Junia Oliveira
O “r” está mais puxado, o “s” mais chiado, tem gente falando mais devagar e até cantado. O sotaque tipicamente mineiro ainda impera, mas os ouvidos já escutam outros jeitinhos de falar. Um mês e meio depois do início das aulas na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), integração e multiculturas são as palavras-chave para expressar a diversidade no câmpus na era do vestibular feito pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu). Calouro de fora? Todo mundo conhece alguém. Tem estudante de Brasília, Goiás, Piauí, São Paulo, Rio de Janeiro e por aí vai. Para concretizar o sonho de entrar no ensino superior e estudar numa instituição de referência nacional, teve quem atravessasse o país, saindo do Amapá e desembarcando nas Gerais.
Morador de Macapá, foi preciso pegar o avião às 7h, fazer escala em Belém, chegar a Brasília às 12h e esperar até as 16h para embarcar para BH. Chegando à capital mineira, Gustavo ainda enfrentou cinco horas de ônibus até Juiz de Fora para encontrar a mãe, que faz mestrado na federal da cidade (UFJF).
O curso escolhido não é oferecido na federal do Amapá nem em grande parte das universidades. “Quando soube que havia aqui, me interessei profundamente. Não queria ir para uma cidade como São Paulo, que considero ruim em termos de qualidade de vida, com muita poluição e violência. BH é grande, mas é mais confortável”, diz. Gustavo sabia que seguiria carreira acadêmica, mas não naquele estado, onde a educação, segundo ele, carece de melhorias. “A universidade tem menos de 25 cursos e é muito criança. Tem 30 anos e poucos mestrados”, conta.
O primeiro desafio foi conseguir lugar para morar. Ele divide apartamento no Bairro Liberdade, vizinho à UFMG, com um colega da engenharia elétrica, que conheceu no dia da matrícula. “Foi um alívio, porque não queria morar em república. Gosto de estudar, ler, ter meu canto”, diz. De BH, conheceu pouco – Centro, algumas bibliotecas e uma livraria que tem uma seção de especializados em antropologia. A adaptação está sendo fácil e ele torce para que a mãe também se instale em BH, no terceiro quarto do apartamento. O orgulho dessa vitória está em cada palavra, dedicadas à mãe, que lutou contra um câncer, acordou de um coma e, depois, ainda concluiu a graduação em letras e cuidou dos dois filhos: “Tento render ao máximo no meu curso porque sei da batalha dela para eu estar aqui”.
RECOMEÇO No curso de direito, tem quem largasse uma carreira para trás para começar, literalmente, uma nova vida. Diego Molina, de 34, é formado em ciências da computação e abriu mão dos nove anos em que trabalhou na área e de um namoro de seis. Ele conta que fez o Enem para se “desenferrujar” antes de enfrentar o vestibular da PUC-SP, onde chegou a se matricular em direito. Na época do Sisu, teve a ideia de tentar uma federal. “Não estava contente com a carreira nem com a vida que eu levava”, conta.
Morando no Centro de BH, próximo à Faculdade de Direito, gosta de poder fazer quase tudo a pé, seja estudar, ir aos bares ou ao Mercado Central, ponto de compra do seu queijo canastra. “BH era o que eu estava procurando. É uma cidade grande, mas não tanto quanto São Paulo”, relata. Ele só lamenta que a Faculdade de Direito ainda não esteja incorporada ao câmpus Pampulha, onde tem algumas aulas. “Poder conviver com o pessoal de outros cursos é muito legal.”
Colega dele, Matias Paloschi, de 19, também do direito, veio de Brasília e se inscreveu na UFMG depois de tentar quatro vezes o vestibular da Universidade de Brasília (UnB). Não quis saber mais: pôs direito noturno e diurno, na UFMG, como primeira e segunda opções. “Cheguei à conclusão de que teria um aprendizado maior se eu fosse para um lugar diferente, onde não conhecesse ninguém. Tinha medo de a faculdade ser uma continuação do ensino médio”, diz. “Nessa situação, você não cria expectativas, mas BH me surpreendeu. Professores e o pessoal da cidade foram muito receptivos”, afirma.
O Mercado Central, a Igreja da Pampulha e o Estádio do Independência já foram visitados. O “time do coração” é o Atlético, graças ao empurrãozinho de amigos. “As três primeiras meninas que conheci falaram que eram atleticanas e queriam me levar ao jogo”, diz o jovem sorridente. O preço do pão de queijo também o impressiona. “Em Brasília, custa R$ 3. Aqui, é R$ 1,20. Como todo os dias”, brinca.