Na Universidade de Brasília (UnB), mestres e doutores acampam próximo à reitoria. Eles obtiveram o título no exterior e querem revalidar o diploma para serem reconhecidos no Brasil. Não se trata de nenhuma manifestação. Uma vez por semestre, lá estão as barracas para garantir os primeiros lugares na fila. A UnB aceita apenas seis processos de mestrado e seis de doutorado para cada um dos 86 programas de pós-graduação. Quem não conseguir entrar nesse grupo tem que esperar mais um semestre.
Não há um número oficial, mas segundo a Associação Nacional dos Pós-Graduados em Instituições Estrangeiras de Ensino Superior (Anpgiees), cerca de 20 mil já iniciaram o processo e aguardam para ter o diploma revalidado. Cada instituto define as exigências para a revalidação e a cobrança de uma taxa, que ultrapassa os R$ 1 mil. O tempo para a revalidação também varia. Segundo o presidente da Anpgiess, Vicente Celestino de França, o processo que deveria durar seis meses chega a dois anos e até a dez. Aqueles que deixaram a família e gastaram boa parte das reservas para estudar fora reclamam do descaso e das dificuldades para ter o diploma reconhecido.
A UnB começou a receber os processos na última segunda-feira (26). Nos primeiros dias, foram 30 solicitações de revalidação. As vagas para educação, direito e administração já estão esgotadas. A universidade recebe processos até outubro. A restrição de vagas foi decidida para que os seis meses fossem cumpridos e a instituição conseguisse atender à demanda.
Com o procedimento, no entanto, muitos ficam de fora. É o caso de Vanderlan Bittencourt Rodrigues, formado em química pela UnB e que fez o mestrado em educação em Assunção, no Paraguai. Ele voltou para o Brasil e está há dois anos tentando a revalidação. Para fugir da fila na UnB, Vanderlan buscou outro instituto. Já apresentou todos os documentos necessários, mas sempre há algo faltando. "No início do processo, eu não sabia que ia ter essa dificuldade", diz.
"Foi um esforço muito grande para terminar o mestrado. Estudei muito. Venci todas as disciplinas e o período de orientação, quando se lê a dissertação, pode-se ver a seriedade com que foi tratado o estudo". Rodrigues vai entrar com um novo processo de revalidação em outra universidade. Faz questão de ter o diploma de mestre.
Por lei, devem se submeter ao processo inclusive aqueles que receberam bolsas do governo, como os estudantes de doutorado pleno do programa Ciência sem Fronteiras (CsF). A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96) determina que os diplomas só podem ser reconhecidos por universidades que tenham cursos de pós-graduação reconhecidos e avaliados na mesma área de conhecimento, em nível equivalente ou superior.
A suposta falta de equiparação com o curso oferecido fez com que Denir Machado não obtivesse o reconhecimento do título de mestre em administração de empresas pela Universidade de Durham, no Reino Unido. Ele entrou com o processo na Universidade Estadual de Londrina (UEL). Para fornecer toda a documentação em conformidade com os requisitos da instituição, Machado gastou R$ 7,5 mil. Dois anos depois, recebeu informação de que o pedido foi recusado.
Na época ele trabalhava em uma universidade, que decidiu afastá-lo em licença não remunerada até a conclusão do processo de revalidação. "Em nenhum momento, o coordenador do curso ou a UEL informaram, depois de quase dois anos, desde o nosso primeiro contato em 2011, que eu estava em perigo de ser rejeitado", explicou. O futuro da escolha pela carreira acadêmica, segundo ele, será "provavelmente mendigando nas ruas com o certificado de mestrado".
Os sacrifícios para obter o título no exterior foram muitos: "Tomei a decisão em conjunto com a minha família, de vender tudo o que tinha. Larguei meu emprego porque a empresa não demonstrou interesse em investir no meu desenvolvimento profissional. Deixei minha esposa e meu filho de 3 anos de idade para viver na casa da minha sogra, de modo que eu pudesse fazer o mestrado no exterior".
Machado não pretende entrar tão cedo com outro processo de revalidação. "Revalidar o meu diploma é o que mais desejo e necessito, entretanto estou, por meio de um advogado, abrindo um processo contra a UEL. Ao mesmo tempo, penso em buscar outra universidade, mas até o momento não há nada em vista, porque é um árduo trabalho e, ao mesmo tempo, não gostaria de gastar novamente o valor que já investi em todo o processo".
O pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade de Londrina, Mário Sérgio Mantovani, explica que o processo de revalidação passa pelo curso de pós-graduação, depois por colegiado, seguindo para a Câmara de Pós-Graduação e, por fim, para o Conselho de Pesquisa e Extensão. O processo envolve também a apresentação da dissertação ou da tese a uma banca de três professores. A taxa cobrada, segundo Mantovani, restringe os processos apresentados e dá mais agilidade.
"Se a validação não saiu é porque o curso não se enquadra. Não temos tido recusa por mérito, recebemos bons trabalhos, mas porque a linha de pesquisa não é semelhante à que temos", explica o pró-reitor. Ele reconhece que esse é um problema e diz que uma solução seria a centralização dos processos de revalidação. "Deveria haver uma porta de entrada única, que distribuísse os processos às instituições que têm linhas de pesquisa semelhantes, para as pessoas não ficarem perdidas nesse sistema".
Outra proposta que agilizaria o processo, segundo a Anpgiees, é a regulamentação, em leis nacionais, de acordos internacionais, como o Mercosul. Assinado por Lula, o Decreto 5.518/05 promulga o acordo de admissão de títulos e graus universitários para o exercício de atividades acadêmicas nos países que fazem parte do bloco. "Os demais países do Mercosul seguem o acordo e reconhecem os diplomas brasileiros automaticamente. Aqui isso não é feito", diz Vicente de França.
Na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei (PL) 1.981/2011 propõe a revalidação automática de títulos de pós-graduação expedidos por instituições ou estabelecimentos de ensino superior estrangeiros, situados em quaisquer dos países do Mercosul, quando o fim visado for unicamente o exercício de atividades de docência e pesquisa nas instituições de ensino superior no Brasil. O PL aguarda parecer da Comissão de Educação e ainda vai passar pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Casa.
Quem ainda não obteve o diploma já se preocupa com o processo que terá que enfrentar. A enfermeira Wandecleide Fernandes está no último ano do doutorado em saúde pública em Assunção, no Paraguai. O estudo que está desenvolvendo é inédito no Brasil. Ela diz que poderia ficar no Paraguai, onde teria o título reconhecido mais facilmente, mas faz questão de voltar para o país. "Quando já tinha iniciado o curso, soube da morosidade. Não desanimei. Estou satisfeita de ter estudado fora, vale muito a pena. Mas desde já luto por uma melhora no processo de revalidação", observou.