Jornal Estado de Minas

Escola de Veterinária da UFMG comemora 80 anos de paixão pelos animais


A captura, na noite de domingo, no Santuário do Caraça, de uma fêmea de lobo-guará e a posterior cirurgia para retirada de um tumor no pescoço do animal mostraram o zelo com a fauna silvestre e a importância do médico veterinário na salvação do símbolo da instituição de Catas Altas, na Região Central. Exatamente no dia comemorativo da profissão, o veterinário Jean Ciarallo, de forma voluntária, esperou com paciência durante horas até que conseguisse prender o canídeo num cômodo e fazer os procedimentos necessários. Agora, Beta, apelido da loba, está integrada à natureza e os padres do Caraça aguardam o seu retorno para, como ocorre há 30 anos com gerações e gerações de guarás, servir-lhe carne, numa bandeja, na porta da primeira igreja neogótica do Brasil.

O episódio ocorreu numa semana de comemorações para milhares de médicos-veterinários mineiros. Na quinta-feira, no câmpus da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), na Pampulha, em Belo Horizonte, foi inaugurado o espaço de exposições do Centro de Memória da Veterinária (Cememor-Vet) e lançado o livro Uma história da veterinária: exercício e aprendizagem de ferradores, alveitares e veterinários em Minas Gerais e a Escola de Veterinária da UFMG, do historiador e professor da universidade José Newton Coelho Meneses. Os eventos lembram os 80 anos de criação do curso de veterinária da universidade, sete décadas de transferência do curso de Viçosa, na Zona da Mata, para a capital, e ainda o jubileu de ouro da turma formada em 1962.

Uma das surpresas maiores, nessa história, é saber que o curso da Federal nasceu em Viçosa, na então Escola Superior de Agricultura e Veterinária do Estado de Minas Gerais (Esav), e sofreu várias mudanças de endereço até chegar, em 1974, ao câmpus da Pampulha. Mas bem antes disso, em 1919, já havia uma escola particular em Belo Horizonte que funcionava no Ginásio Mineiro, na esquina da Avenida João Pinheiro com Rua Timbiras. “Durou até 1939, quando já estava no Bairro Santo Antônio, na Região Centro-Sul, atrás do antigo prédio da Fafich”, conta José Newton, também formado em veterinária.

Mudanças

Em 1926, foi aprovado o projeto de instalação do curso de veterinária na Esav, mas ela só ocorreu em 1º de março de 1932. Dez anos depois houve o desmembramento da instituição e ele foi transferido para BH, recebendo o nome de Escola Superior de Veterinária, subordinado, então, ao Departamento de Ensino Técnico da Secretaria de Agricultura, Comércio e Trabalho do Estado de Minas Gerais.

O local escolhido para sediar a unidade de ensino foi o Bairro da Gameleira, na Região Oeste, onde hoje está o Parque de Exposições e a Fundação Ezequiel Dias (Funed).

Em 1948, informa José Newton, foi criada a Universidade Rural de Minas Gerais (Uremg), reunindo as escolas de Viçosa e Belo Horizonte, até que, em 1960, a unidade da capital vai para o Bairro Nova Gameleira, onde agora está o câmpus 2 do Cefet/MG. As mudanças não pararam e, no ano seguinte, no seu último ato como presidente da República, Juscelino Kubitschek (1902-1976), federaliza as duas escolas, incorporando a de BH à Universidade de Minas Gerais, posteriormente UFMG. Fotos antigas do acervo do Cememor-Vet permitem uma viagem no tempo: além do presidente JK com a direção da escola, há o registro da missa campal de inauguração da Esav, o comboio chegando com o presidente da Getúlio Vargas (1882-1954 ) a Viçosa, salas de aula e estudantes atentos a uma cirurgia na Gameleira.

Pioneirismo

Quem chega ao prédio da escola de veterinária não deixa de admirar a escultura O boi, feita por Jarbas Juarez, em 1973, um ano antes da mudança da unidade para o câmpus da Pampulha. “Hoje ela é o símbolo da escola”, diz José Newton. Ele lembra que, em 80 anos de trajetória, quando milhares de profissionais se formaram, a instituição ampliou o seu horizonte de atuação. “Há uma demanda social grande pela profissão. E a escola da UFMG, considerada uma das melhores do país, abrange quatro campos, que são clínica e cirurgia; medicina veterinária preventiva (zoonoses); zootecnia (melhoramento de animais para produção de alimentos); e tecnologia de alimentos e inspeção.

Para o diretor José Aurélio Garcia Bergmann, a escola UFMG é fruto de “mentes idealistas e personalidades incansáveis e, nos seus 80 anos, reafirma o pioneirismo e excelência no ensino, pesquisa e extensão, tendo formado mais de 5 mil veterinários”.

Graduado em 1964, mestre em 1973 e doutor em 1994 pela UFMG, o professor emérito da universidade Élvio Carlos Moreira, de 73 anos, sempre teve como objetivos exercer o magistério e desenvolver pesquisa científica. “Desde a minha adolescência, em Santa Bárbara, onde nasci, pensava em trabalhar na área da ciência animal”, diz Élvio, morador de BH. “Minha preocupação permanente é o ser humano. Desde jovem, eu queria melhorar a situação de vida do brasileiro, matar a fome da população, por meio da oferta de bovinos, suínos e aves”, explica Élvio, atento também às doenças transmitidas ao homem. “A escola atendeu as minhas expectativas, pois tinha um projeto pedagógico”, revela.

Tempos da alveitaria

Como parte das comemorações dos 80 anos do curso de veterinária da UFMG, que vão até março, está aberta, de segunda a sexta, das 8h às 17h, a mostra Ars Veterinaria, que marca a inauguração do espaço de exposições do Centro de Memória da Veterinária (Cememor-Vet), no prédio do câmpus da Pampulha. Painéis e textos contam a história da profissão veterinário, prestam homenagem ao ofício e destacam a relação do homem com a natureza. Segundo professor José Newton, a primeira escola de veterinária do mundo foi criada em Lyon, na França, em 1762, mas foi a Escola Nacional de Veterinária da França, em Paris, que teve influência sobre o ensino no Brasil, depois da visita ao local de dom Pedro II (1825-1891). O imperador convidou o diretor da instituição, Louis Pasteur (1822-1895), para vir ao Brasil, mas ele não pôde aceitar o convite.

De Petrópolis (RJ), antes de viajar para a Europa, o imperador escreveu à sua filha, a Princesa Isabel (1846-1921), e pediu que ela criasse duas escolas, uma de farmácia e, principalmente, uma de veterinária. A primeira escola só seria criada no período republicano, em 1914, no Exército.

 

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