Ler, interpretar, argumentar e pôr no papel ideias claras e objetivas. Além de ter conteúdos na ponta da língua e saber aplicar na realidade aspectos da teoria, quem quer se dar bem no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deve dominar também a escrita. Na segunda matéria da série especial sobre as áreas de competência da avaliação mais importante do país, o Estado de Minas desvenda hoje os mistérios da prova de redação. Nela, selecionar, raciocinar, organizar e trabalhar informações, fatos e opiniões em defesa de um ponto de vista pode carimbar o passaporte para a universidade. Ao escrever, o candidato deve demonstrar engajamento social e, claro, não tropeçar na gramática.
O aluno recebe nota zero se fugir totalmente ao tema, não obedecer à estrutura dissertativo-argumentativa, escrever um texto com até sete linhas, desrespeitar os direitos humanos ou entregar a folha em branco, mesmo que haja texto na folha de rascunho. Desde o ano passado, quem escreve “gracinhas” também tem tolerância zero e erros gramaticais estão sujeitos a punição. A desobediência à norma culta da língua só será aceita em casos excepcionais, desde que não caracterize reincidência. “A prova de redação avalia o domínio da expressão escrita, competência fundamental de quem completa a educação básica e vai enfrentar os desafios de uma universidade. É nela que se pode avaliar o nível de letramento do estudante”, afirma a professora de redação do Colégio Santo Antônio, Giovanna Spotorno.
Ela ressalta que a primeira preocupação do estudante deve ser com a adequação ao tema e, nesse quesito, até mesmo os bons candidatos correm risco de se desviar do assunto. “No último Enem, por exemplo, cujo tema foi ‘Efeitos da implantação da Lei Seca no Brasil’, o recorte indicava discutir os efeitos da lei, não suas causas. Também não era suficiente a simples descrição dela”, afirma.
A prova, que será aplicada em 8 de novembro, segundo dia dos testes, sempre exige um texto dissertativo-argumentativo, o que pressupõe defesa de um ponto de vista. Por isso, na opinião da professora, essa é uma grande dificuldade dos estudantes, pois exige leitura de mundo e conhecimento prévio para fundamentar posicionamentos. Para este ano, Giovanna aposta na cobrança de temas relacionados à crise energética e a alternativas mais sustentáveis de geração de energia, ao papel da mulher na contemporaneidade e à supervalorização do consumo.
Conseguir aplicar propostas num plano real. Essa é o caminho trilhado pela candidata ao curso de direito, Emanuella Ribeiro Halfeld Maciel, de 17 anos, para fazer uma boa redação. “Gosto de trabalhar muito com uma proposta que seja plausível, algo que realmente possa ser feito e usado. Às vezes, há ideias muito boas, mas não são viáveis. Penso sempre no que posso fazer agora para mudar uma situação”, diz. Ao longo do ano, a menina treinou bastante e aprendeu a não desviar do tema pedido. Na preparação da redação, ela inclui a leitura de revistas de atualidades e o acompanhamento das notícias pela internet. “Gosto bastante de ler, o que influencia na escrita, e faço redação para as aulas”, afirma.
Futebol
Na rotina de estudos, Emanuella se dedica inteiramente ao colégio, mas reserva um tempo para jogar futebol, que a ajuda a aliviar a mente. Ela dá dicas para se sair bem em redação: “Tem que ter bastante lógica, porque, às vezes, pode cair algo que você nunca viu, mas aproveitando os conhecimentos em outras áreas, é possível fazer boa prova.”
Estudante do 3º ano do Santo Antônio, Henrique Pitchon Magalhães Ribeiro, de 17, fez antes uma única edição do Enem, ano passado. Comparando com provas antigas, ele acredita que a avaliação passou a cobrar mais conteúdo e a ter textos mais curtos, se aproximando mais das características de vestibulares tradicionais. Para a prova de redação, ele procura se manter informado dos aspectos mais importantes, obter informações sobre o maior número possível de assuntos e trinar a escrita conforme exige o exame. As aulas são somente no colégio. “Com a enorme carga horária que já nos é imposta, não sobra tempo para fazermos aulas extras em outras instituições.”
