(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas

Cresce a migração de alunos das escolas particulares para universidades públicas

Nas cidades onde as universidades federais já adotavam políticas inclusivas, deixar o colégio particular e procurar uma vaga na rede pública é cada vez mais frequente


postado em 08/09/2012 06:00 / atualizado em 08/09/2012 07:09

Enquanto na capital os pais só agora analisam a possibilidade de um retorno à escola pública, no interior, a decisão tem sido cada vez mais comum. Nas regiões com universidades federais nas quais a reserva de vagas para estudantes dessa rede de ensino já era adotada como ação afirmativa, esse movimento ganha força a cada dia. Em Diamantina, no Vale do Jequitinhonha, a qualidade do ensino gratuito é reconhecida por pais e estudantes, uma vez que muitos professores lecionam em universidades. Por isso, quando decidiu tirar o filho Jonatan Barroso Moreira, de 17 anos, de uma escola particular, a inspetora escolar Jeanneth Maria Antunes levou em consideração, em primeiro lugar, esse aspecto.

Mas a entrada em vigor de cotas para o vestibular na Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), em 2010, se tornou mais um quesito atraente na decisão. “Quando começou esse sistema, pensei assim: o que vai ser da gente, já que os outros estudantes têm esse benefício e nós não temos? O meu filho estuda num bom colégio particular, então vou procurar uma escola pública do mesmo nível”, conta Jeanneth.

A opção foi matricular Jonatan, que está no 3º ano do ensino médio, no Colégio Tiradentes, da Polícia Militar de Minas Gerais. “Ele cursou o ensino fundamental na rede pública, fez de 5ª a 8ª série na particular e, em 2010, retornou a uma instituição pública que valoriza o conhecimento”, conta a inspetora. Na sala da casa, que fica bem próxima à escola, o adolescente diz que fez muitos amigos no novo colégio. “A minha adaptação foi rápida, embora os regimes sejam bem diferentes, sendo o atual mais rígido do que o outro. Hoje, visto a camisa do Colégio Tiradentes e toco até na fanfarra”, diz Jonatan, que pretende fazer vestibular em Belo Horizonte, João Monlevade, na Região Central, e Viçosa, na Zona da Mata para engenharia civil. Ao ouvir o filho, Jeanneth comentou, pensativa: “Se não houvesse o sistema de cotas, não sei se teria tirado o meu filho de uma escola particular, mesmo pagando uma mensalidade alta”.

A UFVJM destina metade das vagas a estudantes que tenham cursado todo o ensino médio e 50% de toda a vida escolar na rede pública. A coordenadora da Comissão Permanente de Processos Seletivos (Copese) da universidade, Ione Andriani Costa, não soube informar os números, mas garante que houve aumento significativo de estudantes oriundos de escola pública na instituição de ensino superior. De olho numa vaga no curso de medicina, que será aberto no ano que vem na UFVJM, a estudante Nayara Martins Zille de Miranda, de 17, se mudou de Curvelo, na Região Central, para Diamantina.

“Aqui, a escola pública é boa e tem muita gente vindo das particulares para a rede estadual pensando nas cotas”, diz a jovem, destacando que, antes de mais nada, é fundamental que a instituição seja de qualidade. “As cotas são realmente um grande incentivo e facilitam o acesso a um curso como o de medicina”, explica. Ela diz que o Colégio Tiradentes, onde está no 3º ano do ensino médio, tem um ensino mais apertado e carga horária maior do que a sua escola anterior. “Agora, estudo muito mais. São seis horas na sala de aula, mais duas horas em casa e ainda faço aulas particulares à noite. Além disso, há mais disciplina e rigidez”, diz Nayara, que pretende ser médica obstetra.

NOVO ARRANJO

No Campo das Vertentes, na Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), também há cotas para estudantes de escola pública desde o vestibular 2010. Metade das vagas de cada curso é reservada para esse público. O professor Everson Teixeira, presidente da Comissão Permanente de Vestibular (Copeve) disse que a mudança na instituição refletiu, principalmente, nos cursos mais procurados, como medicina, psicologia e engenharia. “Como havia uma prevalência de cursos noturnos, já tínhamos muitos egressos da escola pública, pois atendíamos muitos trabalhadores de empresas da região. Mas, depois das cotas, a situação nesses cursos mudou. Em medicina, por exemplo, tínhamos 100% de estudantes vindos de colégios particulares. Agora, não é mais assim”, diz. As estatísticas da universidade mostram aumento significativo no número de inscritos no vestibular e de matriculados que estudaram em escola pública. O professor explica que a proporção final não é de 50% para estudantes de escola pública e 50% para a particular, pois o estudante nem sempre opta pela cota. E, em caso de desistência das vagas de ampla concorrência, ela é sempre ocupada por um cotista.

