Pressionado na escola, pressionado em casa, pressionado pela concorrência cada vez mais acirrada por causa do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e do Sistema de Seleção Unificada (Sisu). A vida dos estudantes do 3º ano do ensino médio se torna mais estressante a cada dia, em especial para quem busca uma vaga na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a maior instituição de ensino superior do estado, onde explodiu o número de candidatos por vagas em cursos já tradicionalmente disputados, assim como o número de inscritos e aprovados vindos de outras unidades da Federação.
A adolescente Isabella Diniz Silveira, de 17 anos, aluna do 3º ano do Colégio L’Hermitage, na Pampulha, sente na pele essa disputa. “Ponho em mim uma obrigação de passar, influenciada pela pressão dos pais e da escola. A cobrança aumentou este ano, pois é uma etapa decisiva. Ou passo ou fico mais um ano estudando”, diz a menina, candidata a engenharia de minas na UFMG e a engenharia química na PUC. Embora os pais lhe digam que se não der certo ela pode tentar de novo, Isabella prefere não pensar nessa possibilidade.
Ela concilia as aulas da escola com as do cursinho, para o qual entrou no início do ano, sem deixar de lado o inglês e com o incremento de uma preparação extra, já visando a segunda etapa da federal. O estudo é diário, incluindo os fins de semana. Sair, nem pensar, pois o cansaço não deixa. “O preparo mental é o mais difícil, há dias em que fico muito deprimida, pensando nisso o tempo todo, sem saber o curso que quero de verdade e, tudo isso, num ano decisivo”, relata.
A mãe de Isabella, a engenheira civil Ivana Maria Diniz Silveira, de 47, preferia que a filha tivesse um ritmo menos puxado. “Acho que é pesado, mas a deixamos fazer o que quer, para, se não passar, não dizer que isso ocorreu porque não investimos”, diz. Para Ivana, o sofrimento dos pais é outro fator a ser controlado: “Às vezes, ficamos com tanta expectativa que bagunçamos tudo. Não sei se vou transmitir algum nervosismo para ela e estou tomando cuidado com isso”.
A secretária Alessandra Dias Rios, de 42, acompanha a filha, literalmente, de perto. Ela trabalha no L’Hermitage, onde Jade Rios Campos, de 17, faz o 3º ano do ensino médio. A estratégia é exigir, mas sem exagerar na dose. “Ela já se cobra bastante, então, não podemos fazer o mesmo, senão ela pira. O pai cobra mais, acha que ela é capaz, fala que o mercado está concorrido e que, hoje, ou você é bom ou não é, sem meio-termo”, conta. A adolescente faz cursinho à noite e, para relaxar, tenta não estudar nos fins de semana. “Os professores falam que o tempo de brincar acabou, se não passarmos este ano tem outra chance, mas o melhor é definir agora. Tenho que passar, pensar no futuro. Meus pais são tranquilos, porque veem meu esforço, mas tem aquela cobrança. O pai quer ter o orgulho de ver o filho passar”, diz.
Psicóloga do Colégio Técnico (Coltec) da UFMG, Fabíola de Oliveira Lima concorda que o funil para entrar na UFMG está cada vez mais apertado. “A maior parte do acesso aos cursos mais concorridos da universidade continua sendo de estudantes de escolas particulares de qualidade. Não vejo avanço nesse sentido. A proporção entre o número de vagas e de candidatos é muito grande e a nota de corte para cursos mais concorridos, como medicina e engenharia, é altíssima. Historicamente, o gargalo aperta”, avalia.
CONSEQUÊNCIAS O professor José Francisco Soares, da Faculdade de Educação da UFMG, diz que é natural que uma instituição com a qualidade da Federal de Minas estimule a inscrição de estudantes de outros estados e, assim, acirre a concorrência. Ele vê com bons olhos essa possibilidade de migração entre estudantes de diferentes partes do país, a exemplo do que ocorre em universidades mundo afora. “Tenho simpatia por esse sistema, pois é preciso acabar com essa coisa paroquial e fechada, essa história de que você nasceu e convive na mesma cidade”, diz. Soares concorda que o resultado da equação de Enem, Sisu e a aprovação das cotas nas instituições federais de ensino superior tornou a concorrência ainda mais difícil, especialmente para um segmento: os alunos dos colégios que atendem a classe média alta. E alerta: “Isso terá uma série de consequências sobre as quais ainda não se tem clareza”.
Palavra de especialista
Fabíola de Oliveira Lima - psicóloga do Colégio Técnico (Coltec) da UFMG
Vida e ambiente em equilíbrio
“Os alunos devem ter condição de trabalhar o aspecto emocional, que é o outro lado do aspecto cognitivo. É como se fosse uma moeda transparente, que você olha para uma face e vê o reflexo da outra. A ansiedade pode ser benéfica, mas se demais, é ruim, causando bloqueios, brancos, processos de fobia e depressão, tudo reflexo dessa cobrança. A grande questão é que todo resultado é consequência de um processo. O 3º ano do ensino médio não é o divisor de águas. A regularidade e a boa fundamentação do aluno é que farão a diferença. O importante é que as famílias estejam atentas e o jovem desenvolva a disciplina e a relação com o conhecimento, que é a proposta do Enem. As escolas também ainda estão batendo cabeça para saber como preparar melhor. É importante o aluno ter uma vida equilibrada e um ambiente tranquilo em casa, em que os pais sejam firmes, mas com ternura e tranquilidade”