O projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional reservando 50% das vagas nas universidades federais a alunos que concluíram o ensino médio integralmente em escolas públicas ainda nem se transformou em lei e já promete virar batalha judicial. O Sindicato das Escolas Particulares de Minas Gerais (Sinep-MG) pretende se articular antes mesmo da sanção ao texto para questionar a nova política de cotas. A Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep) também estuda mecanismo para discutir a iniciativa na esfera jurídica.
Para o presidente do Sinep-MG, Emiro Barbini, o projeto de lei é preconceituoso e passa por cima da Constituição “Ao tentar dar oportunidades às classes menos favorecidas, a medida acaba sendo preconceituosa. As escolas nem sequer foram consultadas para esse debate. A reforma teria que acontecer no ensino básico. O governo está tentando tapar o sol com a peneira”, diz ele.
“O grande valor dessa discussão é trazer a questão da qualidade da escola básica para setores da sociedade que nunca pensaram sobre o assunto”, acredita Luciano, professor da Faculdade de Educação da UFMG. “O poder público não consegue garantir essa equação no campo educacional e as leis podem corrigir um pouco dessa desigualdade. A questão, contudo, não é só a cota, mas a melhoria do ensino na rede pública e a sociedade tão discrepante que produzimos no Brasil.”
Funil
Ele considera que a medida gera tensão diante do baixo número de vagas nas universidades federais – cerca de 25% do total de cadeiras do ensino superior, a terceira ou quarta pior relação no mundo, segundo o professor. Ainda assim, Luciano admite que o projeto de lei é uma política paliativa. “Ao criar cotas e não repassar recursos à educação básica, corre-se o risco de manter o problema durante 10 anos. A iniciativa é uma forma de valorizar a escola pública, mas é preciso investir em qualidade e políticas de distribuição de renda.”
Para a presidente da Fenep, Amábile Pacios, o projeto assume que a educação básica na rede pública é de má qualidade. “A lei serve de vitrine bonita para a sujeira do ensino na educação básica em escolas públicas. Se esse segmento fosse de qualidade, o direito à educação estaria garantido e a escola particular não seria a única opção. Essa é a grande discussão. Nossa assessoria jurídica está avaliando o melhor instrumento, mas é certo que vamos discutir essa reserva de vagas juridicamente”, garante.
Amábile Pacios cita os alunos bolsistas de escolas particulares, que conquistaram o benefício por mérito e vêm de famílias de baixa renda. Segundo ela, a lei não resguarda o direito desses estudantes. “Paga-se uma dívida gerando outra”, sustenta a presidente do Fenep.
Durante toda a vida, o estudante do quarto período de comunicação social da UFMG Ramon Geovane Almeida, de 21 anos, estudou em escolas públicas. A vaga na maior universidade do estado foi conquistada graças a dois anos frequentando cursinhos pré-vestibulares, além do bônus oferecido pelo programa de inclusão da instituição. Embora tenha se beneficiado do acréscimo, Ramon não tem dúvida de que não é dessa forma que se resolve um problema cuja origem está no início da jornada escolar.
“Bônus e cotas são importantes, porque hoje há uma disparidade muito grande entre alunos da rede pública e da particular, mas o problema maior é na formação do aluno”, avalia. O estudante levou dois anos para ser aprovado, mesmo com a política de bônus já implementada. “Quando terminei o ensino médio, não me sentia competitivo em relação aos demais candidatos. Não aprendi biologia no terceiro ano e, no segundo, não tinha aulas de história”, lembra ele, que hoje não percebe preconceito nem sente dificuldades em acompanhar o aprendizado na UFMG.