O professor relata que, no início, foram vários os processos de candidatos que se sentiram prejudicados por terem obtido nota superior à de cotistas, mas a Justiça entendeu que a ação afirmativa é legal e um direito dos atendidos por ela. Quanto ao desempenho dos beneficiados pelas cotas, Teixeira diz que não há diferença entre os aprovados pelo sistema de ampla concorrência e aqueles que entraram via cotas. “A nota de corte dos candidatos de ações afirmativas é menor, mas quando ele se torna aluno todos ficam no mesmo nível. Em alguns casos, os da ação afirmativa são até melhores”, relata.  Agora, a universidade aguarda a regulamentação da Lei das Cotas para se adequar aos critérios do legislação. Everson Teixeira avisa: “Ela tem que acabar um dia, pois cota é só para corrigir uma distorção. A ideia é que o governo olhe para a escola pública. O pai que investiu com muito sacrifício no estudo do filho, até sem condição, é o maior prejudicado”.

UFMG reflete a nova realidade

Na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o aumento no número de aprovados egressos da escola pública desde a adoção do bônus é outro sintoma do acirramento da concorrência. Em 2008, entraram na maior universidade do estado 33,01% de estudantes da rede pública de ensino, contra 66,99% da particular. No ano seguinte, o primeiro com o benefício que leva em consideração a rede de ensino e a raça, os egressos das escolas gratuitas saltaram para 44,72%. No último vestibular, eles representaram 47,45% dos aprovados. Com as cotas, a expectativa é que essa proporção aumente ainda mais.

São estatísticas como essa que estão tirando o sono da comerciante Clotildes Junqueira Valaci Pena, de 42 anos, que está indecisa sobre o próximo ano escolar da filha Fernanda, aluna do 9º ano de uma escola particular de Coromandel, no Alto Paranaíba. Há até muito pouco tempo, o destino da adolescente já estava traçado: ela estudaria o ensino médio, a partir do ano que vem, no melhor colégio privado de Uberlândia, um dos líderes de aprovação na Universidade Federal de Uberlândia (UFU), no Triângulo Mineiro, distante 170 quilômetros da cidade onde moram. Com a Lei das Cotas, Clotildes resolveu rever a situação. “Quem é pai pensa: põe o filho na pública e paga um cursinho ou um reforço de redação, de matemática. Ou até mesmo paga uma escola particular para o filho fazer aula como ouvinte. Hoje o menino que quer fazer medicina, por exemplo, faz três ou quatro anos de cursinho se ele não for muito bom. Então, que se invista diretamente nisso”, diz.

A comerciante aguarda apenas a regulamentação das regras, prevista para ocorrer até o fim do mês, para ver quais serão as chances da filha dentro das cotas. “Minha decisão era levá-la para a escola pública imediatamente, mas resolvi aguardar o posicionamento da universidade, pois a própria instituição está perdida ainda. Minha filha não se adequará ao critério de renda nem de raça, então, prefiro esperar”, diz. Ela cobra investimento no ensino básico para que todos tenham condições de disputar com chances iguais e diz que está muito preocupada. “Quero dar à minha filha uma educação de qualidade, mas cheguei a um ponto em que não estou sabendo tomar a decisão.”

A aposta nos cursinhos, como prevê Clotildes, gera expectativa de antemão. O diretor do Colégio e Pré-Vestibular Chromos, Aimã Sampaio, acredita numa alteração significativa no cenário educacional, mas acha o momento incipiente para apostas. Para ele, é preciso esperar a institucionalização das novas regras e a divulgação maciça nas escolas públicas sobre a reserva de vagas. Sampaio lembra que a expansão das faculdades particulares e o acesso mais direto à universidade, com o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), fizeram o mercado de pré-vestibulares encolher e alguns se tornarem colégios. “Espaço para o colégio particular sempre haverá, assim como para o cursinho. Sobreviverá quem se pautar pela qualidade e pelo direcionamento”, afirma.


receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)