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Estado de Minas

Conheça os rostos por trás das Cotas

Qual o perfil e o que pensam estudantes de escolas públicas que estarão entre os principais beneficiários da reserva de vagas nas federais


postado em 17/10/2012 06:00 / atualizado em 17/10/2012 07:42

Carolina da Silva e Alessandra Rodrigues acreditam que a nova política torna a disputa mais leal, mas se preparam para o preconceito(foto: Fotos: Leandro Couri/EM/D.A Press)
Carolina da Silva e Alessandra Rodrigues acreditam que a nova política torna a disputa mais leal, mas se preparam para o preconceito (foto: Fotos: Leandro Couri/EM/D.A Press)


Antes de o novo sistema de cotas no ensino superior ser regulamentado pelo Ministério da Educação (MEC), muitos estudantes da rede pública em Minas estavam a ponto de desistir de disputar o vestibular em instituições federais. Sentiam-se como se começassem o jogo com muitos pontos atrás dos colegas de escolas particulares. A reserva de metade das vagas para alunos do ensino gratuito  tem potencial para reduzir essa desigualdade, mas não são poucos os candidatos que temem ser discriminados por quem concorreu pelo sistema universal. É o que revela a maioria dos alunos ouvidos pelo Estado de Minas. Embora a defesa do sistema seja quase unanimidade, parte dos beneficiários acredita que a nova política possa trazer problemas e pede mudanças na proposta. Mas há também quem rejeite de todo a novidade.

Nessa terça-feira, entre 19 alunos ouvidos – todos matriculados no terceiro ano do ensino médio ou formados em 11 escolas públicas de Belo Horizonte e inscritos no próximo vestibular da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) – ainda havia quem não conhecesse bem as novas regras do MEC, fixadas em decreto divulgado na segunda-feira. Segundo elas, neste primeiro ano, pelo menos 12,5% das vagas do vestibular passam a se destinar a quem cursou todo o nível médio no ensino gratuito. A meta é chegar, ao fim de quatro anos, à reserva de metade de todas as vagas ofertadas. Do total destinado aos cotistas, 50% das matrículas são garantidas a candidatos de famílias com renda inferior ou igual a um salário mínimo e meio por pessoa. Além disso, as cotas devem contemplar quem se declarar negro, pardo ou indígena, em proporção igual ou superior à desses grupos na população do estado onde se localiza a instituição de ensino superior.

“Tem gente de escola particular que, no primeiro ano do ensino médio, já aprende matérias que eu só vi agora, no terceiro ano”, constata Alessandra Rodrigues Prado, de 17 anos, aluna da Escola Estadual Pedro II, no Centro de BH. Mas a jovem acredita que, caso seja aprovada pelo sistema de cotas, sofrerá preconceito. “Já estou preparada para isso. O povo pode achar que só estou ali (na faculdade) porque fui privilegiada, mas não tem nada a ver”, diz. Sua colega Carolina Nogueira da Silva, também de 17, tem o mesmo receio: “Creio que vai rolar preconceito, mas não vou me abalar por causa disso. O importante é que conseguirei entrar (na universidade)”. Para as duas, a reserva de vagas apenas torna a concorrência mais leal. “Os alunos da rede particular têm uma base melhor do que nós”, avalia Alessandra, que seria a primeira na família a ter diploma superior, para alegria dos pais, auxiliares de enfermagem.

Ela afirma que se declarará parda na inscrição do vestibular da UFMG, no qual tentará o curso de psicologia, mas admite considerar injusta essa prerrogativa. “Na escola, todos recebem o mesmo ensino e se dá melhor quem mais se esforça. Na tentativa de corrigir uma desigualdade, o governo criou outra”, analisa. A opinião é compartilhada por Pablo Júnior Abreu, de 16 anos, estudante do Instituto de Educação de Minas Gerais, que aprova as cotas para a rede pública, mas questiona o critério racial. “Essa diferenciação reforça o racismo. É como se negro, pardo ou indígena fossem menos capazes”, avalia Pablo, futuro administrador, que se declara negro. Jorge Diniz Neto, de 24 anos, discorda. O rapaz, que cursou o ensino médio em escolas públicas de sua cidade natal, Monjolos, na Região Central do estado, acredita que as cotas ajudam a liquidar uma dívida histórica que o Brasil contraiu com essa parcela de seus habitantes. “A maioria dessas pessoas é pobre, elas foram muito exploradas no passado”, justifica.

