Dois anos se passaram desde a implementação da Lei das Cotas nas universidades federais e, se para muitos alunos o período representa o cumprimento de metade da faculdade, nas instituições mineiras, do ponto de vista pedagógico, é sinônimo de falta de informação. Isso porque a maioria delas não sabe ainda como anda o desempenho de quem foi beneficiado pela ação afirmativa. A expectativa dos pró-reitores de Graduação é de que eles tenham notas tão boas ou até melhores do que quem entrou pela ampla concorrência. Mas os resultados das duas únicas universidades a terem levantamento dessa situação acendem o sinal de alerta. Nas federais de Lavras (Ufla), no Sul de Minas, e de Juiz de Fora (UFJF), na Zona da Mata, os cotistas têm performances piores do que os demais alunos.
Quando se considerou a evasão por curso, a dos cotistas foi mais alta em oito dos 23 cursos avaliados: agronomia, zootecnia, engenharia florestal, ciência da computação, sistemas de informação, matemática, física e em engenharia ambiental e sanitária. É mais baixa em engenharia agrícola, veterinária, administração, engenharia de alimentos, ciências biológicas, química, engenharia de controle e automação, nutrição, filosofia, letras, administração pública, direito e em educação física.
O assessor para Desenvolvimento Acadêmico da Ufla, João Chrysóstomo de Resende Júnior, se disse surpreendido pelos resultados. “O cotista é um aluno que valoriza mais a vaga que aquele que teve uma formação melhor, porque conseguiu de maneira mais difícil. Os estudantes da ampla concorrência acabam não levando tanto a sério, por isso eles se aproximam bastante em termos de notas”, diz. O professor informa que os dados serão atualizados e acredita que a tendência de regularidade será mantida.
Na UFJF, os alunos beneficiados têm tido ao longo dos anos as piores notas, além de alta taxa de reprovação. Os resultados estão na tese de doutorado do professor de estatística da instituição Antônio Beraldo, que analisou o desempenho de cotistas de 2006 a 2012. Foram estudados três grupos: autodeclarados negros vindos de escolas públicas (A), demais egressos de escolas públicas (B) e não cotistas (C).
Entre os alunos do grupo A, 70% deles têm pelo menos uma reprovação por nota, muito superior à dos cotistas B (56%) e não cotistas (54%). Nos cursos da área de exatas, eles apresentam percentuais de alunos com pelo menos uma reprovação por nota bem maiores que os demais. Já a reprovação por frequência atinge 37% desses estudantes, percentual bem superior aos demais alunos. Por outro lado, os do grupo B têm um percentual menor do que os não cotistas.
As taxas de reprovação de cotistas autodeclarados negros são muito maiores do que a dos egressos de escola pública ou de quem entrou pela ampla concorrência. Segundo Beraldo, a situação se agrava ainda mais em cursos da área de exatas. “É inacreditável que, em um curso como matemática, absolutamente todos os alunos tenham sido reprovados pelo menos uma vez. E que mais de 93% dos 666 alunos do bacharelado em ciências exatas tenham sido reprovados em pelo menos uma disciplina. E que há alunos com mais de 20 reprovações por nota, às vezes com seis reprovações em apenas uma disciplina.”
Conseqüências
O professor considera desperdício de dinheiro público uma evasão de 50% dos alunos, como ocorre nos cursos de física e de matemática, ou em ciências sociais (42%). Ou que haja estudantes reprovados em mais de 15 disciplinas, não por nota, mas por frequência. “Pode ser que esses alunos não consigam se graduar sem que haja um suporte financeiro e, principalmente, pedagógico, para superar as falhas no seu embasamento acadêmico”, critica Beraldo. “Dentro da universidade não há lei das cotas, só no ingresso. Então, muitos cotistas evadiram por não aguentar os cursos, ou estão se arrastando, sendo reprovados direto”, afirma.
A UFJF foi procurada pela reportagem, mas não havia respondido à solicitação até o fechamento desta edição.