini ressalta que os bônus, ao contrário da reserva de vagas, seriam uma medida menos injusta. “Você melhora a nota de um aluno, mas não fecha as portas para outro”, avalia.
Professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Julvan Moreira de Oliveira, do grupo Antropologia e Imaginário da Educação, afirma que o país tem uma conta histórica para acertar com camadas mais desfavorecidas. “Pensando apenas nos negros, com o fim da abolição descendentes foram jogados às margens da sociedade. As cotas são uma forma de o país corrigir distorções históricas”, afirma o professor, que não concorda com a redução do nível dos profissionais formados. “Universidades que já adotaram o sistema observaram que esses alunos têm rendimento igual ou superior aos demais”, ressalta.
De lados opostos
A divisão que as cotas registram entre especialistas se estende a vestibulandos. Aluno de uma escola pública de Sabinópolis, no Vale do Rio Doce, Rubens Serafim, de 22 anos, faz a quinta tentativa de ingressar no curso de medicina e é a favor da medida. Para melhorar sua chance e conquistar o sonho, faz pré-vestibular intensivo na capital. A rotina de estudo passa de 13 horas por dia. Aos domingos, Rubens concilia os livros e a monitoria em um bufê de festas infantis. “Para quem veio de escola pública, é um desafio passar no vestibular. Quando pisei no pré-vestibular, vi matérias que nunca tinha visto dentro de sala. No inglês do meu colégio, só aprendi as cores e os dias da semana. Lembro-me até hoje da professora, que falava do verbo ‘tóbi’ (verbo to be). Custei a entender o que era”, conta ele. “Essa lei vai trazer mais igualdade para o vestibular da UFMG, que, apesar de pública, é a universidade mais elitizada de Minas. Este ano, vou tentar para farmácia, porque já tenho pontos para isso, mas não vou desistir da medicina e continuarei no cursinho.”
Também candidata a medicina, Fábia Ciociola, de 19, se mudou de Lavras para a capital para fazer pré-vestibular. Ela é contra a mudança no sistema de cotas aprovada pelo Congresso e diz que o governo federal deveria voltar os olhos para a educação básica, para elevar a qualidade do ensino. “Na minha opinião, o governo deveria melhorar o nível da escola pública desde a base, em vez de privilegiar os estudantes da rede pública, que já entram com 50% de vantagem. Sinceramente, para quem estudou em escola particular e não tem direito a nenhuma cota está ficando difícil demais passar em medicina. É um preconceito às avessas”, afirma a jovem, que se dedica aos estudos de oito a nove horas por dia. “Já prestei o exame no Rio, em São Paulo e no Paraná, mas ainda não consegui a vaga. Vou tentar nas particulares, porque o acesso à UFMG ficou impossível.”
A expectativa é de que o Projeto de Lei 180/2008 ganhe a assinatura presidencial sem muitas ressalvas, já que é defendido pelo Executivo. As universidades terão quatro anos para se adequar depois que as novas regras forem publicadas. Em 10 anos o sistema deve ser reavaliado. A Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) informou que não pretende mudar seu processo de seleção no vestibular deste ano, cujas inscrições começam dia 13.
Em Minas, o projeto atinge 11 universidades federais, que oferecem 606 cursos com 30.003 vagas, de acordo com o Censo da Educação Superior de 2011, do Ministério da Educação (MEC). A medida também se aplica aos cinco Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia do estado e ao Centro Federal de Educação Tecnológica (Cefet/MG). O projeto garante metade das vagas para os candidatos que cursaram integralmente o ensino médio na rede pública, o que, em território mineiro, representaria 15 mil cadeiras. O segundo critério define 50% dessas vagas, em cada curso e turno, para quem vem de família cuja renda seja de até um salário mínimo e meio por pessoa. A outra metade desse universo se destina a candidatos vindos de escolas públicas, com qualquer renda. As instituições também terão o desafio de fazer com que essa parcela retrate as proporções raciais da população. Para isso, a proporção de estudantes que se autodeclaram pretos, pardos ou indígenas deve ser no mínimo igual à porcentagem desses grupos verificada no Censo de cada estado. No caso de Minas, o mínimo é de 53,6%, dado observado para a população mineira pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2010.
O presidente do Sindicato das Escolas Particulares de Minas Gerais (Sinep-MG), Emiro Barbini, prevê aumento em 100% na dificuldade para alunos de escolas particulares serem aprovados nas universidades públicas, o que vai exigir ainda mais preparo dos estudantes. Embora reconheça o cunho social da medida, Barbini a considera paliativa. “O problema de candidatos da rede pública ingressarem no ensino superior em instituições federais deveria ser atacado na melhoria da qualidade de ensino das escolas. As cotas ocultam a defasagem que tem que ser sanada na base. Os alunos deveriam concorrer de igual para igual”, afirma. Barbini ressalta que os bônus, ao contrário da reserva de vagas, seriam uma medida menos injusta. “Você melhora a nota de um aluno, mas não fecha as portas para outro”, avalia.
Professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Julvan Moreira de Oliveira, do grupo Antropologia e Imaginário da Educação, afirma que o país tem uma conta histórica para acertar com camadas mais desfavorecidas. “Pensando apenas nos negros, com o fim da abolição descendentes foram jogados às margens da sociedade. As cotas são uma forma de o país corrigir distorções históricas”, afirma o professor, que não concorda com a redução do nível dos profissionais formados. “Universidades que já adotaram o sistema observaram que esses alunos têm rendimento igual ou superior aos demais”, ressalta.
De lados opostos
A divisão que as cotas registram entre especialistas se estende a vestibulandos. Aluno de uma escola pública de Sabinópolis, no Vale do Rio Doce, Rubens Serafim, de 22 anos, faz a quinta tentativa de ingressar no curso de medicina e é a favor da medida. Para melhorar sua chance e conquistar o sonho, faz pré-vestibular intensivo na capital. A rotina de estudo passa de 13 horas por dia. Aos domingos, Rubens concilia os livros e a monitoria em um bufê de festas infantis. “Para quem veio de escola pública, é um desafio passar no vestibular. Quando pisei no pré-vestibular, vi matérias que nunca tinha visto dentro de sala. No inglês do meu colégio, só aprendi as cores e os dias da semana. Lembro-me até hoje da professora, que falava do verbo ‘tóbi’ (verbo to be). Custei a entender o que era”, conta ele. “Essa lei vai trazer mais igualdade para o vestibular da UFMG, que, apesar de pública, é a universidade mais elitizada de Minas. Este ano, vou tentar para farmácia, porque já tenho pontos para isso, mas não vou desistir da medicina e continuarei no cursinho.”
Também candidata a medicina, Fábia Ciociola, de 19, se mudou de Lavras para a capital para fazer pré-vestibular. Ela é contra a mudança no sistema de cotas aprovada pelo Congresso e diz que o governo federal deveria voltar os olhos para a educação básica, para elevar a qualidade do ensino. “Na minha opinião, o governo deveria melhorar o nível da escola pública desde a base, em vez de privilegiar os estudantes da rede pública, que já entram com 50% de vantagem. Sinceramente, para quem estudou em escola particular e não tem direito a nenhuma cota está ficando difícil demais passar em medicina. É um preconceito às avessas”, afirma a jovem, que se dedica aos estudos de oito a nove horas por dia. “Já prestei o exame no Rio, em São Paulo e no Paraná, mas ainda não consegui a vaga. Vou tentar nas particulares, porque o acesso à UFMG ficou impossível.”