Jorge, que quer estudar medicina, defende que a proporção de vagas reservadas deveria ser maior que 50%. “O percentual deveria ser igual ao de pessoas que estudam em escola pública, a maior parte da população”, diz. A proposta de Érika Karoline Martins, de 17, também aluna do Instituto de Educação, é ainda mais radical. “Deveria haver um limite de renda para cursar a universidade pública, que deveria receber somente quem não tem condições de pagar uma instituição particular”, sugere ela, outra que pretende disputar uma cadeira em medicina. Já para Maria Carolina Martins, também de 17, estudante da Escola Estadual Presidente Dutra, as cotas precisam ter vida curta: “Apenas enquanto o governo não melhorar o ensino”.

Esperança renovada

O novo sistema de cotas também dá novo alento a quem já foi reprovado em algum vestibular. É o caso de Sérgio Luis de Faria Júnior, de 19, que cursou o ensino médio no Colégio Tiradentes, da rede estadual. No ano passado, ele fez provas para medicina na UFMG e, após o insucesso, ficou desanimado. Achou que o jeito seria arrumar logo um emprego ou fazer um concurso público. Primeiro, trabalhou como operador de telemarketing. Agora, é atendente de um cursinho pré-vestibular. As cotas lhe deram nova esperança e ele decidiu tentar medicina veterinária, “que é menos concorrida”. Sérgio acha que, sem a reserva, a concorrência é muito desigual. “De forma geral, o aluno de escola pública não consegue alcançar o da particular, por mais que seja esforçado”, avalia.

O estudante só tem uma crítica à proposta do MEC. “As regras teriam que ajudar também o deficiente físico, que tem mais dificuldade em sua formação educacional. Em geral, ele não se sente aceito pelos colegas, não sente confiança para participar de projetos na escola”, diz ele, que não tem parte do braço esquerdo. Assim como ele, Gilmara Sarita de Almeida, de 20, já tentou entrar na UFMG, por duas vezes, uma para engenharia ambiental e a outra para odontologia. Agora, vai tentar uma vaga em enfermagem. Nesse meio-tempo, também precisou arrumar emprego, para ajudar em casa.

Apesar das dificuldades, Gilmara é contra qualquer reserva de vagas. “O nível dos estudantes da UFMG tende a diminuir com as cotas, o curso vai perder em qualidade. As pessoas devem ser selecionadas apenas pelo mérito, pelo conhecimento”, ressalta. A estudante diz que, se tivesse tido uma formação melhor, buscaria uma cadeira em medicina. “Não tive condições de pagar uma escola boa”, lamenta. Ela admite sentir-se “um pouco chateada” por não ter tido uma formação de alto nível. “Mas, se outra pessoa pôde ter, parabéns a ela, que teve condições de bancar. O que tenho que fazer é correr atrás do que perdi”, conclui.

Fala estudante

 

"A universidade pública deveria receber somente quem não tem condições de pagar uma instituição particular" Érika Karoline Martins, de 17 anos, candidata a medicina

"As regras teriam que ajudar também o deficiente físico, que tem mais dificuldade em sua formação educacional" Sérgio Luis de Faria Júnior, de 19 anos, candidato a veterinária

"Essa diferenciação reforça o racismo. É como se negro, pardo ou indígena fossem menos capazes" Pablo Júnior Abreu,
de 16 anos, candidato a administração

"O nível dos estudantes da UFMG tende a diminuir. As pessoas devem ser selecionadas apenas pelo mérito" Gilmara Sarita de Almeida, de 20 anos, candidata a enfermagem


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