Junia Oliveira
Trabalho precoce, gravidez na adolescência, violência, falta de proposta pedagógica atrativa e até mesmo homofobia. Em cada narrativa, histórias vividas por si mesmo ou por colegas que culminaram no abandono da sala de aula. Realidades Brasil afora mostram a cara do ensino médio e os desafios da última etapa da educação básica, que só conseguirá ser universalizado daqui 30 anos se mantido o cenário atual, como mostra relatório lançado ontem pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), em Belo Horizonte. Menos de 60% dos alunos entre 15 e 17 anos está matriculado no nível médio, enquanto 16,3% (1,7 milhão) de jovens nessa idade está fora da escola.
Os dados estão na publicação “10 desafios do ensino médio no Brasil”, apresentada ontem no seminário Ensino Médio no Brasil: sujeitos, tempos, espaços e saberes, que é promovido até amanhã pelo Observatório da Juventude da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), no câmpus Pampulha. Eles mostram que entre os matriculados nessa etapa, 31,1% (2,6 milhões de alunos) estão atrasados na escola. É expressiva também a quantidade de adolescentes que ainda frequentam o ensino fundamental: 3,1 milhões, ou 35,2% dos alunos de 15 a 17 anos. “O ensino médio precisa de um olhar específico. Precisamos superar a visão mágica de que, investindo nos primeiros anos da educação, o resto vai bem, porque não vai e aí está a prova”, afirma o coordenador do Programa Cidadania dos Adolescentes do Unicef no Brasil, Mário Volpi.
O relatório apresenta os desafios apontados por 250 adolescentes que estão fora da escola ou em risco de abandoná-la. O objetivo da pesquisa, feita pelo Observatório da Juventude, foi entender o que os impede de permanecer na escola e progredir nos estudos. Foram feitas entrevistas em Belo Horizonte, Santana do Riacho (na Região Central de Minas), Brasília (DF), Belém (PA), Fortaleza (CE) e São Paulo (SP), entre outubro e dezembro de 2012 e entre maio e novembro de 2013. Volpi destaca que o diferencial da pesquisa é tratar de problemas apontados pelos próprios adolescentes, como necessidade de trabalho, gravidez, violência familiar e no entorno da escola, falta de acesso à escola na zona rural e de propostas pedagógicas inovadoras.
O primeiro dos desafios é resolver o problema doa alunos retidos no ensino fundamental. O segundo, garantir vagas para todos no ensino médio – o país tem, ao todo, 10,5 milhões de adolescentes entre 15 e 17 anos e 8 milhões de vagas, sendo que mais da metade dessas são ocupadas por estudantes com distorção de idade/série. Bullying e violência também foram apontados na pesquisa – problemas da sociedade que repercutem na escola. A organização curricular foi outro ponto .
“É preciso avançar por agrupamento de conteúdos, por áreas de interesse. Não faz sentido tantas matérias”, afirma Mário Volpi. “Esses desafios estão centrados na perspectiva dos jovens. Falamos de problemas reais. Temos todo o fundamento legal e o orçamento . Exemplos são os investimentos no ensino fundamental e a obrigatoriedade do ensino médio. Agora, é fazer as mudanças legais chegarem ao chão da escola”, completa o coordenador do Unicef.
Professor do Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino da Faculdade de Educação da UFMG e um dos organizadores do seminário, Juarez Dayrell destaca a necessidade de refletir os desafios e possíveis saídas. Para isso, o evento conta com 40 jovens da Grande BH e outros 40 de diferentes regiões do país, professores e gestores estaduais. “É preciso refundar o ensino médio. As pessoas têm uma ideia equivocada de que é necessário começar tudo de novo, mas tem muita experiência boa ocorrendo por aí”, diz. Segundo ele, há vários fatores que se correlacionam. “Não adianta mudar o tempo escolar se não alterar o currículo nem os espaços escolares, por exemplo”, afirma. “E não adianta querer mudar a escola só dentro dela, porque boa parte dos problemas está fora, vêm na sociedade. E ela tem que pensar que jovem quer formar.”
RETOMADA Aluno do 1º ano do ensino médio da Escola Estadual Bernardo Monteiro, no Bairro Prado, na Região Oeste de BH, Ildeu Ferreira, de 19 anos, parou de estudar por não ver sentido no que aprendia em sala de aula. Natural do Vale do Jequitinhonha, aos 17 anos, morando sozinho na capital e sem os pais para cobrar, decidiu abandonar tudo. Ano passado, ao perceber que estava “ficando para trás”, decidiu retomar os estudos. “Não conseguia acompanhar as conversas com amigos e não tinha oportunidade de bons empregos. Além disso, muitas vagas pediam atestado de matrícula”, conta.
Para Ildeu, a monotonia das aulas continua, mas ele decidiu encarar o 1º ano para ter base e fazer, ano que vem, o supletivo. Posteriormente, pretende se submeter ao Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). A ideia é fazer educação física na universidade. “O modelo de escola que temos hoje não dá liberdade de escolha nem permite interação melhor entre professor e aluno. É preciso algo mais dinâmico.”