A rotina do garoto é centrada nos estudos, mas, de vez em quando, ele tira um tempinho para o lazer. Para Henrique, o maior desafio da redação é o tema. “É uma prova para a qual temos que nos preparar e só conhecemos o tema na hora. Por isso, é importante ter o máximo de conhecimento sobre assuntos recorrentes no mundo atual, desde a crise energética que vivemos até os conflitos no Oriente Médio. No mais, a estrutura textual não é complicada se você tiver domínio do tema proposto”, afirma.
Clareza na expressão de ideias
Para acertar no tom, é importante ser um leitor contumaz de artigos de opinião, editoriais e reportagens que tragam informações e discussões sobre temas de ordem social, científica, cultural ou política. “Para ser bem-sucedido numa prova que avalia a habilidade na expressão escrita, é ainda essencial expressar as ideias de modo organizado, com clareza na articulação do pensamento e precisão vocabular, sem desnecessários rebuscamentos na escolha lexical”, explica a professora de redação do Colégio Santo Antônio, Giovanna Spotorno.
Outros dois pontos são essenciais, segundo Giovanna. O primeiro é não se esquecer da exigência de se elaborar propostas de ação social. “O estudante precisa apresentar e discutir formas de se enfrentar o problema. Não basta enumerá-las, é necessário detalhamento para que se tornem plausíveis”, diz. O segundo é a atenção à correção gramatical: “O domínio da modalidade escrita formal da língua é ponto-chave para uma boa avaliação nessa prova”. Para não perder pontos, é preciso ainda estar atento às competências cobradas no teste.
Exigências
Na redação, o Ministério da Educação (MEC) avalia se o aluno domina a escrita formal da língua, compreende a proposta de redação e aplica conceitos de várias áreas do conhecimento para desenvolver o tema. Também exige demonstração de conhecimento dos mecanismos linguísticos necessários para a construção da argumentação e a elaboração de proposta de intervenção para o problema abordado, sempre respeitando os direitos humanos. Para Giovanna Spotorno, por se tratar da elaboração de texto dissertativo-argumentativo, é primordial a produção de sentido, com afirmações sustentadas por explicações e justificativas. (JO)
1 Assistir a bons documentários e a boas entrevistas sobre temas relacionados a questões sociais, ambientais, culturais e políticas, sobretudo do Brasil.
2 Ler sobre esses temas em jornais e revistas, em blogs e refletir, criticamente, com o cuidado de observar as associações de ideias estabelecidas pelo autor, a seleção vocabular, enfim, o trabalho de construção do texto.
3 Escrever bastante (no mínimo, duas redações por semana) e ter um leitor proficiente para avaliar seu desempenho.
4 Rever algumas regras gramaticais da modalidade formal da língua, como emprego da crase e o estudo das conjunções.
Na hora “h”
1 Ler com muita atenção o tema e os textos motivadores. Nunca perder de vista o tema e o recorte temático.
2 Destacar palavras-chave no tema e nos textos motivadores para desenvolver seu projeto de texto.
3 Selecionar informações, fatos e opiniões para desenvolver um texto autônomo, ou seja, um texto capaz de refletir o pensamento do autor.
4 Fazer rascunho ou, caso não dê tempo, um esquema bem detalhado.
Isabella Sobroza Pimenta Pereira
1º período de medicina da UFMG
“Sou de Teófilo Otoni, tenho 18 anos, e, com a chegada do ensino médio, me mudei para BH. Sempre fui muito ansiosa e, ao me deparar com o universo de matérias que o Enem abrange, fiquei mais desesperada ainda. Queria ler todos os textos, todos os jornais, todos os livros e fazer todas as questões. Mas o tempo era curto. Tive que me organizar e selecionar o que considerava mais importante. Um hábito que sempre cultivei e que me ajudou muito foi o de ler. O gosto pela leitura incentivou o gosto pela escrita, e fazer redações para mim não foi tão penoso. Essa é a prova do Enem que mais influencia na nota final e o único jeito de se preparar é escrevendo (e muito). Minha média eram de dois ou três textos por semana, além de aulas de redação extracurriculares. Todo o sacrifício valeu a pena. Não há sentimento que se compare a ver seu nome na lista de aprovados.”